• “Informalidade não é só uma questão de pobreza, também é de riqueza”
Num contexto de instabilidade económica e social, agravado por manifestações e pelo crescimento do desemprego, o sector informal tem-se revelado como o principal “balão de oxigénio” para milhares de moçambicanos. Em entrevista exclusiva, o director-executivo da Associação dos Trabalhadores Informais de Moçambique (ASTIMO), Armindo Chembane, destaca o papel essencial que este sector desempenha na sobrevivência da maioria dos moçambicanos. Contudo, sublinha que, durante este período, se reduziu a capacidade de mobilidade. E, para minimizar o alargamento deste sector, Chembane defende que o Governo deve trabalhar directamente com o sector informal, cuja existência e crescimento atribui à incapacidade do próprio Executivo.
Texto: Milton Zunguze
Dossier Económico (DE): Descreva o sector informal no País antes e depois das manifestações.
Armindo Chembane (AC): As manifestações tiveram o seu impacto, mas o maior impacto que tivemos foi na mobilidade. A mobilidade foi um grande entrave, mas sempre tivemos formas de ultrapassar, porque os políticos, na sua ira, não nos deixam morrer de fome – sabem que somos uma vantagem para eles. Trabalhamos deslocando-nos de um lado para o outro, a buscar produtos e entregá-los aos clientes. As manifestações reduziram essa capacidade, sendo este um dos grandes desafios que enfrentámos. Fora isso, conseguimos manter-nos resilientes e até acolhedores. Vê-se que os passeios estão cheios de pessoas – muitas delas tinham emprego. Sentimo-nos pais, porque, mesmo durante a Covid-19, quando tudo se fechou, acolhemos muitos. Não nos queixamos, por exemplo, das lojas que foram queimadas – os seus donos voltaram para o sector informal. São pessoas que estavam estabelecidas, outras tinham empregos, mas foram despedidas e tiveram de recorrer ao sector informal para sobreviver.
DE: Não terão registado alguns prejuízos financeiros?
AC: Os informais não são avaliados em termos materiais ou monetários, pois não temos contabilidade organizada. Os impactos evidenciam os danos. Por exemplo, se aqueles jovens que compram e vendem baterias e ferros não puderem trabalhar, significa que em casa não se come. O impacto das manifestações medese assim – pela incapacidade de suprir as necessidades básicas, que normalmente conseguimos superar. Vivemos do dia-a-dia. É nesse dia que a pessoa vende e cobre as despesas. Não temos poupanças para os dias de crise. Não sabemos quantos milhões perdemos, mas sabemos que reduzimos a nossa capacidade de sustentar as nossas famílias. A vantagem de ser informal é a liberdade. Se estivesse numa empresa, não teria essa liberdade. O maior lucro dos informais não é o valor monetário – é a autonomia.
DE: Está a afirmar que está tudo bem no sector informal no País?
AC: Não dizemos que está tudo bem. Dizemos que estamos a cumprir o nosso papel: continuamos a vestir e a alimentar os moçambicanos. Não estamos bem, mas somos os últimos. Quando se está no chão, não se pode cair mais. O sector informal é o amortecedor dos embates da economia. Por isso, não choramos.
DE: Por que razão o sector informal continua a crescer no País?
AC: A informalidade tem a ver com a incapacidade do Governo de resolver os problemas da sua população. Um país com altos níveis de informalidade não deve ser avaliado negativamente – quer dizer que os cidadãos não se deixam morrer. A informalidade é, por isso, um sinal de resiliência. Há países ricos com sectores informais muito grandes. A questão não está na existência da informalidade, mas na sua interpretação. O nosso Governo não interpreta bem a informalidade. A formalização deve ser vista de forma clara e estratégica. O Governo quer que a pessoa passe recibos e pague impostos – isso não é formalização, é tributação. Quando as pessoas não vêem benefícios em estar na formalidade, voltam à informalidade. Uma vendedora de maçã em Xipamanine pode ter NUIT, estar no sistema da AT e ainda assim continuar a vender no passeio.
DE: Então, a formalização não traz vantagens?
AC: Nenhuma. Se olharmos para a formalidade, não há diferença – talvez só nas responsabilidades. A formalidade aumenta as exigências. Os fiscais vão aparecer, vão querer dinheiro. Por isso, as pessoas preferem estar na informalidade. Para que haja formalização, é preciso criar uma estrutura de incentivo: acesso a crédito, formação, protecção social e segurança. Não basta obrigar a emitir recibos e pagar taxas. Há que haver benefícios palpáveis.
DE: Qual tem sido o papel da ASTIMO neste processo?
AC: A ASTIMO tem-se posicionado como representante legítima dos trabalhadores informais. Somos a única associação que trabalha directamente com este sector, organizando, formando e orientando os trabalhadores informais para que tenham uma voz activa na sociedade. Temos defendido a criação de políticas públicas inclusivas, construídas com a participação dos próprios informais. O nosso papel é de ponte entre os trabalhadores e o Governo.
DE: A informalidade não é também um reflexo do insucesso das políticas de emprego no País?
AC: Claramente. A informalidade resulta da falta de políticas públicas eficientes. Quando não há emprego formal, as pessoas criam o seu próprio sustento. É uma questão de sobrevivência. Não é que as pessoas não queiram estar formalizadas – é que o sistema formal não as quer. É preciso lembrar que muitos empregos informais são altamente produtivos. A diferença é que não são reconhecidos pelo sistema.
DE: Qual é a relação entre o sector informal e o sistema financeiro nacional?
AC: A maioria dos trabalhadores informais está fora do sistema financeiro. Não têm acesso a crédito, não têm contas bancárias activas, não poupam em instituições formais. Muitos usam sistemas informais de poupança e empréstimo. Isso limita o crescimento dos seus negócios. O sistema financeiro precisa de se adaptar ao perfil dos informais – ser mais flexível, com menos burocracia, mais acessível. Só assim poderemos falar de inclusão financeira.
DE: E com o sistema fiscal?
AC: É uma relação de tensão. O sistema fiscal vê o informal como alguém que foge aos impostos. Mas não é bem assim. Muitos informais gostariam de pagar impostos, se isso significasse acesso a serviços básicos. Mas não têm retorno. Se se formalizam, continuam sem acesso à segurança social, sem crédito, sem formação. Apenas ganham mais cobranças. Assim, preferem manterse na informalidade. O Governo precisa de repensar a forma como se relaciona com este sector. Trabalhar directamente com os informais, ouvilos, integrá-los nos processos de decisão.
DE: Que caminhos propõe para transformar a informalidade numa oportunidade de desenvolvimento nacional?
AC: Primeiro, reconhecer que o sector informal é parte vital da economia. Segundo, construir políticas públicas com participação dos próprios informais. Terceiro, criar incentivos reais para a formalização: crédito, formação, protecção social. Quarto, descentralizar os serviços públicos, para que cheguem às zonas onde os informais vivem e trabalham. E, finalmente, garantir representação política e sindical do sector informal. Só assim o País poderá transformar este sector numa força produtiva que contribui activamente para o desenvolvimento nacional.