Há 11 anos, no fim da campanha eleitoral que antecedeu as eleições gerais de 11 de Outubro de 2014, Filipe Jacinto Nyusi, que acabaria por se sagrar vencedor, concedeu uma entrevista a Arsénio Henriques, então jornalista da STV e actual adido de imprensa da Presidência e um dos seus homens de maior confiança. Durante a entrevista, Henriques questionou Nyusi sobre as linhas mestras de sua governação em caso de vitória. Há escassos meses do fim do segundo mandato do Presidente, transcrevemos a entrevista na íntegra e aproveitamos o ensejo para colocar as seguintes perguntas aos leitores: será que Nyusi cumpriu o que prometeu na entrevista, ou seja, honrou os compromissos assumidos perante os moçambicanos?
Texto: Entrevista emitida pela STV
Arsénio Henriques (AH): O que é que os moçambicanos realmente podem esperar de si, se chegar à Ponta Vermelha?
Filipe Nyusi (FN): Os moçambicanos podem e devem esperar uma boa governação, uma governação baseada na verdade e no realismo. Durante esse tempo em que estivemos a percorrer Moçambique, o nosso assunto não era apenas levar a mensagem de campanha para influenciar o eleitorado a votar em nós, mas era, sobretudo, nos actualizarmos em torno das preocupações das populações. E vimos que para o bem-estar das populações precisamos de atacar algumas áreas. Tenho em mente que o factor humano é o centro de tudo. Tenho que satisfazer o homem, tenho que governar resolvendo os problemas ou satisfazendo os interesses dos moçambicanos. E, por isso mesmo, a produção de renda, de riqueza, há-de ser o factor essencial. Para tal, vamos abraçar com rigor e com qualidade a educação, pois por aí, novamente, vamos tocar no homem, que é o professor. Vamos trabalhar para a saúde dos moçambicanos, para estarem disponíveis para poderem produzir e não só ter uma boa vida. Vamos, neste caso, trabalhar também para o emprego. Portanto, são áreas fundamentais e essas áreas todas desaguarão na produção. Produzindo, vou resolver as preocupações dos moçambicanos e, ao mesmo tempo, criar o bem-estar que é a base central ou a meta da minha governação.
AH: Uma das grandes mensagens que deixou nesta campanha é a ideia da “mudança na continuidade”. Muitos são cépticos em relação a esta continuidade. O que é continuidade? O que é mudança? Não há conflito entre esses dois elementos?
FN: Para já, não há totalmente. Eu, por exemplo, sou do partido Frelimo, vou ser Presidente da República de Moçambique sendo membro do Partido Frelimo. O Presidente Guebuza é membro do Partido Frelimo. Então, praticamente, seria totalmente absurdo não falar da continuidade. Mas continuidade significa desenvolvimento, porque não se pode desenvolver algo que não continue a partir de uma base criada.
“Vamos ser rigorosos na questão da separação de poderes”
AH: Não vai criar rupturas?
FN: Não, não. Rupturas nem são preocupação. O que está mal, vamos tirar. Mesmo se fosse a mesma pessoa a continuar, tiraria as coisas más. Mas nós vamos imprimir grandes mudanças. Eu tenho estado a falar, por exemplo, nessa questão da separação de poderes, vamos ser muito rigorosos para ver se conseguimos resolver o problema de a população confundir as coisas. Por exemplo, quando a polícia erra, pensam que é o juiz; quando o juiz solta, pensam que é a polícia; e há uma série de exemplos como esses. O juiz tem que decidir livremente. Incluindo o Parlamento, submetemos as leis, se tivermos as nossas propostas, e eles que decidam como querem, sem a nossa influência. E assim haverá maior transparência e funcionalidade do sistema todo. Mas prefiro falar mais do emprego, porque a camada que me tocou muito é a jovem, e depois as mulheres.
“Estamos a desenhar uma política do primeiro emprego”
AH: Portanto, há uma grande aposta na questão do emprego? O que os jovens moçambicanos podem esperar de si?
FN: Sim, primeiro o terreno para trabalharem. Já falamos de agricultura, toda a gente agora fala da agricultura mecanizada, mas nós já desenhamos um ciclo produtivo, em que se cultiva, transforma-se, comercializa-se, etc. Isso, por si só, cria uma cadeia de valores, canais de comercialização, transporte, construção de barragens, uma série de coisas em torno da agricultura. O produto tem que ser transformado em Moçambique, assim emprega muitas vezes. Mas o emprego por si só nunca vai ser suficiente, nunca vamos conseguir empregar toda a gente. Vamos falar de emprego e trabalho. O trabalho, cada pessoa pode fazer – pode trabalhar na machamba, pode trabalhar na carpintaria, na serralharia, como pintor, etc., e essas oportunidades nós vamos criar. Vamos também trabalhar no sentido de motivar as empresas ou os investimentos que possam gerar empregos para os jovens. Estamos a desenhar uma política do primeiro emprego, porque muitas das vezes as pessoas ficam com medo de quem não trabalhou, mas não tem que ter medo, porque toda a gente trabalhou pela primeira vez, não há quem tenha [nascido com] cinco anos de serviço. Então, iremos desenhar essas políticas que possam integrar esse tipo de pessoas com formação para poderem conseguir emprego, ou mesmo para poderem criar os próprios empregos. Da mesma maneira, estamos a desenhar o pensamento que temos em relação aos centros de emprego. São centros para gerir o emprego, para gerir a oferta quando houver, mas também para poder gerir a procura. Temos estado a falar do Fundo do Desenvolvimento e Equidade, um fundo que vai definir os critérios, até pode ser autofinanciado, mas também pode ser financiado por outros fundos, estrangeiros, nacionais, numa base criteriosa bem definida. Portanto, em relação ao emprego, sabemos que empregando estaremos a criar oportunidades para a distribuição de riquezas. No meu ciclo de governação, a questão de oportunidades para todos e de uma forma transparente vai ser também a grande batalha que vamos fazer.
