A presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), Graça Machel, defendeu na cidade de Xai-Xai, que as mulheres continuam a ser tratadas como sujeitos passivos das políticas públicas, sobretudo nas áreas económicas. A activista e antiga governante apontou a ausência de dados estruturados sobre a participação feminina nos sectores chave como um dos principais entraves à promoção da igualdade económica.
Texto: Maidone Capamba
“Se eu perguntasse agora a um dirigente qual é a percentagem de mulheres na agricultura formal — não falo da agricultura de subsistência — ninguém saberia responder com exactidão. Essa informação não está estruturada”, afirmou Graça Machel.
A intervenção decorreu durante uma conferência preparatória da Conferência Nacional Mulheres na Economia, promovida pela FDC, com o objectivo de recolher subsídios para o desenho de políticas mais inclusivas. Com o lema “Forjando caminhos e alternativas para a autonomia e resiliência económica das mulheres”, o encontro em Gaza visou mapear a posição da mulher nos sectores estratégicos da economia moçambicana, como a agricultura, o turismo e os serviços.
Para Machel, a falta de estatísticas fiáveis é um reflexo das próprias estruturas do Estado e das instituições empresariais, que falham em colocar a mulher como prioridade. A Conferência Nacional pretende romper com este paradigma, criando um quadro de referência mais rigoroso e participativo.
Gaza como território-símbolo dos desafios femininos
A escolha da província de Gaza para a realização do evento não foi casual. Segundo a presidente da FDC, trata-se de uma região com níveis elevados de pobreza, severamente afectada pelas alterações climáticas, com baixa cobertura de serviços sociais e altos índices de infecção por HIV. “É neste contexto de adversidade que precisamos de ouvir as mulheres, entender os seus desafios concretos e encontrar abordagens criativas para fortalecer o seu papel na economia local e nacional”, defendeu.
Além de Gaza, estão previstas conferências nas províncias da Zambézia e de Nampula, para cobrir as regiões centro e norte do país.
“A autonomia económica da mulher já não pode ser vista como um favor”
Presente no evento, a Governadora de Gaza, Margarida Mapandzene, elogiou a força, criatividade e resiliência das mulheres da província, que enfrentam diariamente os desafios da pobreza e da exclusão. Contudo, reconheceu que persistem barreiras estruturais, tanto administrativas como culturais, que limitam o empreendedorismo feminino.
“A autonomia e a resiliência económica das mulheres já não podem ser vistas como um favor. São condições essenciais para o progresso social, para o desenvolvimento económico inclusivo e para a construção de uma sociedade justa, solidária e sustentável”, declarou.
A governadora comprometeu-se a adoptar medidas concretas, entre as quais: facilitar o acesso ao crédito e aos meios de produção, promover a formação técnica e financeira, garantir igualdade de oportunidades desde a infância, e valorizar o papel da mulher como agente de desenvolvimento.
Destacou ainda a aprovação de vários instrumentos legais e estratégicos a nível nacional, como a Política de Género e respectiva Estratégia de Implementação, o Plano Nacional de Acção para o Avanço da Mulher, o Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Baseada no Género, e o Plano Nacional sobre Mulheres, Paz e Segurança, além de estratégias sectoriais nos domínios da Saúde e da Educação.
“Temos de continuar a trilhar este caminho lado a lado — mulheres e homens, instituições públicas e privadas — com um compromisso firme pela igualdade, pela justiça e pela prosperidade partilhada”, concluiu.
Realidade estatística desafia políticas
A delegada do Instituto Nacional de Estatística (INE) em Gaza, Mequelina Sitoe, apresentou dados que revelam a profundidade dos desafios. A taxa de analfabetismo na província é de 27,6%, sendo que entre as mulheres o valor sobe para 34,2%, afectando 172.313 mulheres num universo de cerca de meio milhão.
No que diz respeito ao emprego, a taxa de ocupação feminina é de 79,3%, com forte incidência na agricultura, onde 79,9% das mulheres activas trabalham. Apesar destes números, a presença da mulher na economia continua subvalorizada e invisibilizada, quer nas estatísticas, quer nas políticas públicas.