A passagem do ciclone tropical “JUDE” por Moçambique, na segunda-feira, 10 de Março, deixou um rasto de destruição na província de Nampula, causando elevados danos materiais, perdas humanas e isolando milhares de pessoas. O balanço preliminar indica que 302.653 pessoas foram afectadas, com 65.164 famílias a sofrerem os impactos directos da tempestade. Até ao momento, registam-se 16 óbitos, 59 feridos e dois desaparecidos.
Texto: Amad Canda
O ciclone, que atingiu a costa moçambicana com ventos de 195 km/h e chuvas superiores a 250 mm em apenas 24 horas, destruiu 32.934 habitações por completo, enquanto outras 37.229 sofreram danos parciais. Cerca de 988 casas ficaram inundadas, comprometendo a segurança e o bem-estar de milhares de famílias.
A situação tornou-se ainda mais crítica com o isolamento de comunidades inteiras, impedindo o acesso terrestre a alimentos e cuidados médicos. No sábado, uma operação aérea foi mobilizada para assistir a população encurralada, tendo sido possível entregar mantimentos essenciais, incluindo papas para as crianças, que não se alimentavam há dois ou três dias.
“Tínhamos lá pessoas, crianças que há dois ou três dias não comiam, mas a partir de ontem começaram a comer porque conseguimos colocar lá arroz e fizeram imediatamente papas quentes”, declarou o governador da província de Nampula, durante uma visita às zonas afectadas.
Além do apoio alimentar, equipas de resgate têm trabalhado incessantemente para salvar pessoas situadas em locais mais vulneráveis. O governador destacou a necessidade urgente de continuar com estas operações, garantindo que ninguém fique para trás.
Infra-estruturas severamente afectadas
O ciclone causou estragos significativos na rede de infra-estruturas, destruindo 247 escolas e 674 salas de aula, deixando mais de 91.000 alunos sem acesso à educação. Além disso, 72 unidades sanitárias foram danificadas, comprometendo a prestação de cuidados médicos em várias localidades.
As vias de comunicação também foram fortemente afectadas, com a destruição de 18 pontes e 41 aquedutos, além de 2.859 quilómetros de estradas danificadas, dos quais 671,70 km completamente intransitáveis. Estes estragos dificultam o transporte de bens essenciais e agravam ainda mais a crise humanitária nas zonas isoladas.
No sector agrícola, o impacto foi igualmente devastador. Cerca de 101.239 hectares de culturas foram afectados, com 36.358 hectares de produção completamente perdidos, prejudicando milhares de agricultores que dependem destas colheitas para a sua subsistência. Para além disso, 68 embarcações de pesca foram destruídas e um número indeterminado de animais (bovinos, caprinos e aves) morreram devido às inundações e ventos fortes.
O fornecimento de energia e telecomunicações também sofreu danos severos, com a queda de 1.224 postes eléctricos e a destruição de 73 quilómetros de linhas de transmissão, deixando várias regiões sem electricidade e comunicação.
Prioridades para a recuperação
Perante este cenário de destruição, Daniel Chapo garantiu que as autoridades estão empenhadas na “reposição de emergência” das principais vias, incluindo estradas e pontes, para restabelecer o fluxo de pessoas e bens. O governador reconheceu que a interrupção das ligações entre os distritos e as capitais provinciais afecta a economia nacional e compromete a resposta humanitária.
“Aquilo que nós vimos do voo que fizemos é que os danos são preocupantes e temos de trabalhar para recuperar a província”, afirmou o governador, apelando ao reforço dos esforços de reconstrução e assistência às populações afectadas.
Enquanto as autoridades e organizações humanitárias intensificam as operações de socorro, milhares de moçambicanos continuam a enfrentar as duras consequências do ciclone “JUDE”. A resposta imediata e a recuperação a longo prazo serão essenciais para devolver a normalidade às comunidades devastadas por esta catástrofe natural.
Um “corredor” de ciclones
Moçambique continua a sofrer os impactos devastadores das mudanças climáticas, que nos últimos anos transformaram o País num corredor de ciclones e depressões tropicais. Só em 2025, e antes de Jude, duas tempestades tropicais de grande intensidade – os ciclones Chido e Dikeledi – assolaram diversas regiões, deixando um rasto de destruição e agravando a vulnerabilidade das populações.
O primeiro a atingir o território moçambicano foi o ciclone Chido, que, no dia 15 de Dezembro de 2024, chegou à província de Cabo Delgado com chuvas torrenciais acima de 250 mm em 24 horas e ventos que atingiram os 120 km/h. Os distritos de Mecufi, Metuge, Chiure e a cidade de Pemba foram fortemente fustigados, além de Namuno, Montepuez e Balama, onde milhares de famílias perderam as suas habitações e meios de subsistência. O ciclone provocou a morte de 120 pessoas e feriu outras 868, deixando um total de 453.971 afectados. O impacto na infra-estrutura foi igualmente severo, com mais de 70.000 casas parcial ou totalmente destruídas, 52 unidades sanitárias severamente danificadas e 250 escolas afectadas, comprometendo a continuidade das aulas para milhares de alunos.
Menos de um mês depois, a 14 de Janeiro de 2025, Moçambique voltou a ser assolado por outro ciclone, desta vez o Dikeledi, que atingiu a costa da província de Nampula, entrando pelo distrito de Angoche com ventos fortes e chuvas intensas de até 200 mm em 24 horas. O ciclone afectou gravemente os distritos de Mossuril, Angoche, Mogincual e Liupo, onde milhares de pessoas ficaram desabrigadas. Os ventos e inundações provocaram a morte de 11 pessoas e feriram outras 18. Ao todo, 249.787 pessoas foram afectadas, das quais 2.316 tiveram de ser acolhidas em centros de acomodação temporários. A destruição nas infra-estruturas foi significativa: 27.468 casas foram parcialmente destruídas e 19.748 colapsaram totalmente. Além disso, 43 unidades sanitárias sofreram danos, enquanto 154 escolas e 391 salas de aulas foram gravemente afectadas, interrompendo a educação de mais de 55.000 alunos. As estradas e pontes não escaparam à fúria do ciclone, com 67 km de vias danificadas e duas pontes destruídas, dificultando a assistência humanitária e a circulação de pessoas e bens.
A passagem destes ciclones reforça a posição de Moçambique como um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas no mundo. Todos os anos, fenómenos meteorológicos extremos atingem a costa moçambicana, deixando milhares de famílias em situação de risco, destruindo infra-estruturas e prejudicando a economia nacional. Com o aumento da frequência e intensidade destes eventos, cresce a necessidade de um reforço nas estratégias de mitigação e adaptação climática, para minimizar os impactos das tempestades tropicais e garantir uma resposta mais eficaz às catástrofes naturais que ameaçam o país.


