Nos distritos de Panda (Inhassune) e Inhassoro (Vulajane), na província de Inhambane, cresce o número de crianças envolvidas em actividades de trabalho infantil como forma de garantir o sustento das suas famílias. Muitas justificam esta realidade com a falta de condições financeiras e a pobreza extrema. Em povoados como Inhassune, Vulajane e Nhagondzo, a ausência de escolas do ensino secundário — que ali termina na 7.ª classe — tem agravado o abandono escolar e contribuído para a ocorrência de uniões forçadas. Esta prática, embora ilegal, acontece perante o olhar impávido das autoridades locais, que pouco ou nada fazem para alterar o cenário.
Texto: Anastácio Chirrute, em Inhambane
A pobreza e a falta de meios são os principais desafios enfrentados pela maioria das famílias nestes distritos. Como consequência, muitos pais acabam por empurrar as filhas menores para o casamento precoce ou para o trabalho forçado, na esperança de obter alguma renda. O povoado de Inhassune dista mais de 16 quilómetros da sede distrital de Panda, enquanto Vulajane se situa a mais de 10 quilómetros da vila de Inhassoro. É nestes locais que começa esta grande reportagem.
Ricos em recursos minerais, sobretudo pedra utilizada em grandes construções, os povoados têm sido palco de uma actividade perigosa e informal. Ali, é comum ver crianças e mulheres grávidas a manusear martelos, extraindo pedra com as próprias mãos. Cada uma tenta juntar o máximo possível de pedra fina, que, depois, é vendida a preços irrisórios para garantir algum sustento. Trata-se de um trabalho não só ilegal como também arriscado: ninguém usa equipamentos de protecção como luvas, botas ou capacetes. Qualquer erro pode ser fatal. Nas mãos destas “flores que não murcham” há cicatrizes visíveis, marcas de esforço e dor que levarão muito tempo a desaparecer.
Sonhos adiados pela sobrevivência
Estas crianças, que deviam estar na escola, arriscam a vida por migalhas. O destino quis que nascessem em famílias sem recursos, forçando-as a trocar os cadernos pelos martelos. Muitos sonhos ficaram pelo caminho. Hoje, a prioridade é apenas trabalhar para sobreviver e ajudar em casa.
A equipa de reportagem apurou que muitas destas crianças estão ali acompanhadas pelas mães. A seca, provocada pela escassez de chuvas, obrigou as famílias a abandonar a agricultura e a recorrer à extracção de pedra. Embora reconheçam que o trabalho é demasiado pesado para crianças, continuam a levá-las para o local.
Com apenas 12 anos, Zumaina Pedro empunha o martelo e parte pedras difíceis de quebrar. Precisa de acumular o suficiente para conseguir algum dinheiro. Frequenta a 7.ª classe numa escola a cerca de 10 quilómetros de casa e conta que a sua rotina diária é acordar cedo, juntar-se ao grupo de mulheres e trabalhar horas a fio.
“Estou aqui para conseguir dinheiro para comprar cadernos, uniforme e comida para casa. Sei que não devia estar aqui, mas se não vier, ficamos sem comer e sem dinheiro para o transporte até à escola. Estudo à tarde”, conta. ~
Zumaina nunca pensou em abandonar a escola. Sonha ser professora, mas sabe que o futuro dependerá da sua força e do apoio dos pais.
Infância interrompida
Ao seu lado, trabalham João Vilanculos e Pedro José, de 10 e 12 anos, que deixaram de estudar há mais de quatro anos. A fome levou-os à pedreira.
“Queríamos estar na escola, mas os nossos pais não têm dinheiro para material escolar. Procurámos trabalho nos quintais, mas ninguém nos contratou. Foi assim que viemos parar aqui. Ao menos conseguimos algum dinheiro para comida”, relatam.
A pedra extraída ali é vendida a preços muito baixos. Uma lata de 20 litros de pedra fina custa 25 meticais; a pedra grossa é vendida a 20 meticais. Mesmo assim, os compradores reclamam e impõem os seus preços.
Aneta Salomão, de 38 anos, grávida do seu sexto filho, trabalha no local. Com um martelo nas mãos, parte pedras para sustentar a família. O marido é pescador.
“Estou aqui por falta de alternativa. Isto não é rentável. Depois de todo o esforço, os clientes ainda discutem o preço. Por vezes, vendemos a lata de pedra por 15 meticais, porque precisamos do dinheiro. Antes fazia agricultura, mas com esta seca, nada cresce nas machambas. Temos de nos reinventar para sobreviver”, afirma.
A actividade envolve riscos constantes. Muitos trabalhadores já sofreram acidentes. Ana Mutacua, com mais de cinco anos de experiência na pedreira de Vulajane, lembra-se de colegas quase soterrados, outros com membros fracturados e alguns que perderam dedos. A assistência médica é inexistente.
“Quem trabalha aqui já teve algum acidente. Eu já me bati várias vezes com o martelo. Outros perderam dedos e precisaram de amputações. Tudo por falta de equipamento de segurança. Se o Governo nos pudesse ajudar, seria uma bênção”, desabafa.
Sem escolas, sem futuro
A ausência de escolas secundárias contribui para a elevada taxa de desistência escolar. Quem deseja continuar os estudos precisa de deslocar-se para a vila-sede ou para distritos vizinhos como Vilankulo ou Govuro — uma opção que poucas famílias conseguem suportar.
Muitas raparigas menores de 18 anos são forçadas a casar para pagar dívidas contraídas pelos pais. Os maridos são, frequentemente, homens mais velhos, já casados e, por vezes, curandeiros. É o caso de Mírcia da Glória, de 14 anos, que recusou várias tentativas dos pais para a venderem a trabalhadores vindos da África do Sul. A sua recusa custou-lhe o direito à escola. Hoje, dedica-se apenas à extracção de pedra.
A actividade, para além de ilegal, compromete o futuro de dezenas de crianças. Caso não haja uma intervenção séria por parte das autoridades e das organizações da sociedade civil, o ciclo de pobreza e exploração continuará.
As autoridades distritais de Inhassoro prometeram pronunciar-se sobre o assunto numa próxima ocasião.