O economista moçambicano Carlos Nuno Castel-Branco afirma que o capital financeiro internacional transformou a crise económica de Moçambique num negócio lucrativo, explorando as fragilidades do País para obter ganhos especulativos. A declaração consta do seu artigo publicado no Boletim IdEIAS, edição 165, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Texto: Amad Canda
Castel-Branco sublinha que, após a revelação das dívidas ilícitas da EMATUM, PROINDICUS e MAM, que resultaram numa explosão da dívida pública moçambicana e numa profunda crise financeira e institucional, os mercados financeiros internacionais, em vez de se afastarem do País, redobraram a sua presença. “O capital financeiro internacional transformou a crise moçambicana em negócio, apostando na insolvência da economia e financeirizando as expectativas de default”, escreve o economista.
No seu artigo, Castel-Branco descreve como a crise moçambicana, no lugar de afastar o capital internacional, criou três grandes oportunidades para os especuladores financeiros. Em primeiro lugar, gerou um ambiente favorável à especulação com a dívida soberana de Moçambique, com investidores a lucrar com as expectativas de incumprimento. Em segundo, tornou o Orçamento do Estado mais dependente do endividamento comercial, expandindo o mercado especulativo. Por fim, reduziu o poder negocial do Governo moçambicano nas negociações sobre a exploração dos recursos minerais e energéticos, favorecendo os investidores internacionais.
Castel-Branco é particularmente crítico em relação ao papel das agências de rating internacionais, que, segundo ele, actuam como instrumentos dos mercados financeiros para definir o risco de crédito de uma economia e, consequentemente, determinar o custo da sua dívida. “As suas avaliações funcionam como uma profecia que se auto-realiza. Quando decretam que uma economia está no ‘lixo’, o capital financeiro retira-se, e os prémios sobre a dívida aumentam, agravando a situação económica do país”, alerta o economista.
Para o pesquisador, as agências de notação financeira são actores centrais na especulação global. Mantêm uma relação simbiótica com os especuladores, ao influenciarem o custo do crédito dos países e permitirem margens de lucro elevadas para investidores que apostam na deterioração económica. No caso de Moçambique, o economista destaca que, durante anos, as agências mantiveram uma avaliação estável e positiva da economia, mesmo diante de sinais claros de insustentabilidade e risco.
Contudo, após o escândalo das dívidas ilícitas, essas mesmas agências rebaixaram drasticamente a classificação de Moçambique, acelerando a crise económica e agravando o custo da dívida pública. “Estas agências não são independentes. Estão ligadas aos mercados financeiros e lucram com a instabilidade que ajudam a provocar”, denuncia o economista.
O artigo sublinha ainda a que o impacto desta crise não se limitou aos indicadores económicos, mas afectou directamente a vida dos cidadãos, com o aumento do desemprego, da inflação e da pobreza. Para Castel-Branco, a crise foi o resultado de um modelo económico que privilegiou o endividamento externo e a especulação financeira, em detrimento do investimento produtivo e da protecção dos recursos naturais do país.
O economista critica também a forma como as instituições internacionais apoiaram a expansão económica de Moçambique, promovendo o endividamento externo sem garantir uma gestão transparente e responsável dos recursos captados. Segundo a fonte, essas instituições foram cúmplices na criação da bolha especulativa que mais tarde explodiu.
Castel-Branco salienta que o modelo de desenvolvimento adoptado pelo País, orientado para a exploração intensiva de recursos naturais e dependente de financiamento externo, deixou Moçambique vulnerável à manipulação dos mercados financeiros internacionais. Esta dependência criou um ciclo vicioso de dívida, especulação e fragilidade económica.
Impõe-se mudança de rumo
O economista alerta ainda para o facto de que, enquanto Moçambique continuar a depender de capital externo e a submeterse às exigências dos mercados financeiros internacionais, permanecerá exposto a novas crises semelhantes. Defende, por isso, a necessidade de uma mudança profunda na estratégia económica, com prioridade para o desenvolvimento interno e a gestão sustentável dos recursos naturais.
“O que era apresentado como desenvolvimento económico revelou-se uma bolha especulativa, sustentada por promessas de riqueza futura, que nunca se concretizaram. Quando a bolha explodiu, o País ficou exposto ao apetite voraz do capital internacional, que lucrou tanto com as expectativas de crescimento acelerado como com o colapso anunciado”, escreve Castel-Branco.
Carlos Nuno Castel-Branco é um dos mais destacados economistas moçambicanos, conhecido pelas suas análises críticas sobre o modelo de desenvolvimento económico adoptado pelo país e pela sua defesa de uma gestão mais responsável dos recursos naturais e das finanças públicas.