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Disputa pela “Academia Mário Coluna” sem fim à vista

Depois de longos anos de batalhas jurídicas, o Clube da Namaacha afirma ter conseguido retomar o controlo das instalações desportivas que, há alguns anos, funcionaram como academia, sob égide da Federação Moçambicana de Futebol (FMF). Não obstante a alegada vitória, o Clube da Namaacha não dá por encerrada a luta e revela outros objectivos por alcançar, nomeadamente responsabilizar a FMF por supostos danos patrimoniais e cobrar dívidas junto da Vodacom. Por sua vez, a FMF insiste que é a única proprietária das infraestruturas em causa, e diz que o Clube da Namaacha não existe.

Texto: Serôdio Towo e Amad Canda

A disputa pelo controlo do espaço que chegou a ter o nome de Academia Mário Esteves Coluna terminou, de acordo com o Clube da Namaacha, que diz ter ganhado a causa em tribunal. Os associados do Clube vivem, por isso, “tempos de alívio”, nas palavras do director executivo da agremiação, Rafael Paulo Langa.

Entretanto, o alívio não representa propriamente o fim da “novela”, que deverá conhecer novos capítulos em breve. É que o Clube da Namaacha alega haver danos patrimoniais supostamente provocados pela FMF.

“Transformaram aquilo numa coisa que não entendemos o que é. Destruíram balneários, subtraíram máquinas da piscina e, se não fosse a nossa intervenção, teriam tapado a piscina. Cortaram o pinhal, destruíram a vedação e toda a maquinaria de cinema. São muitas coisas”, detalha Rafael Langa.

O Clube vai diligenciar para que o órgão reitor do futebol nacional repare os danos causados, mas espera que não haja necessidade de arrastar o assunto para os tribunais. “Nós vamos começar com a boa-fé. Agora, se eles acharem que juridicamente é melhor, iremos, mas primeiro queremos perceber se reconhecem o erro que terão cometido”, esclarece Langa, acrescentando que será contratado um consultor independente para calcular, sob ponto de vista financeiro, a extensão dos danos em causa.

Vodacom com dívidas

Outra grande frente que o Clube da Namaacha tem,  envolve a companhia de telefonia móvel Vodacom, que montou uma antena nas instalações da agremiação. Segundo explica o director executivo, que também é presidente do Conselho Fiscal, o acordo rubricado indica que a empresa deve pagar, por mês, 122 mil meticais ao Clube da Namaacha, o que não acontece já há alguns anos.

Em Assembleia Geral, havida em Julho do presente ano, o Clube decidiu correr atrás do dinheiro que, de 2006 até esta parte, só por uma ocasião entrou na conta desta agremiação (em 2015) e, segundo a fonte, canalizado pela FMF, que terá passado a receber indevidamente o valor.

“Apareceu um documento que dizia que a própria Federação reconhece o acordo [da Vodacom] com o Clube da Namaacha, e que passaria para a Federação. Mas dizia que antes da explicação de quem é verdadeiramente dono [das instalações], a Vodacom ia suspender o pagamento. Esse documento era para tapar a vista dos menos atentos, porque o que aconteceu é que o dinheiro já era drenado para a Federação”, revela Rafael Langa.

Questionado sobre o porquê de só o Clube decidir “perseguir” o dinheiro, que se aproxima aos dois milhões de meticais, Langa alega que “não era possível fazer guerra com dois colossos, com os meios financeiros e humanos escassos”.

“A vodacom tem de perceber que é responsável por trazer o dinheiro porque foi ela que fez o acordo, tendo depois ‘desviado’ o mesmo para a terceiros [FMF]”, esclarece o responsável, que diz não ver problema no facto de o Clube da Namaacha ter aceitado, em 2015, receber o dinheiro por intermédio da FMF, mesmo sabendo que o contrato foi assinado com a Vodacom. Pelo contrário, diz tratar-se de um “trunfo”, e argumenta:

“Era para a Federação perceber que tem um dinheiro que não lhe pertence”.

Uma relação que se foi deteriorando com o tempo

Rafael Langa é um homem satisfeito por ter vencido o litígio com a FMF. Apesar das dificuldades financeiras, considera que o Clube da Namaacha está saudável agora que o “dono da casa” voltou ao “quintal” para assumir as rédeas e acabar com uma desordem “criada de propósito”.

A parceria entre o Clube da Namaacha e a FMF iniciou no limiar da década de 2000, depois da assinatura de um acordo para implementação, pela FMF, de um projecto denominado Golo, financiado pela FIFA, o organismo que gere o futebol mundial.

O acordo não tinha muita coisa que devia ser feita, senão implementar o projecto Golo. Significa, em termos concretos, que a Federação, em um sítio devidamente indicado e sinalizado, devia construir um edifício com três pisos e levar o campo antigo do clube para o outro lado, e do outro lado construísse mais dois campos para treinos”, diz a fonte.

Nos anos subsequentes, aquelas infra-estruturas contribuíram na formação de futebolistas e tornou-se uma das escolhas preferenciais para estágios de pré-época para os clubes do Moçambola e não só.

