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Com “coração magoado” pelo ministro, APSUSM anuncia fase “SRO” da greve

Quem tem o coração mau: os trabalhadores que, há dois anos, exigem melhores condições para si e para os doentes, ou um Governo que deixa os pacientes sucumbirem por falta de alimentação, medicamentos e material médico-cirúrgico, além de não conseguir pagar 20 meticais por turno nem saldar uma dívida de horas extraordinárias correspondente a 27 meses? Estas são as questões — de fundo e retóricas — levantadas pela Associação dos Profissionais Unidos e Solidários de Moçambique (APSUSM), três dias depois de um pronunciamento inflamado do ministro da Saúde, Ussene Isse, na província de Gaza, a respeito das sucessivas greves da organização. De “coração partido”, a APSUSM anunciou o encerramento de todas as unidades sanitárias a partir de quarta-feira, 30 de Abril, até ao dia 5 de Maio, naquilo a que chama fase “Sais de Reidratação Oral” (SRO).

Texto: Maidone Capamba

A 3 de Junho de 2023, a APSUSM iniciou um diálogo com o Governo visando a resolução das exigências constantes do seu caderno reivindicativo, o que culminou numa trégua a 5 de Novembro do mesmo ano. A associação esperava que, à luz do acordo celebrado, o período fosse aproveitado para a sua implementação. Contudo, desde então, a APSUSM tem-se digladiado com o Governo para que este cumpra o que assinou. Para já, a luta tem sido inglória, uma vez que, de acordo com o presidente da associação, Anselmo Machave, o Governo tem vindo a propagar falsos argumentos, alegando que cumpriu integralmente o acordado.

Machave afirma não se mostrar surpreendido com a atitude governamental, dado o histórico. “Quando anunciámos a primeira greve em 2023, o Governo veio a público afirmar que éramos ilegais e chegou a duvidar se, de facto, éramos profissionais de saúde”. Neste quadro de “fingimento de demência”, o dirigente recorda que as autoridades alegavam não haver falta de material médico-cirúrgico e medicamentos nas unidades sanitárias.

“Agora, em 2025, o Governo nega o incumprimento dos pagamentos aos profissionais, quando diariamente surgem nos meios de comunicação social provas inequívocas da falta desses pagamentos e da difícil situação de prestação de cuidados nos hospitais públicos de Moçambique”, denuncia Machave. “O MISAU insiste na narrativa de que apenas queremos fazer barulho, como se falássemos de problemas inexistentes nas unidades sanitárias.”

O presidente da APSUSM considera que a contínua tentativa de manipulação da opinião pública tem uma explicação simples, nomeadamente o facto de os dirigentes do MISAU não frequentam as unidades sanitárias, desconhecendo, por via disso, a realidade. “O povo sente na pele o que é ter o braço de um filho embrulhado em papelão por falta de gesso, sem meios para o comprar numa farmácia privada”, desabafa.

Muchave entende que se houvesse vontade de resolver os problemas, os dirigentes saberiam que muitos profissionais de saúde foram injustamente penalizados com cortes salariais sob o falso pretexto de adesão à greve. “Estes salários já deviam ter sido repostos”, defende a fonte, para quem a agremiação que dirige está a lutar por um Serviço Nacional de Saúde (SNS) que preste cuidados dignos, oportunos e profissionais.

O presidente garante que a APSUSM continuará a usar todos os meios legais para forçar o Governo a agir em prol da saúde pública, e considera “inaceitável a pouca vergonha que se vive nas nossas unidades sanitárias no que concerne ao seu funcionamento.”

Recorde-se que, alegando incumprimento das promessas governamentais, a APSUSM retomou a greve no passado dia 17, passando a prestar serviços em horário único, das 7h30 às 15h30.

Na passada sexta-feira, o ministro da Saúde condenou a greve, considerando “inadmissível” que os profissionais deixassem doentes morrer nos hospitais devido à paralisação. Ussene Isse acusou ainda os grevistas de terem um “coração mau”.

“Ministro não sabe definir quem tem bom coração”

“O ministro não devia ter dito o que disse”, reage Anselmo Muchave. “Fala de coração, mas foi o primeiro a internar pacientes sem alimentação no novo Governo. Quem, afinal, tem coração: quem trabalha sem material e sem medicamentos para cuidar dos doentes, ou quem permite tal situação? O ministro precisa de definir quem tem bom e mau coração”, afirmou.

Por considerar tratar-se de arrogância e manipulação da opinião pública, a APSUSM decidiu avançar com uma nova fase da greve, denominada “Sais de Reidratação Oral” (SRO), conhecida popularmente como “mistura”. Esta fase arrancará a 30 de Abril e estender-se-á até 5 de Maio.

No sector da saúde, a “mistura” é administrada a pacientes com perdas graves de energia, como em casos de vómitos ou diarreias.

Este anúncio visa alertar para a gravidade da situação. Na manhã desta segunda-feira, 28 de Abril, em conferência de imprensa em Maputo, Anselmo Muchave justificou a medida. “O Governo está a minimizar o impacto das greves anteriores, por isso entramos na fase SRO.”

A partir das 15h30 do dia 30 de Abril, os profissionais deixarão de prestar serviços mínimos, recolhendo-se a casa, só regressando às unidades sanitárias a 5 de Maio. “Nesse período, as pessoas estão proibidas de adoecer, pois os profissionais estarão de braços cruzados”, ironizou o presidente da APSUSM.

“As unidades sanitárias estarão totalmente encerradas. Não iremos parar a nossa luta até que o Governo compreenda a necessidade urgente de criar melhores condições de trabalho”, afirmou.

“A greve não é uma festa. No início, não fizemos uma greve total para demonstrar que o nosso interesse era o cumprimento dos acordos. Como o Governo minimiza o impacto da greve, agora fechamos todas as unidades sanitárias. Depois, anunciaremos uma nova fase”, acrescentou.

Recorde-se que entre as principais reivindicações da APSUSM destacam-se a atribuição dos subsídios de exclusividade; retirada dos cortes na continuação dos estudos; reenquadramento definitivo; monitoria nas unidades sanitárias quanto à disponibilidade de medicamentos e material médico-cirúrgico; pagamento das horas extraordinárias; e critérios justos para a distribuição de uniformes.

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