EnglishPortuguese

ALBINO FORQUILHA: “Podemos pode ganhar sem Mondlane”

– Podemos ganhar sem Venâncio Mondlane

 – “Nossos deputados têm desafios, mas não são inválidos”

Numa extensa entrevista concedida ao Dossiers & Factos, o presidente do partido Podemos, Albino Forquilha, fez revelações incisivas sobre os bastidores da política nacional, acusando o académico e activista Adriano Nuvunga de ter mentido ao afirmar que recebera 219 milhões de meticais para “vender a verdade eleitoral”. Considerando a acusação uma “calúnia” sem fundamentos, Forquilha sublinha que a insinuação teve motivações políticas e deixa claro que “não vamos deixar isso de qualquer maneira”. A entrevista também deixou claro que o Podemos pretende afirmar-se como força autónoma, capaz de disputar e vencer eleições sem a presença de Venâncio Mondlane. “Se conseguíssemos domesticar o Venâncio, seríamos astros”, ironizou, ao recordar os conflitos que minaram a aliança entre ambos, mas reconhecendo os ganhos estratégicos da colaboração durante as eleições gerais de 2024. Num exercício de rara franqueza política, Forquilha admitiu que os deputados eleitos pelo seu partido apresentam lacunas significativas em matéria de formação e experiência na gestão do Estado, pelo que terão de passar por “profundas capacitações”. Ainda assim, garante que a bancada tem surpreendido positivamente no desempenho inicial. Crítico do modelo de oposição praticado nas últimas três décadas, o líder do Podemos acusa Frelimo e Renamo de terem “transportado o conflito armado para o Parlamento”, actuando muitas vezes com base na rejeição sistemática em vez de análise substantiva. Forquilha afirma que o seu partido quer romper com esse padrão, posicionando-se como uma alternativa racional, programática e capaz de dialogar com todos os actores, sem abdicar da fiscalização e do seu papel transformador.

Texto: Dossiers & Factos

Dossiers & Factos (D&F): Presidente, para começarmos, gostava de saber em que espectro político se insere o Podemos sob o ponto de vista ideológico. Esquerda, à direita, centro-esquerda ou entro-direita?  

 Albino Forquilha (AF): O Partido Podemos é de centro-esquerda. Nós fizemos uma análise que considerámos profunda sobre as razões de termos um partido de centro-esquerda, que é aquele que permite, de facto, algumas intervenções do Estado onde julgar que a sua população tenha mais fragilidades; num âmbito de social-democracia, é aquele que permite, de facto, sindicâncias. Analisando mesmo o País que é considerado a origem destes conceitos – esquerda e direita – lembramo-nos que na França havia um Parlamento composto pela classe burguesa que, muitas vezes, no processo de tomada de decisões, tinha muito em consideração a conservação do que já havia sido conquistado e pouca consideração por aqueles que ajudaram a conquistar, que são os trabalhadores. Então, os trabalhadores julgaram que, no centro de decisões, havia uma lacuna, porque não tinham quem os defendesse. Nessas reivindicações, surge a necessidade de haver uma outra bancada, que fosse a bancada da esquerda, que tinha muito que lutar pelos direitos dos civis, dos trabalhadores e outros segmentos fora da elite. Reparando para o País, não tínhamos muito que defender uma classe da direita que quisesse conservar algo. Somos um País que está a começar, um País de camponeses, basicamente. Temos dificuldades de aceder ao hospital, porque não temos dinheiro, entre outras carências. Então, não havia razão para que nos definíssemos como um partido de direita ou mesmo de extrema-direita. Por isso é que nos vemos como um partido que roça um bocadinho o centro mas com tendência à esquerda.  

D&F: Está a dizer, em outras palavras, que não faz sentido a emergência de partidos de direita nesta fase do País?  

AF: Na nossa análise, sim, pelo menos no contexto moçambicano. Agora, pode haver razões ligadas à estagnação de conceitos historicamente, como quem diz “bom, você surgiu primeiro e disse que era da direita, e eu estou a surgir agora, então, automaticamente, sou da esquerda”, mas sem analisar, de facto, o sentido dessas terminologias. Nós analisámos e vimos que, de facto, ainda somos uma nação que 90% da população às vezes não tem dinheiro para pagar hospital. A nossa capacidade de produção muitas vezes serve apenas para fazer face às necessidades de alimentação e não há excedente para pagar uma cirurgia, por exemplo. Então, tendo em conta esse aspecto, o Estado tem que fazer algumas intervenções. Com isso quero dizer que se vendermos o comprimido ao mesmo preço que é vendido na Europa, a população não vai conseguir comprar, pelo que é preciso subsidiar, e isso só é feito por um partido de esquerda/centro-esquerda. Foi analisando esse contexto que nos definimos como de centro-esquerda. O exemplo está aí: o sistema de portagens visa criar condições para que haja melhores vias de acesso, mas nós estamos a reclamar, não porque de facto não queiramos pagar, mas porque  não temos capacidade mesmo para poder lidar com isso. Então se nós quisermos levar uma economia determinadamente de conservação, não vamos fazer nada.  