As boas relações acabariam, no entanto, por ruir, devido àquilo a que o diretor executivo do Clube da Namaacha chama de “tentativa de ludibriar” movida pela FMF. Nossa fonte faz referência ao surgimento de um documento assinado pelos ministros da Juventude e Desporto, Finanças e Obras Públicas, dando conta de que o Clube passava para a Federação.

“Foi aí onde a própria guerra começou”, diz Langa, que lembra que alguns associados do Clube chegaram a ser presos.

Problema começa com saída de Coluna

O facto, segundo a fonte, é que o acordo rubricado entre as duas instituições previa que, ao cabo de 10 anos, a FMF devia devolver as instalações. Mas o fim do reinado de Mário Coluna – mentor do projecto Golo – e a ascensão de Feizal Sidat determinaram o caminho da ruptura.

“No seu primeiro mandato (começou em 2007), Sidat colocou de fora a hipótese do Clube estar dentro, como se fosse estranho ao acordo. Então,  é este momento que fez com que a gente se sentisse excluído e a doença começava daí”, conta.

O gestor do Clube da Namaacha revela que foi com espanto que, em visita às instalações, Mário Coluna deparou-se com o seu nome nos balneários. Estava escrito “Academia Mário Esteves Coluna”. “Eu vim aqui e existia o Clube. Não posso admitir que onde pedi espaço para desenvolver certas infra-estruturas financiadas pela FIFA seja minha propriedade. Apaguem meu nome aí”, terá dito o “monstro sagrado”, como também era conhecida uma das maiores lendas do futebol mundial.

Confusão com os nomes

Rafael Langa descreve como “longos, difíceis e de sacrifício” os caminhos percorridos até à reconquista das instalações desportivas. Nas batalhas jurídicas travadas, acabou por aparecer uma outra entidade que alegava ser dona do património, e com um nome muito próximo ao do grupo com que a FMF firmara acordo de parceria.

Clube de Namaacha. Era esse o nome da terceira entidade. A diferença situa-se na preposição “de”, pois a agremiação reconhecida pela maioria é Clube da Namaacha. Outro dado que diferencia as duas agremiações é o ano de fundação. Enquanto o Clube de Namaacha foi fundado em 1996, o Clube da Namaacha nasceu em 1946.

“Quando o Clube de Namaacha de 96 precisava ficar com o património do Clube da Namaacha de 46, o tribunal foi muito atento” e percebeu que quem tinha acordo com a FMF era o Clube da Namaacha, e não o de Namaacha.

“O Clube não existe” – Hilário Madeira

Dossiers & Factos contactou o secretário-geral da FMF para ouvir o outro lado da história, e o que Madeira disse é totalmente oposto à versão do Clube da Namaacha. De forma categórica, o responsável afirma que as instalações pertencem ao órgão que gere o futebol nacional, acrescentando terem sido conquistadas “juridicamente”.

Diz que a agremiação não foi notificada sobre a eventual decisão do tribunal que dá razão ao Clube da Namaacha. Madeira vai mais longe e afirma que o Clube da Namaacha nem sequer existe, e justifica-se: “o Clube pode estar legal, mas se não estiver filiado a nenhuma associação, não existe”.

“Ninguém constrói em terreno alheio”

Foi com esta instituição que, para Hilário Madeira, não existe, que a FMF rubricou, em tempos de Coluna, um acordo para desenvolver o projecto Golo. Segundo o Clube, o mesmo estabelecia que a FMF construiria infra-estruturas e  usaria-as por um período de 10 anos, devolvendo-as, depois, ao Clube.

Madeira rebate, afirmando que “ninguém constrói em terreno alheio”. Reforça a ideia de que as instalações pertencem à FMF, e socorre-se no já referido documento assinado por três ministros, que, segundo o Clube, é uma “manobra política”.

Segundo Madeira, a FMF comprometeu-se apenas a dar apoio ao Clube da Namaacha e garante que este apoio foi dado enquanto a agremiação tinha atletas.

O responsável também diz não ser verdade que a FMF está a receber indevidamente o dinheiro da Vodacom, pois, segundo ele, foi com a FMF que a companhia de telefonia móvel assinou o contrato que resultou na instalação da antena e não com o Clube. Questionado sobre as razões que levaram a que, a dada altura, a FMF tivesse enviado o mesmo valor aos gestores do Clube, Hilário Madeira diz que se tratava de “apoio”.

Apesar de o secretário-geral insistir que o Clube da Namaacha não existe, Dossiers & Factos está em condições de afirmar que a agremiação está a desenvolver várias actividades no local, incluindo jogos de futebol. Confrontado com esta informação, o número dois da FMF reagiu dizendo que, havendo problema, deve ser tratado pela Secretaria de Estado do Desporto, a quem a FMF “emprestou” as instalações para transformá-las num Centro de Alto Rendimento. Ou seja, a FMF “lavou as mãos”, mas, na voz de Hilário Madeira, assegura que “um dia voltaremos, porque as instalações são nossas”.

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