Enquanto alguns sectores, sobretudo nos corredores governamentais, eventualmente festejam a aprovação do financiamento de 5 mil milhões de dólares pelo Banco de Exportação e Importação dos Estados Unidos da América (ExIm Bank) para o projecto Mozambique LNG, o consultor de petróleo e gás José Mendes, em entrevista ao Dossiers & Factos, alerta para o outro lado da moeda. Mendes critica o modelo adoptado para este negócio, liderado pela petrolífera francesa TotalEnergies na Área 1 da Bacia do Rovuma, e destaca que o acordo actual é desfavorável para Moçambique. O consultor reconhece que o financiamento, aprovado na última quinta-feira, aumenta as chances de retoma do projecto, paralisado desde 2021 devido a questões de segurança. No entanto, sublinha que o modelo de negócio em vigor adia os benefícios para o país e privilegia as concessionárias estrangeiras.
Texto: Serôdio Towo
José Mendes, ao responder uma pergunta sobre a aparente exclusão de Moçambique das discussões sobre o financiamento, explicou que, após a assinatura do contrato de pesquisa e concessão com o consórcio liderado pela TotalEnergies, o papel do país nas negociações tornou-se limitado.
“O nosso Governo assinou o contrato de pesquisa e concessão, que estabelece que é da responsabilidade do operador negociar o financiamento. Ou seja, nesse aspecto, a TotalEnergies está a fazer o que lhe compete”, afirmou.
A fonte destaca ainda que o financiamento do projecto, cujo valor total ultrapassa os 20 mil milhões de dólares, será suportado principalmente pelos parceiros do consórcio. Destes, cerca de 5 mil milhões serão assegurados pela TotalEnergies, enquanto o restante ficará a cargo dos diferentes parceiros, com o ExIm Bank a deter a maior fatia.
No entanto, Mendes não esconde a sua insatisfação com o modelo de negócio actual, que considera prejudicial para Moçambique. “O modelo de negócio não é o ideal para o país, devido ao regime fiscal vigente”, defende.
“Vamos suportar por 11 anos”
Segundo o consultor, o contrato estabelece que as concessionárias recuperam primeiro os custos do investimento, pelo que o primeiro gás extraído servirá essencialmente para reembolsar o financiamento e cobrir os restantes custos operacionais.
O período de recuperação dos investimentos deverá estender-se por 10 ou 11 anos, pelo que “só a partir do 12.º ou 13.º ano Moçambique começará a colher lucros no verdadeiro sentido”. Antes desse período, o País terá de se contentar apenas com 2% em royalties.
Mendes cita o exemplo da Plataforma Coral-Sul, que já garantiu algumas dezenas de milhões ao Estado moçambicano, mas cujo volume de negócios ronda os 4 mil milhões de dólares. “Assinalamos ganhos mínimos”, lamenta.
Além disso, revela que, em termos gerais, o Governo moçambicano fica com apenas 34% dos projectos de petróleo e gás, enquanto o restante vai para as concessionárias. Pior ainda, segundo a fonte, o Estado não implementou um modelo para pagamento de impostos em espécie.
Em princípio, parte do gás devia ficar no país, mas não fica porque se alega que não há infraestruturas para o efeito, até pelo modelo de exploração, que é offshore. O Governo, juntamente com os parceiros, devia criar condições para a instalação dessas infraestruturas e não se contentar com esse argumento”, sustenta.
José Mendes é um dos que defendem a renegociação dos megaprojectos em Moçambique, mas entende que isso passa, também, pela revisão do actual regime fiscal.
“Estamos a festejar uma burla”
José Mendes não é o único a classificar o negócio como desvantajoso. Outro especialista ouvido pelo Dossiers & Factos, que preferiu manter o anonimato, afirma que os moçambicanos estão a “festejar uma burla, uma miséria, um saque e uma desgraça”.
Mais do que isso, a fonte critica a ausência de um papel activo de Moçambique no processo decisório, apesar de o país estar representado no consórcio pela Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH). Chega mesmo a estabelecer um paralelismo com a Conferência de Berlim, onde as potências europeias dividiram entre si os países africanos.
“Será que o nosso Governo tem domínio das negociações que culminaram com a autorização do empréstimo? Ao que se sabe, Moçambique nem sequer entra na equação. Eles combinaram, emprestaram dinheiro e vêm para aqui explorar os nossos recursos”, questiona a fonte.
De resto, o acordo é visto como um exemplo daquilo a que a fonte chama de “capitalismo selvagem”, onde os interesses das grandes potências se sobrepõem aos do país detentor dos recursos. “Trump não gosta de Moçambique, gosta sim do nossos recursos”, ironiza.
“A este ritmo, continuaremos pobres”
Em Moçambique, sob o pretexto de atrair Investimento Directo Estrangeiro (IDE), o Governo tem concedido benefícios fiscais excessivos às multinacionais envolvidas nos megaprojectos.
De acordo com um estudo do Centro de Integridade Pública (CIP), entre 2016 e 2022, o Governo mobilizou cerca de 216,9 mil milhões de meticais através da emissão de Obrigações do Tesouro (OT’s), Bilhetes do Tesouro (BT’s) e outros instrumentos da dívida pública interna, para cobrir o défice fiscal.
No entanto, no mesmo período, o Executivo abdicou de arrecadar aproximadamente 150,6 mil milhões de meticais devido aos benefícios fiscais concedidos aos megaprojectos. Este montante seria suficiente para cobrir 69,4% dos créditos internos contraídos pelo Estado.
Diante desses dados, especialistas alertam que, a este ritmo, Moçambique corre o risco de continuar pobre e dependente, apesar da riqueza dos seus recursos naturais.
“Daqui a 50 anos, vamos continuar pobres, na miséria, e eles a pilharem os nossos recursos”, prevê a fonte, sugerindo que, por meio de um decreto ou Lei, haja suspensão de todos os megaprojectos para dar espaço ao processo de renegociação.