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LAM: 45 ANOS DE EXISTÊNCIA: Em 15 anos, empresa teve 15 “PCAs”

– Caso para afirmar: mudam os gestores, mantém-se o cancro

Desde 2010 a esta parte, a empresa Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) conheceu 15 dirigentes máximos, embora com figurinos diferentes, nomeadamente Presidentes do Conselho de Administração (PCA), depois PCAs não executivos, a seguir administradores-delegados e, para suavizar, directores-gerais, todos estes com “iguais” tarefas, mas, infelizmente com resultados sempre desastrosos. Recentemente, o Governo liderado por Daniel Chapo também entrou na mesma “doença” de tentar resgatar a já vegetativa empresa, exonerando Marcelino Gildo para, no seu lugar, entrar uma Comissão de Gestão liderada por Dane Kondic, antigo director-executivo da Air Serbia.  Não se sabe se, com esta estratégia, aliada à contratação da Knighthood Global, o Governo terá encontrado o antídoto para a cura das vergonhosas doenças que apoquentam a companhia de bandeira nacional.

Texto: Dossiers & Factos

A instabilidade na liderança da LAM remonta desde 2011, quando Marlene Manave foi nomeada administradora-delegada, em substituição de José Viegas, que comandara a companhia como PCA durante 12 anos, de 1999 a 2011. Apesar de ter tido “reinado” mais longo, que coincidiu com os tempos áureos da companhia, Viegas ficou manchado com o banimento da LAM, em Abril de 2011, do espaço europeu, devido a graves deficiências na área da segurança.

Poucos dias depois do anúncio dessa medida pela União Europeia, José Viegas foi destituído pela Assembleia-Geral da LAM, que, juntamente com o então ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, fez esforço para passar a mensagem de que a queda do gestor nada tinha a ver com o banimento da LAM. Facto é que José Viegas esteve ligado a outro escândalo, sobre o qual iremos detalhar mais à frente.

Para já, interessa falar de Marlene Manave, cuja gestão não só não conseguiu devolver a prerrogativa de voar para o espaço europeu, como também ficou marcada pela trágica queda, em 2013, do avião TM470, em Namíbia, matando 33 pessoas. Paralelamente a isso, Manave chegou a estar na mira do Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), depois de a comunicação social ter reportado práticas supostamente ilícitas, como o alegado uso de aviões da LAM para fins pessoais, incluindo suposto transporte de ração da África do Sul para Moçambique, nepotismo e contratação de serviços sem concurso público.

Manave não resistiu às acusações e caiu em Julho de 2014, depois de ver os dois PCAs não executivos com quem trabalhou a serem afastados. O primeiro foi Teodoro Waty, Junho de 2013, por incompatibilidade, dado que também era deputado e presidente da Comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e de Legalidade na Assembleia da República. Já a queda do segundo, na circunstância Carlos Jeque, ocorreu um ano depois – Junho de 2014 – e deveu-se a supostos escândalos e denúncias que mancharam a liderança de Marlene Manave.

Zucula: o ministro que foi parar na cadeia

O percurso de Marlene Manave como administradora-delegada (e de parte de José Viegas) foi supervisionado por dois ministros do pelouro dos Transportes e Comunicações, nomeadamente Paulo Zucula e Gabriel Muthisse. Se o segundo saiu com o nome limpo, o mesmo não se pode dizer do primeiro, que acabaria por recolher às celas em 2021, oito anos depois de deixar o ministério.

Paulo Zucula foi condenado a 10 anos de prisão e a indemnizar o Estado moçambicano em 40 milhões de meticais, por prática de corrupção na compra de dois aviões à brasileira Embraer, em 2008. Em conexão com o mesmo caso, José Viegas beneficiou da prescrição do crime de que era acusado (participação económica em negócio) e foi absolvido.

Do fracasso de Aiuba à corrupção de António Abreu A saída de Marlene Manave e Carlos Jeque abriu espaço para a entrada, em Julho de 2014, de Iacumba Aly Aiuba como administrador-delegado, que teve em Silvestre Sachene o seu PCA não executivo. Um ano depois, e em resposta ao desafio lançado pelo então ministro dos Transportes e Comunicações, Carlos Mesquita, foram efectuadas profundas mudanças no corpo directivo com o objectivo de mudar a face da companhia.

Numa altura em que as críticas ao mau atendimento, atrasos de voos e problemas mecânicos das aeronaves subiam de tom, Iacumba Aiuba defendia, estrategicamente, a necessidade de os clientes “sentirem as mudanças de forma concreta”, e “não apenas ouvirem falar delas”.

Contudo, volvidos dois anos, ou seja, em 2016, a dupla Aiuba e Sachene saía de cena sem concretizar o seu objectivo. Em sua substituição foram indicados António Pinto e António Pindo de Abreu – o primeiro para o cargo de administrador-delegado e o segundo, por sinal antigo vice-governador do Banco de Moçambique, para as funções de PCA não executivo.

Entretanto, o novo administrador-delegado não conseguiu imprimir uma nova dinâmica na companhia. Pelo contrário, enveredou pelos caminhos da corrupção, debilitando ainda mais a já frágil saúde financeira da empresa. Prova disso é que, em Março de 2020, dois anos depois de ter sido afastado do cargo, António Pinto foi condenado a 14 anos de prisão pela prática do crime de peculato, no âmbito do caso LAM-Executive.