AH: Uma das promessas mais importantes que tem feito é de que vai ser Presidente de todos os moçambicanos. Respondendo a uma questão concreta, esta questão do conflito partido-Estado, partido-governo, como é que pensa gerir isso e como é que vai ser Presidente de todos os moçambicanos? Qual é a política que vai introduzir?
FN: Isto é simples. Ser Presidente de todos os moçambicanos, sobretudo nesta questão de criação de oportunidades e na distribuição de riqueza. Imaginemos que existem recursos por explorar, há quem tem capacidade para explorar, não interessa se é religioso, muçulmano, católico, se é branco, mulato, se é rico, etc., ou se é do partido A, B, C ou da Frelimo. Não, ali não. Apresenta as condições definidas pela regra do jogo, tem acesso ao trabalho. Nos sectores de trabalho, no funcionalismo do Estado, a competência é que vai jogar, a pessoa competente é que vai poder trabalhar naquela área. Se é um bom professor, não vou olhar se é professor do partido A ou B ou C. Trago uma experiência muito boa, das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), onde convivia com os comandantes, viajávamos juntos, ajudávamos nas missões. Trabalhavam com transparência e, de certeza, deixei saudades.
“Podem esperar um governo de competentes”
AH: Que tipo de governo podemos esperar nós, os moçambicanos, caso vença as eleições?
FN: Um governo de competentes, um governo de pessoas de confiança, necessariamente, para ver se tenho a certeza de que vão levar as missões e o programa do Governo [a bom porto]. O nosso programa é para o desenvolvimento de Moçambique, não é um programa interno, mas um programa da governação. Se as pessoas tiverem a capacidade de executar este programa sendo os meus camaradas, etc., vamos trabalhar na base da competência. Isso é possível porque agora [o leque de] escolha é muito grande e é possível encontrar pessoas dedicadas a isso.
AH: E como é que pensa em garantir a efectiva separação de poderes?
FN: Neste caso concreto, é deixar as coisas acontecerem com uma autonomia dentro das balizas, não preciso de nada de influenciar. Eu estava a dar o exemplo da polícia. Primeiro, a própria população deve perceber. Porque agora o grande problema é que, às vezes, confundem um poder com outro, todos imputam responsabilidade ao executivo, quando ladrões são soltos ou quando há uma lei mal elaborada. Não, existe o poder legislativo, que pode ser muito bem avaliado, e a comunicação é uma das formas que nós vamos encontrar, explicar às populações o que é, o que tem que fazer, como tem que fazer. Mas também isso passa, necessariamente, da minha própria parte como Presidente da República, por estar em condições de dizer que isso pára ali. Isso não é nosso assunto, aquele assunto entrega àqueles. Isso teremos que fazer.
AH: Em Chókwè foi muito ovacionado quando falou de combater o abuso do poder, falou que não basta ser chefe para usurpar todas as oportunidades que o Estado cria. Como é que pensa em agir nesta matéria?
FN: Não, isto é o controlo, é a cultura de prestação de contas, exactamente quando são missões dadas e não só. Por exemplo, em relação ao abuso do poder, as pessoas primeiro têm que ter clareza. Se é uma viatura que foi alocada para o serviço, esta viatura tem que ser usada para o serviço. E então, no controlo, no método de fiscalização, não precisa o Presidente andar atrás disso. É a cadeia da subordinação própria que existe. Então, se nós criarmos hábitos e a educação sobre como as coisas funcionam, e com o sistema de fiscalização ou inspecção, isso vai funcionar.
AH: Como é que vai gerir os recursos minerais para que não sejam uma maldição?
FN: Bom, isto é um outro projecto. Nós temos que ver a política, as leis próprias que estão a ser definidas, mas aqui talvez seja importante dizer que o moçambicano tem prioridade primeiro. Tem prioridade em todos os projectos de exploração, naturalmente, aliando-se aos projectos de investimentos estrangeiros, porque imagina lá, para poder fazer prospecção de petróleo, de gás, são [necessários] rios de dinheiro. Haverá muita forma de distribuição de riqueza, mas também vamos evitar que haja sobrefacturação, porque as pessoas, às vezes, pensam que basta aparecer gás, há dinheiro. Eu agora estou a pensar seriamente que temos que investir muito na energia no nosso País. É uma outra mina que nós temos que explorar, como a agricultura, como a pesca, como o turismo.