– Temos instituições que ficaram sem nenhum arquivo
“O impacto social, em termos psicológicos, das manifestações foi gravíssimo” – declarou o governador da Província de Maputo, Manuel Tule, em entrevista exclusiva ao Dossiers & Factos, onde abordou os efeitos das contestações pós-eleitorais que assolaram diversas regiões do País após as eleições gerais de 9 de Outubro de 2024. Para o dirigente, os tumultos não só provocaram destruição de infraestruturas, como também deixaram sequelas profundas no tecido social, exigindo agora um esforço colectivo de reconstrução e reconciliação. Para além de abordar esta questão sensível, Tule fala ainda dos desafios enfrentados durante o seu primeiro ano de mandato – que teve início formal após a sua eleição em 2024, embora estivesse já a exercer o cargo desde 2023, na sequência da renúncia de Júlio Parruque –, com destaque para os sectores da educação, saúde, agricultura, abastecimento de água, coesão social e diálogo com os cidadãos.
Texto: Milton Zunguze
Com uma expressão preocupada, Manuel Tule condena os actos de violência que acompanharam as manifestações pós-eleitorais em Moçambique, apontando o seu elevado custo humano e material.
“O impacto social, em termos psicológicos, das manifestações foi gravíssimo”, frisou o governador. “Tivemos situações em que famílias perderam os seus pais. Neste momento, estamos com crianças sem pais por causa destas manifestações”, lamentou.
O governador reconhece que o direito à manifestação é legítimo, mas alerta para a necessidade de salvaguardar os bens comuns e o bem-estar colectivo. Para isso, afirma ser necessário resolver os problemas com civilidade.
“Temos que sentar e resolver os problemas. Vamos resolver os nossos problemas, mas protegendo aquilo que temos. E não foi o que aconteceu, infelizmente.”
Entre os prejuízos registados, Tule destaca o incêndio de instituições do Estado e a destruição de estruturas governamentais locais, como sedes de postos administrativos, casas de chefes de posto, sedes de bairros e localidades em zonas como Ressano Garcia, Pessene, Vila da Manhiça, Maluana e Matola.
“Agora, há instituições que não têm nenhum arquivo, para não falarmos dos próprios edifícios, que já não existem.”
Segundo o dirigente, a violência compromete não apenas a integridade física das infra-estruturas, mas também a funcionalidade da máquina do Estado e o sentimento de segurança da população.
Há cerca de 700 “árvores-turma” na província
Em conversa com Dossiers & Factos, Manuel Tule afirmou que o actual Plano Quinquenal Provincial contempla todas as áreas sociais, mas revelou uma especial preocupação com a educação. “Continuo a dizer que nós temos que resolver o problema de crianças que estudam embaixo de árvores.”
O governador fez saber que há cerca de 700 turmas na província de Maputo a funcionar ao ar livre, o que considera inaceitável. A situação pode agravar-se devido ao crescimento populacional impulsionado pela migração.
“Temos que criar condições. As condições não vão surgir só por si. Quem tem que criá-las somos nós, através da mobilização de recursos e parcerias estratégicas.”
Nos primeiros 100 dias do presente quinquénio, Tule anunciou a construção de 30 novas salas de aula, três acima da meta inicial, como parte do esforço para enfrentar este desafio.
Saúde: medicamentos em falta e um sistema sob pressão
A escassez de medicamentos nos hospitais da província é outra preocupação prioritária para o governador. “O que não podemos admitir é que o doente fique na fila toda a manhã, depois que tem a receita, vai para a outra fila, na farmácia, e depois a farmacêutica diz: não há medicamento para si. Isto não pode acontecer.”
Tule defende uma melhor articulação entre médicos, enfermeiros e farmacêuticos para garantir que os pacientes estejam informados sobre a disponibilidade dos medicamentos e, sempre que necessário, lhes sejam propostas alternativas.
“Penso que é possível, com a ajuda de todos, com esforços conjugados, nós conseguimos controlar esta situação.”
O governador manifestou preocupação também com a violência contra a mulher e o abandono de crianças vulneráveis.
“Isso reduz a sua capacidade de se libertar para trabalhar. Temos que resolver este problema.”
Obras e infra-estruturas nos primeiros 100 dias
Durante os primeiros meses do novo mandato, Manuel Tule destacou a entrega de seis dos sete sistemas de abastecimento de água previstos, quatro em Matutuíne e três em Magude.
“Também estávamos preocupados com o regadio de Massaca, em Boane, já concluímos, só falta irmos lá fazer a entrega à população para usar o regadio.”
Foram ainda construídas mangas para tratamento de gado em Manhiça e Matutuíne, bem como reabilitado o tanque de cariciada.
“E também era do nosso interesse garantir, portanto, a assistência aos produtores da área agrícola, da área da pecuária e da área de pesca.”
Tule assume que encontrou uma província com projectos em curso, mas ressalta que teve de identificar os que já estavam aprovados pela Assembleia Provincial e garantir que fossem implementados dentro dos prazos.
“O mais importante é que nós continuemos a ser uma província pacífica. Uma província onde o espírito de trabalho reside em cada um de nós.”
Entre as conquistas do primeiro ano, destacou a reabilitação do hospital de Moamba, a criação de uma maternidade em Ndlavela, a requalificação do Centro de Saúde de Mahel (em Magude), e a construção de salas de aula.
“Na área de abastecimento de água, concluímos o sistema de Calanga, que já beneficia cerca de três mil famílias.”
Também houve avanços em programas de apoio a idosos, jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade.
Manuel Tule sublinhou que mantém uma relação saudável com a população, promovendo o diálogo directo com os cidadãos.
“A população emite as suas opiniões, e nós também apresentamos o que estamos a fazer e discutimos aquilo que são as ideias.”
O gabinete do governador está aberto às segundas-feiras de manhã, entre as 9h e as 12h, para atendimento ao público sem marcação prévia.
Coesão social como chave para o futuro
O governador considera a coesão social como o elemento-chave para o sucesso da província. “Nós gostaríamos, primeiro, de deixar uma província coesa, virada toda para o desenvolvimento integrado.”
“Mas isto tudo depende da nossa coesão social, da nossa unidade, da permanência de paz. Temos que continuar a defender o desenvolvimento desta província.”
Tule apela ao envolvimento activo dos funcionários públicos e do sector privado no processo de desenvolvimento.
“Nós temos que nos dedicar ao trabalho. E ao trabalho honesto”.