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POPULISMO E A REALIDADE: Legitimidade de Chapo também depende de V.Mondlane

Pela primeira vez em todo o seu percurso como Nação democrática, Moçambique tem um Presidente contestado ainda no início das suas funções, fruto da percepção de que a sua ascensão ao poder não resulta da vontade popular. Legitimado pelas instituições de direito, Daniel Chapo tem o desafio de contrariar a maré de rejeição e legitimar-se também junto às massas, mas esse caminho exige cautela e o sucesso não depende apenas de si, conforme alertam os analistas Samuel Simango e Duarte Amaral.

Texto: Amad Canda

Está consensualizada, na opinião pública moçambicana, a ideia de que o Governo liderado por Daniel Chapo, Presidente investido a 15 de Janeiro do ano em curso, enfrenta uma crise de legitimidade junto do povo, agravada pela crescente popularidade de Venâncio Mondlane, o auto-intitulado presidente do povo, que até ousa lançar “decretos” com o que chama de “medidas governativas”.

Nas palavras do analista político Samuel Simango, o País está a ser governado por duas frentes, sendo uma reconhecida pelas instituições legalmente estabelecidas e outra com reconhecimento popular, o que afirma ser consequência directa das irregularidades que marcaram as eleições gerais de Outubro de 2024, criando a percepção de que os vencedores das mesmas – Daniel Chapo e Frelimo – chegaram ao poder de forma ilegal.

Reverter o cenário de ilegitimidade constitui, assim, um dos primeiros grandes desafios de Chapo, que está no poder há pouco mais de um mês. Para tal, é preciso começar a fazer aproximação às massas, propõe o académico Duarte Amaral. “Chapo tem de sair do escritório para a rua, para trazer esperança aos moçambicanos, trazer saídas com evidências claras em virtude dos problemas que os moçambicanos estão a enfrentar”.

De resto, o Governo já deu um passo nesse sentido, ao proceder ao pagamento, mesmo que em 50%, do 13.º salário aos Funcionários e Agentes do Estado, o que tinha já sido descartado pelo Governo anterior, por alegada falta de fundos. “Foi uma medida acertada”, elogia o professor Samuel Simango, enfatizando que a mesma visava “criar a percepção de que o Governo está preocupado com a sociedade e, assim, desanuviar um pouco a situação que hoje é vivida”.

Do populismo à realidade

A resolução da inquietação dos funcionários do Estado surtiu efeitos, na medida em que pôs fim às greves e actos de protesto que colocaram alguns sectores, com enfoque para a educação e a saúde, a funcionarem a meio gás. No entanto, os dois analistas ouvidos pelo Dossiers & Factos entendem que é preciso ir mais longe na resolução das preocupações da sociedade moçambicana no seu todo, a começar pelos crónicos problemas de desemprego e elevado custo de vida.

“80% Da população moçambicana tem menos de 35 anos, e nós estamos numa situação em que não existe espaço para esta camada. Vês, por exemplo, a composição do Governo de Daniel Chapo e não encontras jovens. Mesmo o ministro da Juventude e Desportos não é jovem. Então, penso que é preciso levar esperança para esta juventude, porque, no fundo, o que os jovens querem são oportunidades de trabalho para ganhar dinheiro e construir uma vida digna”, argumenta Amaral.

Entretanto, toda e qualquer medida que Chapo possa adoptar com o objectivo de combater a “rejeição” popular deve ser tomada com cautela, defende Samuel Simango, alertando para o risco de resvalar no populismo. “O populismo significa tomar medidas apenas para agradar as pessoas, para poder ter alguma simpatia do povo. Há também o perigo de o Governo tomar medidas boas para o povo, mas insustentáveis sob o ponto de vista financeiro”, assinala o docente universitário.

A título de exemplo, o académico faz notar que a alteração da estrutura de preços dos bens essenciais, para responder ao problema do custo de vida que asfixia a maioria dos moçambicanos, não deve ser feita de ânimo leve. “Ao mudar a estrutura de preços, o Governo deve ser muito cauteloso, pois é preciso ter em conta uma série de factores, entre eles a capacidade produtiva do País, a estrutura fiscal, etc.”, apela, acrescentando que a saída daquilo que denomina de “dilema entre o populismo e o realismo” passa pela adopção de medidas desenvolvimentistas e sustentáveis, que teriam efeito a longo prazo.

Legitimidade de Chapo também depende de Mondlane

Duarte Amaral e Samuel Simango voltam a convergir na ideia de que Venâncio Mondlane, neste momento o principal rosto da oposição em Moçambique, pode ser determinante no sucesso ou não do processo de busca de legitimidade popular por parte do actual Executivo. Amaral, que é co-autor do livro Eleições para a paz ou para a guerra?, lançado em 2023, entende ser impreterível negociar com o ex- -candidato presidencial.

“Queira ou não a Frelimo, Venâncio Mondlane é uma peça muito importante no xadrez político moçambicano. Em outras palavras, é o indivíduo que tirou a legitimidade governativa da Frelimo. A negociação não seria necessariamente para a partilha do poder, mas para a partilha de ideias e criação de reformas para permitir que as próximas eleições sejam transparentes”, propõe, lamentando o facto de Chapo não ter convidado o seu adversário para a criação de um Governo inclusivo.

Prosseguindo, o analista avisa que, se Venâncio Mondlane levar adiante o seu “governo sombra” que inclusive instiga a desobediência civil, “a governação de Chapo vai ser uma das piores da história de Moçambique”.

Como que a complementar este raciocínio, Samuel Simango faz notar que a legitimidade de Daniel Chapo está também refém da estratégia de Mondlane, antevendo dificuldades de afirmação ao actual Chefe de Estado caso o antigo deputado prossiga com a toada de “desqualificar o Governo”.

Outrossim, e ainda de acordo com Simango, a situação de Chapo pode piorar caso a Renamo, cujo presidente (Ossufo Momade) é altamente contestado, encontre um “líder com carisma e capacidade de granjear apoio popular”. Dentro deste quadro, Chapo terá de contar com a ajuda do seu partido, a Frelimo.

“A Frelimo tem uma grande responsabilidade para trazer a ideia de legitimidade. Como tal, deve sair da arrogância, da partidarização do Estado, para combater a percepção de que quer manter o Estado partidarizado para forçar a legitimidade por via da chantagem. Se a Frelimo continuar a forçar as pessoas a aderirem às suas actividades nas instituições públicas, isso vai avolumar o espectro de ilegitimidade”, alerta o académico, para quem Chapo tem sido feliz no discurso, ao procurar, segundo suas palavras, distanciar-se do Governo Nyusi.

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