– “A quem não interessa a transparência nos processos eleitorais?”
As eleições gerais de Outubro de 2024, em Moçambique, apesar de terem resultado em protestos nunca antes vistos, não foram as piores da sua história, considera Ismael Mussá, professor universitário e antigo deputado pela Renamo e pelo MDM. Mussá, que nesta segunda parte da grande entrevista concedida ao Dossiers & Factos analisa o cenário eleitoral e político moçambicano, lamenta que nenhuma das três bancadas parlamentares que preexistiam antes da actual legislatura (Frelimo, Renamo e MDM) tenha abraçado a proposta do Cartão de Cidadão, essencial para a implementação do voto electrónico e, por conseguinte, para a mitigação das fraudes eleitorais que têm marcado o País. Sobre as manifestações pós-eleitorais, o antigo deputado destaca que, embora tenham contribuído para despertar a sociedade para problemas como a pobreza urbana e a exclusão social, o direito à manifestação não está acima do direito à vida, à saúde e à livre circulação. Em rigor, sua reflexão revela a necessidade de equilíbrio entre o exercício da cidadania e o respeito pela legalidade e pelos direitos fundamentais.
Texto: Serôdio Towo
D&F: Como é que se dá o seu ingresso na Renamo?
IM: Quem me convida para a Renamo é Eduardo Namburete. Em conversa comigo, ele diz: “olha, Ismael, há uma ideia nestes moldes para que assim possamos contribuir com a mudança deste País, e seremos muito bem aceites na Renamo”. Nessa altura, eu estava meio duvidoso. E ele telefona ao presidente Dhlakama e diz: “estou aqui com o colega Ismael e ele está muito hesitante”. Dhlakama perguntou porquê? E então, pusemo-nos ali a conversar. Como sabe, o presidente Dhlakama vem da zona da minha mãe e partilhávamos a mesma língua, e acabamos até falando um pouco em Ndau e foi todo aquele ambiente que acabou me encorajando a ir. A partir desse momento, eu e Namburete tratamos de convidar João Colaço. Todos temos um ponto em comum: estávamos no Brasil. Mais tarde, eu e o João Colaço convidamos Manuel de Araújo, que tinha sido meu colega de quarto na Escola Central da Frelimo, quando éramos estudantes no ISRI. Convidamos muito mais gente a aderir a Renamo; pessoas que, a princípio, aceitaram, outras que depois desistiram no meio. Respeito, são opções individuais. O mais importante é que nós mantivemo-nos firmes: Eu, o Namburete, o Colaço e o Araújo.
D&F: Isso custou-vos alguma coisa na altura?
IM: Foi muito difícil, não fomos entendidos. E, na altura, as pessoas que mais foram contra nós, que conspiraram contra nós, são pessoas que hoje são grandes críticos do regime. Nós até respeitamos; significa que essas pessoas também aprenderam com a história. Mas, na altura, foram pessoas que não entenderam; nós até fomos mais crucificados, não essencialmente pelos mais velhos da Frelimo, mas pela geração mais nova, que eram mais papistas que o papa. Estas foram as que mais nos hostilizaram, e hoje são as pessoas que estão muito críticas na opinião pública contra o ambiente político que se vive no País.
D&F: Abandonou a vida política?
IM: A política é como a água; a gente não abandona. Agora, política partidária, sim. Mas tudo o que faço é política: os meus comentários, a minha opinião. Eu não deixo de estar na política.
“Quantos vereadores da oposição tens na Beira?”
D&F: Por que é que não quer estar, agora, num partido político?