D&F: Porque falou das portagens, vou aproveitar a deixa. Acha que a recente diminuição das tarifas é suficiente ou o Governo poderia ter sido um pouco mais arrojado?  

AF: É sempre um pouco difícil, quando falamos de justiça. Aqui estaríamos a falar da capacidade de fazer uma manutenção ideal das vias de acesso, mas é preciso olhar para a capacidade do pagador. Aquilo que nós pagamos, de facto, para a nossa capacidade de produção, de retenção de recursos financeiros, é muito alto. Ao mesmo tempo que eu clamo por uma estrada melhor,  as condições para produzir essa estrada dependem do que eu dou. Então, aí está o dilema. Quando falamos de justiça, de facto, é justiça para quem? Portanto, a análise mesmo é esta: aquilo que somos exigidos a pagar agora, na capacidade do povo como ele é, é alto. É alto, sim, porque há pessoas que não conseguem ter o que comer durante o dia. No entanto, este valor é irrisório para o melhoramento das vias de acesso e de outras infraestruturas.  

D&F: O Podemos votou recentemente a favor da aprovação do PESOE 2025. Fê-lo por acreditar que o instrumento responde às principais preocupações do povo moçambicano neste momento?  

AF: Em parte. Votar no PESOE é dizer que estamos, de alguma forma, a viabilizar algum funcionamento do Estado nos termos e nos números que nos foram apresentados. Não quero dizer que aqueles números resolvam, efectivamente, as necessidades orçamentais do País. Olha, eu diria que, se calhar, para termos um orçamento que pudesse fazer entender o povo moçambicano que há interesse de prosperar ou desenvolver o País, nós precisaríamos de três ou quatro vezes mais aquele orçamento. Eu diria mesmo que precisaríamos, por exemplo, de USD 5 mil milhões para um quinquénio só para as infra-estruturas, mas nós não temos isso. Aquilo que se colocou no Parlamento é o que o Estado consegue arrecadar. Portanto, é um orçamento deficitário, em que apenas cerca de 6% dos fundos estão alocados para um investimento, só que este País, para poder mudar, tinha que ter, efectivamente, menos para o funcionamento do Estado e mais para o investimento. Mas o orçamento que aprovámos, naquilo que foi descrito, e que vamos fiscalizar, as correcções e sugestões que fizemos foram acolhidas, por isso tivemos que aprovar.  

D&F: Ainda no contexto do vosso trabalho na AR, há sectores que, olhando para a vossa postura, entendem que o Podemos está demasiado alinhado à Frelimo. Praticamente classificam o Podemos como a extensão da Frelimo. Que comentário tem a fazer a esse respeito?  

 AF: Eu penso que na apreciação das pessoas, é normal. Temos que admitir que cada um tem o seu olhar. Na oposição, os outros têm suas estratégias, e nós temos a nossa. Nós queremos ser nós mesmos, queremos ser o Podemos, não queremos ser atribuídos ao formato que os outros usaram. Podia haver indivíduos que entendessem que eu, por facto de ser da oposição, tenho que negar tudo que o outro [a Frelimo] apresenta. É mais ou menos o que vivemos ao longo dos últimos 30 anos de democracia, em que muitas propostas que a Frelimo apresentasse, sobretudo ligadas ao Orçamento do Estado, eram chumbadas. Mas também as propostas de lei que a oposição apresentava, os outros chumbavam. É este estilo de oposição que foi sendo construído, e pode ser isso que cimentou na cabeça de muitos moçambicanos a ideia de que é assim que tem que ser a oposição. Mas, no nosso entender, a oposição, para se opor a uma postura, um instrumento que se apresente, precisa de uma análise profunda, não só do que você está a ver, mas do contexto, e só depois tomar uma posição. Imagina que alguém me apresente um orçamento chumbo porque não vai construir a ponte da minha terra, que me beneficie? De toda a análise que foi feita, haverá muitas outras pontes que ficam de fora, porque o orçamento não chega. Então, nós vamos estudar claramente o que está a ser colocado e procuramos dar as nossas propostas Aquele orçamento tinha muitas incongruências, até mesmo na sua relação com a Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE). Nós colocamos as nossas posições e elas foram incorporadas. Ora, tendo feito isso, exercemos a nossa oposição.

