Atingir a marca de um bilião de meticais em dívida pública deveria soar como um alerta vermelho para Moçambique. Mas, mais do que o valor em si, o que verdadeiramente assusta é a forma como esse endividamento tem sido gerido – e, sobretudo, a quem ele realmente beneficia. O País já conhece este roteiro: contrai-se dívida em nome do desenvolvimento, mas, na prática, os recursos escoam-se por canais obscuros, alimentando redes de corrupção e deixando a população à mercê de políticas económicas insustentáveis.
O caso das dívidas ocultas foi apenas a ponta do iceberg. Na época, justificou-se o empréstimo de milhares de milhões para projectos de segurança e pesca, mas parte importante do dinheiro desapareceu em offshores e contas luxuosas, enquanto os moçambicanos ficaram com a factura. Hoje, repetimos o mesmo padrão: a dívida cresce, mas não se vê o retorno em infraestruturas, saúde ou educação. Em vez disso, assistimos a um Estado cada vez mais refém dos seus credores, com quase metade do orçamento comprometido no pagamento de juros, enquanto sectores essenciais definham.
O problema não está em contrair dívida – nenhum País se desenvolve sem financiamento externo. O problema está em contraí-la sem estratégia, sem transparência e, acima de tudo, sem compromisso com o interesse público. Enquanto nações como o Ruanda ou o Botswana usaram créditos para industrializar e diversificar as suas economias, Moçambique continua a desperdiçar oportunidades, enterrando recursos em projectos mal planeados ou, pior ainda, em esquemas de enriquecimento ilícito.
Os números não mentem: em 2024, o serviço da dívida consumiu mais do que o dobro do orçamento da saúde. Enquanto isso, a agricultura, base da economia moçambicana, recebe migalhas. E os megaprojectos, como o gás do Rovuma, embora prometam riqueza, geram poucos empregos e deixam o País refém de grandes corporações, que operam com benefícios fiscais escandalosos.
A ironia é que Moçambique nem precisaria de se endividar tanto se combatesse a fuga de capitais e a evasão fiscal. Estima-se que o País perca anualmente cerca de 600 milhões de dólares em lucros não tributados de multinacionais e em esquemas de lavagem de dinheiro.
Dinheiro que, se fosse devidamente cobrado, poderia financiar hospitais, escolas e estradas sem depender de empréstimos externos.
Mas o ciclo persiste, e o risco é claro: quanto mais dependente das dívidas, mais Moçambique perde soberania. O FMI e outros credores impõem políticas de austeridade que sufocam o crescimento, enquanto acordos opacos com investidores estrangeiros comprometem o controlo nacional sobre recursos estratégicos. A lição da Ucrânia – onde a dívida e a dependência externa minaram a autonomia do Estado – deveria servir de aviso.
É preciso romper com esta lógica. Auditar as dívidas existentes, exigir transparência nos novos contractos e direccionar os recursos para sectores produtivos são passos urgentes. Mas, acima de tudo, é essencial uma mudança de mentalidade: a dívida não pode ser um mecanismo de enriquecimento de poucos, mas sim um instrumento legítimo de desenvolvimento para todos.
Caso contrário, Moçambique continuará a caminhar para um abismo económico – onde, no fim, o preço não será pago em meticais, mas em soberania e dignidade.
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