A expressão “saio com sentimento de dever cumprido” tornou-se um cliché repetido incessantemente por políticos no final dos seus mandatos. Há já algum tempo que esta declaração é vista quase como um ritual protocolar, uma frase que os jornalistas e o público já esperam ouvir de qualquer governante ou dignitário que encerra as suas funções. A resposta parece ser sempre a mesma, sem variações: “saio com sentimento de dever cumprido.”
Esta repetição quase ensaiada ao longo dos mandatos soa desgastada e, mais do que isso, exaustiva. Porém, talvez esta não seja apenas uma frase oca e é importante considerar seriamente esta hipótese. É sabido que o mundo da política é permeado pela hipocrisia, mas também é verdade que, em certos “lugares-comuns”, podem estar escondidas algumas verdades.
Em algum momento, é necessário acreditar nas pessoas. Afinal, ninguém é completamente mau e certamente ninguém é um mentiroso em todos os momentos. Portanto, sim, pode ser que alguns líderes que se mostram orgulhosos do cumprimento das suas missões estejam realmente a falar com sinceridade. Pode ser que sintam, de facto, que cumpriram com sucesso as suas obrigações.
É nesta reflexão que se encontra a essência deste editorial. Se todos aqueles a quem foi confiada a tarefa de servir o país e o povo, nas mais variadas áreas, terminam os seus mandatos completamente satisfeitos com as suas realizações, mesmo que as condições de vida tenham piorado, então talvez seja preciso admitir que a sua verdadeira missão era, de facto, tornar a vida dos cidadãos comuns ainda mais difícil.
Desde que Moçambique se tornou independente, raramente testemunhámos verdadeiros progressos. E não estamos a falar do crescimento do Produto Interno Bruto, que é frequentemente enganador, mas sim da melhoria das condições de vida dos cidadãos. O Presidente Guebuza, apesar de ter contribuído para a infra-estruturação do país, deixou os moçambicanos a viver pior do que quando iniciou o seu mandato na Ponta Vermelha. Com o Presidente Nyusi, a história parece repetir-se, mas com consequências ainda mais graves.
Não ouvimos, também, Filipe Nyusi fazer uma avaliação negativa dos seus dez anos de governação, tal como não ouvimos o seu antecessor assumir a responsabilidade pela deterioração das condições de vida dos moçambicanos. Este padrão repete-se em todos os níveis, sem excepção. Esta semana, tivemos mais exemplos disso. Ao ouvir os discursos finais dos presidentes dos Conselhos Autárquicos cessantes, a nossa curiosidade principal era saber como eles avaliariam a si mesmos, e ficámos desapontados.
É verdade que nenhum deles ousou exibir orgulho de forma desmedida – isso exigiria uma desfaçatez extraordinária, até mesmo para eles –, mas a simples incapacidade de reconhecer o fracasso pode indicar que, de facto, eles não falharam nos seus objectivos. Em outras palavras, o povo, a sociedade civil e a imprensa talvez não estejam conscientes dos seus verdadeiros propósitos, que parecem consistir no empobrecimento contínuo da população moçambicana, despojando-a do pouco que tem para beneficiar as elites políticas e económicas.
Com isso em mente, e assumindo que finalmente compreendemos a verdadeira missão que forças obscuras incumbem aos nossos dirigentes, especialmente políticos, não nos resta outra opção senão admitir: sim, o vosso dever está a ser cumprido com zelo, caros senhores!
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