IM: Eu acho que posso contribuir melhor assim. Por causa daquele problema de partida, das desconfianças. Quando tu estás ligado a um partido político, dada a nossa cultura política, ainda há muita desconfiança. Por quê? Por causa do problema de partida. Como eu dizia, um dos erros que cometemos foi matar a tribo para construir a nação, mas a ideia não era só matar a tribo, era matar toda a diversidade. Porque pensávamos que podíamos unir rapidamente sem diversidade, o que é um erro. O mesmo acontece na política partidária. Nós concebemos, neste País, que o facto de pertenceres a um partido diferente do que tem a prerrogativa de estar no poder te torna alguém que é hostilizado, que é desconfiado, mas o mesmo acontece também nos partidos da oposição. Veja o que acontece nas autarquias governadas pela oposição. Vá ao município da Beira, quantas pessoas da Frelimo encontras como vereadores? Vá ao município de Quelimane, quantos da Frelimo encontras como vereadores? Já tivemos Nacala, e outros exemplos. Vá ao Município da Matola, quantas pessoas da Renamo podem ser vereadores? Isto não é um problema da Frelimo, é um problema da nossa cultura política. Todos pensamos assim, infelizmente. Podemos até dizer que não pensamos assim, mas, na hora da verdade, agimos assim. Então, cheguei à conclusão de que, nesta fase, posso contribuir melhor para o País se eu não tiver uma cor partidária, porque eu posso dizer o que penso, mas posso relacionar-me bem com todos. E posso, se calhar, servir em alguns momentos de crise para aproximar as partes. Por quê? Porque eu falo com todos. Posso ligar a qualquer líder parlamentar e sou muito bem aceite. Tenho relações que não tinha, se calhar, no passado.
D&F: Acha que os partidos da oposição estão a fazer bem o seu papel? IM: Eu acho que os partidos da oposição representam a sociedade que nós temos. Eles são um espelho. Nós, muitas vezes, entendemos mal os políticos, mas nós temos que olhar para a sociedade.
“Assembleia da República podia estar melhor”
D&F: Como é que avalia a nossa Assembleia da República?
IM: Eu acho que a Assembleia da República está a sofrer um momento bastante interessante. Mas seria muito negativo da minha parte falar mal da Assembleia, porque eu passei por lá. Eu acho que todos nós temos que ajudar para termos uma Assembleia melhor, e, talvez, ainda estejamos longe disso. Mas nós também contribuímos para aquilo estar como está; podia estar melhor. Então, se calhar, o que temos que fazer hoje é todos nós ajudarmos a olhar para aquilo que foi menos bem feito e perceber como se pode melhorar. Uma das coisas que, se calhar, está a faltar, é uma reforma mais profunda, como eu dizia, do Estado. Nós devíamos encontrar outras formas das pessoas serem eleitas para o parlamento. Não digo que devíamos avançar já para listas nominais, se calhar seria uma reforma muito radical. Mas podemos encontrar o meio-termo, da mesma forma que nós permitimos que as pessoas possam ir para uma Assembleia Municipal sem filiação partidária, por uma lista, por exemplo, de uma organização da sociedade civil, de um grupo de cidadãos. Devíamos, se calhar, ser um pouco ousados e permitirmos que isso acontecesse também ao nível do Parlamento. Agora, muita gente vai achar uma aberração aquilo que eu estou a dizer. Por quê? Porque, no mundo, infelizmente, o que predomina são as listas partidárias. Mas nada nos obriga a termos de seguir o que o mundo faz. Porque é que nós não criamos também uma marca nossa? E permitimos, por exemplo, que um grupo de jornalistas, por exemplo, diga “OK, Serôdio vai avançar como o nosso candidato, e vai fazer a campanha, vai explicar o que é que vai fazer no Parlamento, e vai estar lá a representar uma classe”.
D&F: Ismael Mussa é forte defensor do voto electrónico. Por quê luta tanto por este modelo?