“Ao longo dos anos, fazia-se oposição de conflito”

D&F: Está a dizer que o estilo de oposição que foi sendo praticado ao longo desses anos não era propriamente baseado numa análise profunda das questões que eram apresentadas?  

AF: Eu penso que era uma oposição muito mais de conflito, de guerra, transportado para o contexto democrático. Nós éramos indivíduos que disparávamos um contra o outro, e um pouco dessa forma de ser e estar foi transportada para a democracia. E, analisando bem, era inevitável, mas isso, às vezes, fazia com que não se realizasse análises muito profundas dos factos. Não quero aqui perder respeito a todos os outros que foram da oposição no passado, mas esta é a análise que eu faço, porque às vezes a ideia era “você colocou isso, eu nego e vice-versa”. A Renamo apresentou na Assembleia da República, ao longo desses anos, algumas propostas muito muito boas, mas não passaram, simplesmente. A Frelimo nem analisava alguns aspectos, assim como a Renamo reprovava peremptoriamente propostas da Frelimo, e isso não ajudou o povo. O Podemos também não vai aprovar tudo, mas, dentro da análise que faz, se de facto entender que determinada proposta corresponde um pouco ao contexto e à maneira como as coisas devem ser feitas, vai aprovar.

D&F: O partido teve alguma dificuldade de localizar alguns deputados que foram eleitos para a Assembleia da República. Afinal de contas, como foi o processo de selecção dos candidatos ao Parlamento? Por outro lado,  o presidente pode garantir que os membros da bancada parlamentar do Podemos têm qualidade para exercer as funções que se esperam de um deputado?  

 AF: Olha, a selecção que nós fizemos é como de qualquer outro partido. Temos membros em todas as províncias e, quando chegou o momento de candidatura, foram seleccionados alguns para as listas de candidatura. Acontece que, depois da eleição, tive a informação de que dois não estavam presentes, eram procurados; a primeira informação que me deram foi de que um, de Tete, havia perecido, mas mais tarde soubemos que existia e por isso tivemos que desencadear alguma investigação para entender o que se passava com esses compatriotas. Não entendia como é alguém que concorreu ao Parlamento, no momento em que tem que tomar posse, fica despercebido. Depois de reaparecerem, e tivemos que entender o que teria acontecido. Algumas posições podiam ser palpáveis, outras não, mas, pronto, estão no processo de tomar os seus lugares.  

D&F: Mas relativamente à questão da qualidade, é assegurada?  

AF: Isto também é relativo. Para sermos deputados, em princípio, temos que compreender muito o conceito de gestão do Estado. É o que seria ideal. Portanto, devíamos ter alguma experiência bastante longa em certas áreas de trabalho. Noutros países já se exige isso. Portanto, tu chegavas lá [no Parlamento] não porque és querido pelo povo, mas também porque entendes melhor a mecânica da gestão do Estado. Se sou deputado, represento o povo, então é preciso saber o que significa representar o povo, o que significa fiscalizar, legislar, etc. Mas não é o nosso contexto. Portanto, nós temos jovens com interesse em contribuir para o Estado. Fizemos a nossa eleição com consciência de que, aqueles que forem eleitos, terão que passar por profundas capacitações para que entendam, de facto, essas matérias, como todos os outros partidos deveriam fazer.  

“Nossos deputados têm desafios, mas não são inválidos”

D&F: Se têm de passar por “profundas capacitações” é porque têm evidente défice de qualidade…

AF: Sim, isso é lógico. Notamos que temos muito por aprender sobre ser representante do povo. Notamos que muitos que foram seleccionados tinham necessidade, de facto, de serem capacitados. Como eu estava a dizer, ninguém entra para o cargo de deputado com um currículo específico que diga “eu fui formado em Manchester como deputado”. Isso não existe. As pessoas têm várias áreas – são professores, médicos, serralheiros, etc. – mas entender especificamente os aspectos de governação de um Estado é uma aprendizagem da escola em sede do Parlamento, em parte. Por isso, tínhamos a consciência de que, efectivamente, os jovens que seleccionámos têm desafios, mas não são inválidos para o processo de representação do povo, e  penso, nos primeiros momentos da nossa actuação, tenho uma apreciação positiva da minha bancada. Está a fazer o trabalho que tem que fazer, e, em algum momento, surpreendeu-nos em comparação com os outros, quando começaram.   

