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PARA AS  NECESSIDADES ECONÓMICAS: Mussá defende aposta no ensino técnico-profissional

Para o académico, não foi boa ideia priorizar ensino liceal no pós-independência

O académico e ex-deputado da Assembleia da República pelas bancadas da Renamo e MDM, Ismael Mussá, considera que o abandono do ensino técnico-profissional, após a independência nacional, constitui um dos principais factores que limitam o desenvolvimento económico de Moçambique. Em entrevista ao Dossiers & Factos e Dossier Económico, Mussá lança duras críticas ao paradigma adoptado no pós-independência, defendendo uma reorientação estratégica urgente, com enfoque na capacitação prática e técnica da juventude moçambicana. Para o antigo parlamentar, que já foi secretário-geral do MDM, a aposta quase exclusiva no ensino liceal revelouse insuficiente e desajustada face às necessidades estruturais do País, particularmente nos sectores da agricultura, indústria e energia.

Texto: Serôdio Touo

Segundo Mussá, o modelo colonial, apesar das suas limitações evidentes e do carácter explorador, privilegiava o ensino técnico-profissional, sobretudo nas regiões Centro e Norte do País. Na sua análise, a presença de companhias agro-industriais e extractivas como a Companhia do Niassa, a Madal, a Boror, a Sena Sugar, a Cajuca ou a Companhia de Moçambique, forçava uma lógica de formação prática da força de trabalho local, em parceria com instituições religiosas como a Igreja Católica. Os formandos saíam habilitados como pedreiros, carpinteiros, canalizadores, electricistas, entre outros profissionais técnicos necessários à manutenção das operações empresariais.

Após a independência, com o desafio de massificar o acesso à educação num contexto em que 90% da população estava fora do sistema de ensino, o novo Estado, liderado por Samora Machel, optou por expandir o ensino geral. Mussá reconhece que esta escolha se justificava no momento histórico, mas sublinha que, ao negligenciar a componente técnica, criou-se uma lacuna estrutural com reflexos nefastos nos dias que correm. “Foi uma grande conquista levar a educação a todos os moçambicanos, mas pagamos hoje o preço de termos priorizado apenas o ensino liceal. Criámos uma massa de licenciados com saber teórico, mas com escasso saber-fazer”, observa.

Com uma crítica fundamentada nas exigências actuais do mercado de trabalho, quer na agricultura, quer na indústria extractiva, o docente universitário sustenta que o ensino técnico-profissional oferece vantagens estratégicas significativas para o desenvolvimento sustentável do País. “Hoje temos grandes projectos na área de energia, infra-estruturas e indústria, mas nos faltam pedreiros competentes, técnicos de electricidade, serralheiros, mecânicos – profissionais que deveriam sair de institutos técnico-profissionais”, assinala, sublinhando que, neste momento, profissionais destas áreas são mais necessários que sociólogos ou juristas.

Na visão do académico, o País precisa de uma agenda de desenvolvimento que identifique com clareza as áreas prioritárias para o crescimento económico e social. Essa agenda deverá sustentar as decisões em matéria de política educativa e orientar os investimentos estatais. “A nossa economia é essencialmente agrícola, mas não formamos os regentes agrícolas suficientes para apoiar o camponês. Temos muitos engenheiros agrónomos com formação superior, mas nos falta a base que dá assistência directa à produção rural”, exemplificou.

Suíça como referência e Fundo Soberano como oportunidade

Na sua argumentação, Ismael Mussá cita o exemplo da Suíça como modelo de referência, onde, desde o ensino básico, os estudantes são orientados para áreas práticas em função das suas aptidões, com forte presença do Estado na criação de condições para formação técnica gratuita até ao 12.º ano. “Na Suíça, o ensino técnico é o caminho privilegiado. Os alunos seguem desde cedo formações em mecânica, electricidade, serralharia, e o Estado cobre os custos. Este investimento resulta numa força de trabalho altamente qualificada e adaptada à realidade económica”, compara.

Questionado sobre a viabilidade financeira de Moçambique enveredar por um modelo semelhante, Mussá é peremptório: “Temos, sim, capacidade para isso. A criação do Fundo Soberano é uma oportunidade histórica para apostar no ensino técnico-profissional. O Fundo não pode servir apenas para poupança passiva. Se aplicarmos parte dos seus recursos de forma estratégica, em áreas com retorno garantido como a educação técnica, o próprio mercado vai compensar esse investimento através de impostos, produtividade e inclusão.”

Segundo o entrevistado, a criação de pelo menos um instituto industrial bem equipado em cada província, e de uma escola técnica funcional em cada distrito, pode transformar radicalmente a base económica nacional, além de reduzir o desemprego jovem. Mas alerta que não basta construir escolas técnicas “de fachada”; é necessário dotá-las de laboratórios, oficinas, formadores qualificados e materiais didácticos que assegurem uma aprendizagem efectiva.

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