IM: Eu fiz parte de um grupo da sociedade civil que submeteu cinco propostas relativas a isso. Aliás, eu penso que o nosso Parlamento, desde 1994, peca por não ter iniciativas de lei. Os deputados, no geral, têm muita dificuldade de produzir leis, e a sociedade pode complementar. Nós propusemos a lei do direito ao Cartão de Cidadão, a lei do Direito à Antena e Réplica Política, a lei da Acção Popular, que está prevista na Constituição, entre outras. Portanto, eu acho que é uma boa colaboração. Infelizmente, não houve seguimento por parte do Parlamento. Espero que, nesta legislatura, isso aconteça. Fiz parte das pessoas que participaram na indução dos deputados e lancei este desafio, que eu gostaria que valorizassem esta parceria entre o Parlamento e a sociedade. A outra questão que eu acho que nós temos que acabar aqui é a obrigatoriedade de produzir-se o impacto orçamental. Isto é um handicap muito grande, que reduz a produção dos partidos. Por isso, o Parlamento trabalha à volta do executivo. Por quê? O único que propõe leis aqui é o Executivo, porque é o único que está capacitado para fazer o impacto orçamental. Se o Serôdio quiser propor uma lei no Parlamento, tem que apresentar quanto é que esta lei custa, e quanto é que ela vai impactar no Orçamento do Estado. Vamos ser sinceros, nenhum de nós aqui tem as ferramentas e os dados para produzir o impacto orçamental. Então, à partida, toda a proposta que não venha do Governo é chumbada. Ela nem sequer tornase projecto. Quando tu submetes algo ao Parlamento, é proposta. Quando a presidente baixa para uma comissão fazer o parecer, e essa comissão produz o parecer, e aquilo vai ao plenário, já é um projecto. Então, as propostas de lei aqui morrem enquanto propostas, elas nunca chegam a projecto. Por isso, eu acho que o impacto devia ser repassado para o Executivo. O Serôdio poderia propor uma lei, o presidente do parlamento pegaria naquela proposta e mandaria ao Executivo para produzir o impacto. Por quê? Por que o executivo é que tem os dados todos. Isto permitiria que o parlamento pudesse funcionar com alguma produtividade visível, que não acontece hoje.
“Não é verdade que as últimas eleições foram as piores”
D&F: Por que é que propuseram o cartão-cidadão?
IM: Eu cansei de ouvir debates sobre falta de transparência e irregularidades nos processos eleitorais. Isto não vem de hoje. Eu fico um pouco preocupado, às vezes, quando as pessoas dizem: “tivemos a pior eleição”, referindo-se à última. Eu estive na política, não é verdade. Não foi a pior. Nós tivemos eleições piores ainda. Esta foi “pior” porque mexeu com a elite daqui, mexeu connosco, que fazemos a opinião pública. E, neste, momento temos acesso ao telemóvel, WhatsAp e achamos que se descobriu a roda, mas a roda não foi descoberta hoje. A irregularidade é um processo contínuo dos nossos processos eleitorais, desde 94. As de 99 foram as mais expressivas, mas não havia redes sociais como havia hoje. Portanto, o problema existe, sempre existiu. E muitas das pessoas que hoje aparecem a criticar, até fizeram parte destas irregularidades, mas hoje aparecem como pessoas que querem dar uma lufada de ar fresco. Eu acredito muito que as coisas mudam, mas, quando a esmola é muita, o pobre desconfia. Eu não consigo perceber o que é que leva as pessoas a esta mudança tão grande. Porque eu estive na política e conheço muitas dessas figuras como pessoas que nos prejudicaram ao longo do tempo, nas eleições. Mas vamos acreditar na boa-fé das pessoas, não é?. Então, pegando na Lei do Cartão de Cidadão, ela surge exactamente porque nós temos consciência de que sempre houve irregularidades nas eleições. Todos os processos eleitorais têm lacunas, até porque hoje há desconfiança à volta da votação electrónica na Europa, este sistema tem, talvez, menos lacunas do que os outros. Então, por que não vamos entrar naquilo que reduz um pouco? Nós não vamos resolver o problema da falta de transparência, de irregularidade; são processos que levam seu tempo. Mas podemos minimizar. É por isso que é importante o Cartão de Cidadão. Qual era a ideia deste cartão? Primeiro, era ajudar para que nós pudéssemos ter um documento de identidade para todos os moçambicanos. Porque, na altura, fizemos um levantamento e verificamos que só 7,6 milhões de moçambicanos tinham BI. E isso punha em causa um princípio básico do estado de direito, que era o exercício pleno dos direitos civis e políticos. Se você não tem BI, tem muitos direitos limitados. Mesmo emprego, como é que vai ter sem BI? Tem que ir ao bairro buscar uma declaração do bairro, quer dizer, tu atrasas todo o exercício de direitos civis e políticos. Nossa ideia era darmos aos cidadãos a prerrogativa de ter um documento de identidade. A outra questão é que uma das coisas que dificultam o acesso ao BI é o custo. Nós temos que entender que este País é diverso; temos realidades diferentes. Nem todos têm os 100, 200, para pagar um BI. Depois tem que se perceber que não é só pagar o BI. Quem mora numa localidade, tem que sair até à sede do distrito. É alojamento, transporte, tudo isto tem custos. Para, no fim, ele ainda ter que voltar lá, para esperar o dia que chegou para vir levantar. Portanto, se somarmos tudo isto, é um custo muito alto para pessoas que têm um rendimento muito baixo. Qual era a nossa ideia? Nós dialogamos com os parceiros de cooperação, que financiaram. Nós fizemos um debate nacional, por isso que a nossa proposta entrou com 177 assinaturas de 177 associações, mas não da capital, de todo o País. Dialogamos com a União Europeia e com vários outros actores, que estavam dispostos a financiar para que o primeiro cartão de cidadão fosse gratuito para todos os moçambicanos. E que nós acabássemos com o recenseamento eleitoral, com toda aquela maquinaria que é usada no recenseamento eleitoral seria ajustada para produzir o Cartão do cidadão. E, com as mesmas máquinas, a coisa iria à localidade, não esperar que o cidadão venha à sede do distrito, tudo para darmos aos 32 ou 34 milhões de moçambicanos um documento. Esta seria a segunda meta, ou a primeira grande conquista: dar um documento gratuito, que ele não pagaria. Agora, ele pagaria, se perdesse, numa segunda emissão, esta é outra questão. Depois introduzia-se, numa fase inicial, a votação electrónica só na capital.