D&F: Há muitas queixas em relação à produtividade do Parlamento. Nossa AR é descrita como “cartório do Governo”, porque não tem iniciativa, passando a vida a chancelar propostas vindas do Executivo. O Podemos está preparado para reverter esse cenário? E, se sim, quais são as matérias que considera importante e urgente discutir neste momento?  

AF: Eu penso que sim. Quando tomamos posse, nós tivemos que constituir uma equipa de background, que faz um trabalho importante no preparo das nossas pessoas, de análise, em conjunto, das matérias apresentadas pelo Parlamento. Isto, até aqui, está a correr muito bem. E este preparo inclui, também, o assumir de todo o triângulo de responsabilidade do deputado – legislar, representar e fiscalizar. Neste capítulo de legislar, que é uma das grandes fraquezas do nosso Parlamento, como esteve a dizer, nós temos uma proposta de que a nossa bancada tem que, de facto, fazer propostas de lei, e por tal, temos também um conjunto de auscultações, que nós estamos a fazer, como partido, para entender onde estão as maiores fraquezas legislativas. Estamos a reunir um conjunto de elementos que nos permitem dizer “Neste capítulo, temos de preparar uma lei”. Isso está, de facto, em preparação, estamos dispostos a apresentar leis na Assembleia da República, para assumir, neste caso, esta nossa faceta de legisladores.  

D&F: Mudemos de capítulo. Pode-se dizer que a participação do Podemos nas últimas eleições gerais foi um sucesso. Este sucesso, de acordo com várias análises, também explica-se pela parceria que teve na altura com o candidato presidencial Venâncio Mondlane. O Podemos entende que está em condições de repetir este sucesso ou, provavelmente, assaltar o poder já nas próximas eleições, mesmo estando desfeito deste casamento com Mondlane? 

AF: Sim, o Podemos pode vir a ganhar eleições no futuro. Tudo o que queremos são eleições justas, livres e transparentes. Nós somos e sempre fomos muito confiantes em nós mesmos, muito confiantes no povo moçambicano, porque sabemos muito bem como pegar toda aquela matéria programática que os moçambicanos esperam, sabemos definir claramente a nossa causa, sabemos os nossos desafios nesta mesma causa e temos sentido que, ao nível programático, estamos em consonância com os moçambicanos. Se nós dissermos, por exemplo, que existe discriminação política, isto deve ser consensual; Se dissermos que há uma discriminação económica, deve ser consensual. Todos nós sabemos. Estas matérias todas, de justiça social, boa governação, os moçambicanos entendem muito bem e conseguem identificar onde está a grande falha. E nós temos uma capacidade grande de sustentabilidade institucional, não só falamos como falamos em termos programáticos, mas também temos a nossa gestão da casa, como instituição, como é que lidamos com a democracia, como é que gerimos nossos valores no nosso dia-a-dia. Isso faz com que o Podemos seja cada vez mais forte. E, nesta força, temos depois a sustentabilidade financeira. Repare que nós começamos, como partido, em 2019. Quando concorremos em 2019 tínhamos apenas cinco meses e concorremos com 27 partidos que já tinham longa história na praça, mas ficamos em quinto lugar. Esse foi um teste revelador para o nosso projecto. Nessa altura, não tínhamos feito associação com ninguém, não havia Venâncio Mondlane. Nós percebemos que se aliássemos a nossa capacidade organizativa à capacidade logística e financeira, poderíamos fazer muita coisa. Estrategicamente, juntamo-nos a Venâncio Mondlane em 2024 e estamos onde estamos hoje. Em seis anos, temos uma bancada parlamentar. É como se alguém nos dissesse que nós temos uma linha muito clara para frente. Precisávamos da capacidade financeira que, de alguma forma, alcançámos. Os próximos cinco anos vão prometer…  

D&F: Entretanto, o casamento com Mondlane não durou muito tempo. Houve de facto um divórcio, na sequência de algumas querelas. Apesar disso, o partido Podemos teria garantido que o Venâncio Mondlane não seria excluído dos benefícios a que tem direito à luz do acordo que foi assinado. O presidente reafirma essa promessa?  

