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2022 em retrospectiva: Haja resiliência!

Texto: Kátia Patricília Agostinho, Economista*

2022 foi um ano marcado por algumas grandes realizações, como a eleição de Moçambique a membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas para o biénio 2023-2024, o início das operações da plataforma Coral-Sul e das exportações de GNL e a retoma do acesso ao financiamento e ao FMI – embora as reias implicações disto sejam objecto de controvérsia. Também, há situações não positivas, como o terrorísmo que continua a assolar a zona Norte do país, especificamente, a província de Cabo Delgado, a onda sinistra de violência e assassinatos a mulheres na cidade da Beira e província de Maputo e a insegurança decorrente dos raptos a empresários proeminentes do país.

Enquando a Covid-19 (que abala o desempenho económico do país desde 2020) e o conflito geopolítico entre a Russia e Ucrânia geram desafios aos agentes económicos, o anúncio da implementação da TSU trouxe uma expectativa de dias melhores aos mesmos, dando espaço a especulação e perspectivas de aumento no consumo ou procura por bens e serviços, visto que era como se de aumento salarial generalizado na Função Pública se tratasse.

Durante o primeiro semestre, o país registou um crescimento de 4,37%, e o FMI antecipa que se registe um cresimento de 3,8% este ano. Segundo o INE, o país registou em Setembro de 2022 uma inflação média de 8.78%, da média de 5.3% prevista para o ano de 2022, contra 4.86% registada em Setembro de 2021, indicando duplicação do nível de preços em relação ao ano passado. Durante o mesmo período, o Índice de Desenvolvimento Humano regrediu comparativamente ao ano passado e posicionamo-nos no 181º lugar. Para lá disso, verificam-se situações de insegurança alimentar.

Como podemos interpretar isto em termos de poder de compra do cidadão e nível/qualidade de vida? Até que ponto devemos ter segurança de que o crescimento económico que o país tem registado reflecte, de facto, a realidade, olhando para a deterioração do poder de compra do cidadão? Não tem sido fácil produzir, continuam altos os custos criação de negócios e formalização de empresas, sendo que a burocracia também é constrangedora.

Podemos olhar para alguns acontecimentos de destaque em sectores específicos:

Transportes. Vimos um sector em crise e sem direcção para resolver os problemas para os quais devíamos estar preparados como um país. É caso para dizer que nem sempre o problema é falta de resursos, a este item (recursos) devem aliar-se um bom planeamento, coordenação e muita vontade dos intervenientes em fazer as coisas funcionarem. Falando especificamente do serviço público, não é de hoje que o país tenta implementar uma solução para o transporte público, mas nunca encontra sucesso. O sistema de pagamento digital no sector de transportes não é novidade no mundo e em países com características semelhantes a Moçambique. A Índia, por exemplo, implementou uma solução e funciona, por que Moçambique não pode conseguir? Educar as pessoas a se comportarem de forma cívica nas paragens não deve ser um bicho-de-sete-cabeças. O Governo tem o poder de impor e sancionar aquele que fugir a regra. Com um pouco de vontade, acredito que é possível.

Educação. O que vimos no sector da Educação, especificamente erros nos livros escolares, reflecte a qualidade que temos a nível profissional. Se as multinacionais muitas vezes preferem importar capital humano, principalmente para posições-chave, devíamos reflectir o que queremos para o país. Quais soluções? Reforma profunda neste sector, quiçá reversão de algumas medidas implementadas no passado que só retiram o mérito do sistema, como por exemplo a passagem automática. Parece que este ano foi marcado pelo despertar das massas que, usando as redes sociais, foram desabafando e manifestando a sua indignação em face das gafes graves nos livros escolares, que levaram o Governo a fazer algumas intervenções.

TSU. Ora, por mais nobre que a causa tenha sido, para o infortúnio de todas as partes envolvidas, a TSU trouxe consigo problemas conceptuais graves, levando ao não alcance dos seus objectivos iniciais, havendo até indicações de casos de despromoção salarial. Isto levou a diversas manifestações sectorias de descontentamento, sendo as mais sonantes as greves dos funcionários do MEF e dos médicos. Estes últimos, durante a fase pandémica da Covid-19, eram hérois vivos e aclamados. Hoje, são encarados como se de inimigos do Estado se tratassem. Em 2023, haverá solução?

Casos de violência na base do género. Estou convicta de que os casos de violação e assassinatos, que têm acontecido principalemente nas províncias de Maputo e Sofala (Beira), devem ser tratados doutra forma. Começa a parecer uma acção coordenada que se pode confundir com terrorismo. Será que esta onda começou mesmo agora ou já acontecia e não era noticiada? Se começou agora, por que é agora? Por que é nessas cidades? As vítimas merecem justiça!

Terrorismo. Lamentávelmente! Volvidos cinco anos, este problema continua a assolar a província de Cabo Delgado e alguns distritos a volta. É triste que acima do sofrimento pelo qual já passam as vítimas deste mal se verifiquem casos de dupla vitimização. No caso, falamos de mulheres que são violadas e obrigadas a manter relações sexuais em troca de socorro por aqueles que deviam ser o seu amparo ou a sua lufada de ar fresco em momentos de desepero. É caso para dizer que ser mulher muitas vezes é uma condenação. Acima disso, não sei se é possivel perceber o modelo de apoio que se tem adoptado, pelo facto de outros países estarem agora a “representar”ou “falar por Moçambique” lá fora, como é o caso do Ruanda receber apoio directamete para, supostamente, combater o terrorismo em Mocambique; Ainda somos soberanos ou somos província de Ruanda? Tive a oportunidade de passar a última semana do ano na cidade de Pemba e, apesar do momento crítico, há uma tentativa de viver dentro da normalidade por parte das pessoas.

O julgamento do ano. Há quem acredite que seja a esperança da justiça moçambicana, mas como podemos ter a certeza disso?

Termino enaltecendo três figuras institucionais que mostraram iniciativa e implementaram medidas e projectos que contribuem para o avanço do país a bom porto:

  • O Banco de Moçambique, pela viabilização da interroperabilidade dos serviços de dinheiro móvel, da conta básica e do NUIB (Número de Identificação Bancária), medidas estas que contribuem para maior inclusão financeira no país, embora a questão do custo esteja ainda iminente;
  • O SEJE, pela iniciativa Agora Emprega e outras – são oportunidades que, há muito, eram necessárias para os jovens à procura de valorização e implementação das suas ideias;
  • O Ministério dos Recursos Minerais e Energia – por viabilizar a primera exportação do GNL ainda em 2022.

*Kátia Patricília Agostinho assina a coluna “Economicamente Falando”, do semanário Dossier Económico

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