D&F: Por quê só aqui?
IM: Far-se-ia numa eleição autárquica, para corrigirmos eventuais erros. Depois poderíamos avançar pelas 11 cidades capitais, e, quem sabe, numa fase posterior, avançarmos para todo o País, mas começaria de uma forma gradual, e isso permitiria reduzir as desconfianças e reduzir os problemas. Não acredito que a gente vá acabar com os problemas. Mesmo sociedades altamente desenvolvidas têm esses problemas, mas se o Serôdio for à Índia, que é a maior democracia do mundo, que tem uma população duas vezes maior do que a de todo o continente africano, acabam as eleições e dificilmente ouve dizer que houve fraude. O processo, aparentemente, é limpo. Não quer dizer que não haja irregularidades, há, mas não chegam a alterar o resultado. E aí, os partidos, em vez de andar a preparar gente para ir acomodar no STAE, falariam com os parceiros de cooperação para formar especialistas em auditoria informática. E mesmo que não formasse, daria para pedir apoio internacional ou regional para termos gente qualificada a fiscalizar o processo eleitoral e fazer as auditorias informáticas. A outra questão era termos uma CNE diferente do modelo actual. Por exemplo, no Brasil, o órgão que gere o processo eleitoral é composto por juízes que vêm do Peru, Chile e alguns brasileiros. Então, nós podemos buscar gente cá de Botswana, África do Sul. Não podemos ter medo de inovar para ter uma CNE crível. Foi por isso que propusemos o Cartão Cidadão. Agora, por outro lado, repare que, na altura, tínhamos três bancadas, mas nenhuma abraçou o Cartão do Cidadão. A quem não interessa a transparência?
D&F: Nenhuma?
IM: Nenhuma! Nunca houve um debate na Assembleia. Como aquilo veio de uma entidade que não é política, os políticos desconfiam. Este é o nosso problema de partida, a desconfiança é um problema de todos nós. Por isso, nós, na altura, não aparecemos aí na imprensa a falar mal do Parlamento. Continuamos a fazer os nossos lobbies. Agora, por exemplo, fui convidado para a indução dos novos deputados e voltei a falar do Cartão de cidadão. Falta alguma abertura, mas é preciso entender estes processos com paciência, não com arrogância, chegaremos lá. Agora, veja, entre os deputados que estiveram na altura, não pode aparecer nenhum candidato que diga que o processo não é eficiente, que teve a oportunidade de votar num processo que podia ser melhor. Todos os candidatos, com a excepção dos candidatos da Frelimo, estiveram no Parlamento. Portanto, quem é que não queria transparência? O problema é muito mais profundo, mas eu não estou preocupado com isto, eu estou preocupado em nós termos a capacidade e paciência de convencermos as pessoas. Se calhar, o nosso erro, como proponentes, foi não ter feito lobbies suficientes.
“Direito à manifestação está abaixo do direito à vida”
D&F: Tivemos manifestações nos últimos meses. Elas eram necessárias? Alguém ganhou alguma coisa?
