Em 2025, as celebrações do 1.º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador, voltaram a trazer para o espaço público moçambicano um conjunto de reivindicações que, apesar do passar dos anos, continuam por satisfazer. De norte a sul do país, milhares de trabalhadores saíram às ruas para exigir condições laborais dignas, salários compatíveis com o custo de vida e o fim da precariedade. O panorama social e económico adverso, agravado pelos efeitos da inflação, da estagnação salarial e pela fraca fiscalização das relações laborais, evidencia um traço comum nos protestos: as queixas de sempre continuam actuais, e a classe trabalhadora permanece no centro de um sistema que, em muitos sectores, ainda falha em garantir direitos elementares.
Texto de Milton Zunguze
Um dos sectores que mais tem vindo a denunciar condições degradantes é o da segurança privada. Jacob Sambane, secretário nacional de organização do Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Empresas da Segurança Privada (SINTESP), não poupou palavras ao descrever a realidade que se vive no sector. “Desde a independência, este sector continua preso à lógica da exploração. Temos trabalhadores a cumprir turnos de 24 a 48 horas, sem pagamento de horas extraordinárias, nem direito a férias — alguns há mais de dez anos.”
A gravidade da situação vai além da carga horária e das más condições de trabalho. Segundo Sambane, um dos maiores riscos para os trabalhadores prende-se com a ausência de contribuições para o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). “Há empresas que não canalizam os descontos devidos, colocando em risco a protecção futura dos trabalhadores e das suas famílias.”
A ausência de regulação do mercado também contribui para o caos. “Enquanto umas empresas cobram 35 mil meticais por contrato de segurança, outras cobram apenas 10 mil. Com este tipo de concorrência desleal, como é possível garantir que se pague o salário mínimo de 8.190 meticais e se cumpram três turnos diários? Temos seguranças a receber 2.800 meticais por mês”, denunciou.
Para o sindicalista, a solução passa por uma intervenção firme do Estado. “É urgente estabelecer uma tarifa mínima obrigatória para os serviços de segurança privada. Só assim poderemos romper com esta miséria institucionalizada que penaliza os trabalhadores”.
Hotelaria: um sector à deriva
Também na indústria hoteleira, a situação está longe de ser estável. Helena Pechisso, secretária sindical para o sector na cidade e província de Maputo, descreve o cenário como “intermédio”. Embora alguns hotéis tenham conseguido estabilizar os salários dos seus trabalhadores, muitas unidades — sobretudo pequenas pastelarias, salões de chá e restaurantes — continuam a praticar salários abaixo do mínimo legal.
“Este ano, os trabalhadores marcharam sem saber qual será o seu aumento salarial. Estamos a viver um ano atípico. Há quem ainda não saiba se terá qualquer actualização”, declarou Pechisso.
A sindicalista aponta o interior da província como o foco mais crítico da precariedade. “Nos distritos, vemos o verdadeiro rosto da exploração. Há trabalhadores sem uniforme, sem equipamento de protecção, e a receber salários indignos”.
Durante a última sessão da Comissão Consultiva do Trabalho, Pechisso lembra ter ouvido um sinal de alerta que serviu também de esperança. “O presidente da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) disse que, se fosse para aumentar 100 meticais, mais valia adiar a negociação. Isso deunos ânimo, mas também aumentou a ansiedade da classe.”
Custo de vida agrava tensão laboral
O secretário-geral da Organização dos Trabalhadores Moçambicanos – Central Sindical (OTM-CS), Alexandre Munguambe, deu voz a uma realidade que se agrava dia após dia: o custo de vida está a subir a um ritmo incomportável para quem vive do salário mínimo.
“Contas feitas, uma cesta básica para um agregado familiar de cinco pessoas custa actualmente cerca de 42.955 meticais. O salário mínimo médio ronda os 9.261 meticais, com o mais baixo fixado em 4.942 meticais (na pesca de kapenta) e o mais alto em 17.881 meticais (no sector financeiro) ”, detalhou.
Um dos pontos que mais revolta a classe trabalhadora é a alegada isenção do IVA sobre produtos alimentares de primeira necessidade, anunciada pelo Governo mas que, segundo a OTM, ainda não produziu efeitos práticos. “O que temos nos mercados são preços proibitivos. É urgente fazer valer essa medida, que, se implementada correctamente, poderá aliviar o peso da inflação sobre os consumidores”, afirmou Munguambe.
Corrupção, emprego informal e ausência de justiça laboral
Entre os maiores desafios identificados pela OTM está a fragilidade do sistema judicial para responder aos conflitos laborais. A expansão dos Tribunais de Trabalho tem sido extremamente lenta, e a maioria dos trabalhadores continua sem acesso efectivo à justiça.
“Está provado que os tribunais comuns não oferecem soluções eficazes para os litígios laborais. Precisamos de tribunais especializados em todo o país, com capacidade para responder à realidade da classe trabalhadora”, exigiu Munguambe.
Paralelamente, o sindicalista criticou a proliferação da precariedade laboral e da terciarização como formas de evasão das obrigações legais por parte dos empregadores: “Muitas empresas, sobretudo de capital estrangeiro, recorrem a contratos precários como forma de evitar pagar direitos laborais. É uma forma sofisticada de exploração.”
A corrupção também mereceu destaque no discurso oficial. Segundo dados do Gabinete Central de Combate à Corrupção, mais de 300 casos foram registados apenas no primeiro trimestre de 2025. Munguambe associou este cenário ao “marasmo” que afecta várias empresas públicas. “Há interesses instalados que procuram capturar instituições, desviando recursos e afectando directamente os trabalhadores.”
Pensionistas esquecidos e sindicalismo limitado na função pública
Outro ponto crítico é a falta de mecanismos para a revisão periódica das pensões de reforma no sector privado. “A maioria dos pensionistas do INSS vive com prestações que não são revistas há anos. Precisamos de uma fórmula clara, transparente e justa para actualizar essas pensões”, afirmou o líder sindical.
A OTM voltou também a exigir a revisão da Lei n.º 18/2014, de 27 de Agosto, de modo a garantir o exercício pleno da actividade sindical na função pública. “O Governo continua inflexível neste ponto. Sem liberdade sindical, não há verdadeiro diálogo social”, advertiu.
Sob o lema “Pelos direitos laborais e sindicais: a luta continua”, a OTM encerrou as celebrações do 1.º de Maio com uma mensagem de solidariedade dirigida aos trabalhadores afectados por conflitos armados, pelas alterações climáticas e pela instabilidade económica, em Moçambique e no mundo.
A organização reafirmou o seu compromisso com a justiça social, a dignificação do trabalho e a defesa de salários e pensões justas. “O tempo das promessas adiadas terminou. É hora de decisões corajosas e de compromisso efectivo com a classe que sustenta a economia nacional”, concluiu Munguambe.