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TURISMO EM VILANKULO: Taxa de ocupação cai 70% devido às manifestações

– “Vendeu-se imagem de um País destruído”, Yassin Amuji

O turismo em Vilankulo, um dos destinos mais emblemáticos de Moçambique, enfrenta uma crise sem precedentes. Desde o início das manifestações em Outubro do ano passado, a taxa de ocupação dos empreendimentos turísticos caiu drasticamente de 90% para apenas 5% entre Novembro e Janeiro, um declínio que está a comprometer a sobrevivência de operadores e a ameaçar milhares de postos de trabalho.

Texto: Anastácio Chirrute

A situação, segundo o presidente da Associação do Turismo em Vilankulo, Yassin Amuji, resulta da imagem negativa que foi transmitida para o exterior, levando muitos a acreditarem que Moçambique está mergulhado num cenário de guerra.

“A percepção que foi vendida ao mundo é a de que Moçambique é um País destruído, onde há conflito armado. Eu mesmo recebi telefonemas de amigos em países como Austrália, Portugal e Estados Unidos a perguntarem se eu precisava de ajuda para sair daqui. Alguns ofereceram-se para pagar a minha viagem, a hospedagem e até arranjar- -me emprego, porque estavam convencidos de que Moçambique estava a atravessar uma guerra”, relatou Amuji em entrevista ao Dossier Económico.

Reservas canceladas e quebra na arrecadação de receitas

O impacto da crise reflecte-se directamente nas receitas do sector. De acordo com os dados avançados por Amuji, dos 320 milhões de meticais previstos como meta de arrecadação para 2024, apenas 220 milhões foram efectivamente angariados, o que representa uma perda de cerca de 40 milhões de meticais em relação ao ano anterior, quando o sector do turismo gerou 260 milhões de meticais.

“As perdas são gigantescas. O Estado deixou de arrecadar impostos que normalmente seriam pagos pelo sector. Para se ter uma ideia, no ano passado, tínhamos uma previsão de crescimento de 30%, o que nos levaria a atingir os 320 milhões de meticais. No entanto, não só não crescemos, como tivemos um retrocesso significativo”, lamentou.

A insegurança e a percepção de instabilidade também resultaram num volume massivo de cancelamentos. “Os operadores turísticos tinham entre 40 e 50 reservas confirmadas para o final do ano, mas devido à incerteza, acabaram por ficar com, no máximo, dois hóspedes. Muitos turistas simplesmente desistiram de vir”, revelou.

Além dos hotéis e resorts, a crise afecta uma vasta cadeia de fornecedores e prestadores de serviços. “Os pescadores, agricultores e jovens empreendedores que fornecem produtos e serviços ao sector turístico não conseguiram vender quase nada. Pequenas e médias empresas que prestam serviços de manutenção e logística às unidades turísticas também foram gravemente prejudicadas”, explicou Amuji.

Mais de 50% dos trabalhadores podem perder os empregos

A continuar esta tendência, a crise pode traduzir-se num problema social grave. O presidente da Associação do Turismo em Vilankulo estima que, caso a instabilidade se prolongue, mais de metade dos trabalhadores do sector poderão perder os seus empregos até Março.

“Algumas unidades hoteleiras começaram a despedir trabalhadores em Janeiro e Fevereiro. Outras estão a tentar segurar os seus funcionários até Março, mas depois disso já não terão condições de pagar salários e manter os negócios abertos”, alertou.

O dirigente comparou o actual momento com a pandemia da COVID-19, afirmando que a crise causada pelas manifestações é ainda mais severa. “Durante a COVID-19, pelo menos conseguíamos reinventar-nos e havia uma recuperação gradual. Agora, o impacto foi imediato e ocorreu logo antes da época alta, que normalmente ajuda a sustentar o sector durante o resto do ano. Este ano, começámos com um prejuízo enorme e sem perspectivas de recuperação a curto prazo”, afirmou.

Segundo Amuji, antes da crise, a taxa média de ocupação anual em Vilankulo oscilava entre 70% e 75%, disparando para 90% durante os meses de pico, como Novembro e Dezembro. Agora, caiu para 5%, um cenário insustentável para a indústria do turismo.

Comunicação social “vendeu” imagem de caos

Para Amuji, um dos principais factores que contribuíram para esta crise foi a cobertura mediática nacional e internacional, que ajudou a amplificar a percepção de instabilidade.

“A comunicação social, incluindo a imprensa estrangeira, retratou Moçambique como um País à beira do colapso. Alguns meios de comunicação até enviaram os seus melhores repórteres para ‘cobrir a guerra’, quando na realidade não havia guerra nenhuma. Infelizmente, estamos numa era em que a informação negativa vende muito mais, e esse tipo de conteúdo espalha-se rapidamente pelas redes sociais”, lamentou.

Além da imprensa, Amuji apontou também o papel das representações diplomáticas estrangeiras na deterioração da imagem do País. “Várias embaixadas emitiram alertas desaconselhando os seus cidadãos a visitarem Moçambique. Com isso, fomos empurrados para a lista dos países mais perigosos do mundo, o que obviamente impacta directamente o turismo”, criticou.

E questionou: “Se olharmos à nossa volta, será que realmente somos um dos países mais criminosos do mundo? Acredito que não. Moçambique é um país de paz, e os moçambicanos também. É verdade que existem indivíduos com interesses próprios, mas isso não reflecte a realidade nacional”.

Diante do colapso do sector, Amuji defende que é fundamental trabalhar para restaurar a confiança dos turistas e da comunidade internacional. Para isso, considera essencial que os próprios moçambicanos, incluindo operadores turísticos, o Governo e a comunicação social, promovam uma imagem mais realista e positiva do país.

“Nós temos de transmitir ao mundo mensagens de paz e estabilidade. Desde o início das manifestações, não há um único caso de turista que tenha sido agredido em Moçambique. Isso demonstra que os moçambicanos não estão contra os estrangeiros, mas sim a tentar resolver questões internas”, frisou.

O dirigente teme que, caso nada seja feito para reverter a situação, o impacto no emprego seja avassalador. “Entre 10% e 20% dos trabalhadores do sector já perderam os seus empregos. Se esta situação continuar até Março, mais de 50% dos três mil trabalhadores do turismo em Vilankulo poderão ficar desempregados. Alguns hotéis continuarão abertos, mas com um número muito reduzido de funcionários”, alertou.

Para Amuji, a solução passa por uma acção conjunta de todos os sectores da sociedade. “Se queremos um Moçambique melhor, temos de trabalhar juntos, de mãos dadas. Mas se o objectivo for destruir o país, então posso dizer que estamos no caminho certo. A questão é: será que podemos aguentar mais cinco ou dez anos assim? Acredito que não. Se nada mudar, podemos entrar em colapso”, concluiu.

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