IM: Nós somos muito legalistas, infelizmente. E, quer queiramos, quer não, a lei nos persegue. E eu fui deputado, não posso fugir. A Constituição diz que o direito à manifestação é um direito constitucional. Portanto, isso é indiscutível, mas ela remete-nos a uma lei. A lei diz que as manifestações são um direito, sim, mas elas devem ser realizadas aos sábados, domingos e feriados. Podendo ser realizadas fora desses dias, havendo motivos justificados, que seja depois das 17 horas e sempre em articulação com as autoridades policiais e municipais. Por outro lado, nunca devem acontecer em ruas que passem por instituições públicas, de soberania, embaixadas, tudo isso. Isto é o que está na lei. Agora, se a lei está correcta ou está errada, não me cabe a mim dizer. Agora, se as manifestações cumpriram isto, é a discussão que se levanta. Foram feitas aos sábados, domingos e feriados? Aqui levanta-se um questionamento e o que mais me preocupa é que ninguém trouxe isso nos debates de opinião. Cidadania não é só exercer o direito, é explicar como é que o direito se exerce, para não levarmos aquele jovem que, pensando que está a exercer o direito, vai à rua e amanhã apanha um tiro ou é violentado injustamente, e a lei não o protege porque ele não a cumpriu. É nosso dever estar em consonância com a lei. Agora, se discordamos da lei, existem canais para corrigir à lei. A outra questão é: o direito à manifestação é um direito constitucional? É sim, mas ele tem outro aspecto. Na hierarquia dos direitos, ele está abaixo do direito à vida, está abaixo do direito à saúde, está abaixo do direito à livre circulação. Então, eu, a exercer o meu direito de me manifestar, não posso pôr em causa o seu direito de circular. Não posso pôr em causa o seu direito de ir ao hospital, para receber assistência médica. Não posso pôr em risco a sua vida e pôr em causa um direito à vida. Então, respondendo à sua pergunta, se a manifestação cumpriu estes pressupostos, ela é legítima. Se não cumpriu, não sei qual é o termo. Agora, como cidadão, eu respeito a Constituição, e acho que nós devemos valorizar a manifestação. É um direito sagrado. Manifestar e discordar de algo, pacificamente, é um direito e é bonito; eu participei numa manifestação, na altura, e nem tinha muita noção do risco, mas era a emoção da juventude. Participei na manifestação pelo impeachment de Collor de Melo, na Avenida Paulista. Mais tarde, ganhei consciência que, se fosse descoberto, seria expulso do Brasil, mas eu fiz por emoção, como jovem. Qualquer jovem gosta do risco, de fazer algo diferente. Na altura, não tinha consciência, mas eu penso: “epah, eu devia ter tido algumas cautelas”.
“Manifestações ajudaram a despertar”
D&F: Perante o que aconteceu, quem saiu a ganhar?
IM: Há muitos sentimentos que não estavam postos. Portanto, é preciso também analisar – tirando a questão da lei – que esta manifestação também ajudou-nos. Quando digo ajudaram-nos, falo como sociedade, mas particularmente aos fazedores das leis, aos políticos, em geral, a perceber muitos aspectos em relação aos quais, se calhar, não tinham a dimensão do problema. Por exemplo, a pobreza urbana, exclusão. Então, ajudou a despertar sobre outros aspectos. Estava aqui eu a falar de bairros, por exemplo, que eu não conhecia. Mas são bairros nossos. Hoje, todos conhecemos Luís Cabral, Polana Caniço, mas estes bairros sempre estiveram aqui. Quando, porém, que tivemos a dimensão do real problema? Não tínhamos! Tínhamos, se calhar, noção, mas não na dimensão que nós vimos nesta manifestação. Eu acho que ela teve este aspecto de nos chamar atenção para algo que temos que encarar, temos que resolver o problema, temos que combater as dificuldades que existem, porque são cidadãos como nós, são moçambicanos que estão naquelas condições, e nós não podemos ficar satisfeitos por estarmos aqui em boas condições e deixarmos quem está em piores condições.
D&F: Palavras para concluir…
IM: Acho que devemos abraçar o acordo político, este que foi transformado em lei, e levarmos à sério. Igualmente, pedir uma maior seriedade às pessoas que forem indicadas para esta comissão, para trazermos uma visão que nos una, na diversidade, mas que nos ajude a descentralizar o mais rápido o País