Os crimes em causa ocorreram entre 2016 e 2017, quando a LAM assinou contratos com a agência de comunicação Executive Moçambique para serviços de promoção da imagem da companhia aérea, incluindo a produção da revista de bordo “Índico”. Sucede que, de acordo com as autoridades judiciais, os referidos serviços não foram integralmente prestados, tendo apenas servido para o desvio de cerca de 50 milhões de meticais.  

Novo figurino, porém, com mesmas polémicas

Perante a queda vertiginosa da companhia, o Governo moçambicano decidiu fazer alterações no figurino, abolindo o cargo de administrador-delegado e adoptando o de director-geral. João Carlos Pó Jorge foi o escolhido para assumir essas funções, tendo como PCA não executiva a timoneira do Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE), Ana Coanai. O ministro do pelouro continuava a ser Carlos Mesquita.

À semelhança dos seus antecessores, Pó Jorge não escapou a acusações de gestão danosa com consequências destrutivas para a companhia de bandeira já debilitada. Por exemplo, foi sob comando deste gestor que a LAM permitiu que dois aviões seus, já avariados, permanecessem por mais de dois anos em Nairobi, Quénia, aguardando reparação. O problema é que, pela permanência dos aparelhos em solo queniano, a empresa pagava 40 mil dólares mensais (2.556.000 meticais, ao câmbio de 63,90 meticais).

Foi igualmente durante o reinado de Pó Jorge que a LAM ficou totalmente desprovida de aviões próprios, passando a privilegiar o aluguer, que por sua vez abriu espaço para “nhongistas” recentemente denunciados pelo Presidente da República, Daniel Francisco Chapo. A somar-se a isso, agudizaram-se os problemas mecânicos, a ponto de a companhia ter registado três incidentes – com igual número de aparelhos – em apenas dois meses, nomeadamente Março e Abril de 2021.

A vez do malabarista sul-africano

Apesar de todas as polémicas que marcaram o seu consulado, João Carlos Pó Jorge conseguiu aguentarse até Fevereiro de 2022, altura em que o novo ministro dos Transportes e Comunicações, Mateus Magala, que substituíra Janfar Abdulai, decidiu colocar ao leme da companhia a empresa sul-africana Fly Modern Ark, cujo proprietário, Theunis Christian De Klerk Crous, assumiu o cargo de director-geral.

Quer da parte de Crous, quer da parte do ministro, que entretanto fez o papel de “PCA”, vieram promessas animadoras de reestruturar e revitalizar a LAM, mas o que se viu foi o contrário, e aqui a empresa passou ao “estado vegetativo”. A FMA tomou decisões penalizadoras para a vida da empresa, como o aluguer de um avião cargueiro que, durante cinco meses, não chegou a descolar, mas pelo qual se pagou USD 465 mil dólares.

De resto, o despesismo marcou profundamente a gestão da FMA, basta lembrar que, em poucos meses, a empresa contratou oito consultores sul-africanos cujos resultados são desconhecidos, embora recebessem salários superiores a 60 mil randes. Simultaneamente, as dívidas da transportadora aérea iam-se acumulando, comprometendo a relação com os parceiros, com destaque para a EuroAtlantic, a quem a LAM chegou a dever 1.335.500,00 euros (um milhão, trezentos e trinta e cinco mil e quinhentos euros).

Tudo isso aconteceu sob olhar impávido e cúmplice de Mateus Magala, o que para muitos se explica pela relação de “promiscuidade” que o actual conselheiro económico do Presidente da República alegadamente mantinha com os sul-africanos. Aliás, de acordo com alguma imprensa nacional, Theunis Christian De Klerk Crous autorizou o pagamento, com o dinheiro da LAM, de férias do ex-ministro, em Março de 2024, em Cape Town. Só o alojamento do ex-governante terá custado 77.833 rands (pouco mais de 270 mil meticais).

De resto, a liderança interina da FMA na LAM, que terminou em Julho de 2024, só não foi além disso porque alguns sectores se opuseram à vontade de Magala, que defendia a extensão do contrato por dois ou três anos.

Depois de Muchanga e Gildo, LAM novamente entregue a estrangeiros

Após o fracasso da experiência sul-africana, decidiu readoptar o modelo dos PCAs executivos, que rendeu duas passagens rápidas de dois gestores experientes. Américo Muchanga, que já tinha sido PCA do Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM), permaneceu no cargo de Julho de 2024 até 22 de Janeiro de 2025, tendo sido substituído por Marcelino Gildo, antigo gestor-mor da Electricidade de Moçambique (EDM). Gildo, por sua vez, durou apenas três meses na função – de Janeiro a Abril de 2025 –, fixando o recorde de mais curta passagem pelo topo da empresa LAM.

Entretanto, desde a última semana, a liderança está nas mãos do australiano Dane Kondic, no contexto de mais uma tentativa de reestruturação da companhia de bandeira, cujo histórico de trocas sucessivas no comando não se traduziu em melhorias palpáveis.

O ex-presidente da EuroAtlantic e da I-Jet Aviation tem mais de 35 anos de experiência na aviação civil. Sera, no entanto, coadjuvado, durante o período de um ano, pela Knighthood Global, que tem como missão assessorar na reestruturação da base Financeira da LAM, prestar suporte estratégico na avaliação, selecção e fornecimento de aeronaves adequadas às necessidades operacionais da LAM, e implementar sistemas de tecnologia de informação, indicadores-chave de desempenho e mecanismos de engajamento com as partes interessadas. Mesmo assim, não se sabe se estas medidas bastam para tirar do estado vegetativo esta companhia, também tomada por “ratos” e “raposas”.

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