AF: Não, ele próprio rejeitou. Trabalhamos juntos, chegamos onde chegamos juntos e era nossa obrigação, como um partido que aspira chegar ao poder, cumprir os acordos que assinamos. Nós assinamos um acordo e dissemos que, apesar dos problemas que foram existindo,  ele teria os direitos que alcançamos juntos.  O próprio Venâncio disse não precisar nada desses direitos. Então, nós congelamos, no sentido de que os outros, individualmente, vão usufruir desses direitos. O acordo foi feito com o Venâncio Mondlane em pessoa, mas há muitos outros que estavam por trás dele e que hoje estão ligados ao Podemos e beneficiam-se destes direitos.  

D&F: Como é que está a relação pessoal entre o presidente do Podemos e Venâncio Mondlane?  

AF: Eu penso que, como pessoa, se calhar não tenha problemas com ele, mas a nossa ligação era mesmo institucional, fundamentalmente. Tendo se quebrado esse laço institucional, e da maneira que se quebrou, não há muito movimento aqui. Mas nada obsta que qualquer dia estejamos a conversar. Certo é que, neste momento, não há ligação directa.  

“Se conseguíssemos domesticar Venâncio, seríamos astros”  

D&F: Tendo em conta que ele vai fundar um partido, não está descartada a possibilidade de uma coligação no futuro ou os problemas de 2024 afastam completamente essa opção?  

AF: A política é dinâmica, e quem fica com alguma mágoa vai perder tempo. A política tem interesses, às vezes imediatos, que devem ser resolvidos. Pode ser que lá, no futuro, nós precisemos um do outro, e penso que as portas estarão abertas, comigo e com outros presidentes. Mas ficou a lição sobre com quem estamos a lidar. Venâncio, como pudemos entender, não teve essas fissuras apenas com o Podemos. Tentou ser alguém responsável na Frelimo, não conseguiu e saiu; esteve no MDM, não conseguiu e saiu; Na Renamo, foi aquilo a que todos nós assistimos, ataques frontais a quem está a liderar, e desaguou onde desaguou. Quando saiu da CAD, já não falava com a direcção da CAD. Depois juntouse a nós. Quer dizer, se nós conseguíssemos domesticálo seríamos astros, não é (risos)? Portanto, esta trajectória fala por si. É uma que tem as características que tem. Mas, prontos, nós tínhamos dois objectivos fundamentais. Primeiro, lembro-me que quando fiz o acordo com o Venâncio, eu  disse aos meus colegas que queria controlar da campanha até à votação. Esse era um momento crucial. Se depois conseguíssemos manter a nossa vida com o Venâncio, nos cinco anos que se seguiriam, isso ia depender de outras coisas. Não faltaram pessoas que me criticaram. Mas, estrategicamente, a ideia inicial era assinar o acordo, gerir a campanha até a votação e ver no que isso ajudaria o Podemos. E o que eu estava a imaginar, aconteceu: a ruptura, mas também os resultados que esperava que se dessem com essa colaboração foram alcançados. Poderíamos ter até uma bancada muito maior ou ter até ganhado as eleições.  

D&F: Mas o Podemos acredita que ganhou as eleições ou essa opinião é apenas de Venâncio Mondlane? 

AF: Eu acredito que vencemos as eleições, sim. Acredito, sobretudo, porque tanta recusa da transparência visava, de facto, esconder alguma coisa. Mas, prontos, oficialmente, os resultados que temos são aqueles, e estamos aí.   

D&F: O director do CDD acusou o presidente do Podemos de vender a verdade eleitoral em troca de mais de 200 milhões de meticais. Isso deu azo a um processo que seria depois arquivado pelo Ministério Público, devido à falta de evidências. Adriano Nuvunga terá se retratado depois do arquivamento?

AF: Não, o Nuvunga nunca se aproximou de mim com esse propósito, nunca sequer falou comigo, também nunca o procurei. Fiquei igualmente curioso por saber que ele fez tamanha acusação. Quando Venâncio chegou ao País [depois de várias semanas em parte incerta], o Lutero Simango, Muchanga e o Saimone Macuiana, este último em representação de Ossufo Momade, fomos encontrá-lo no hotel em que se hospedava para contar tudo que estava a acontecer. Inclusive, falamos sobre ele nos ter impedido de realizar este encontro lá onde ele estava [parte incerta]. À saída, ele pede para que eu fique na sala para conversarmos sobre nossas coisas, porque o ambiente já não estava bom entre nós e queria uma reconciliação.  Concordei com isso também, nesse dia já circulava, nas redes sociais, que eu tinha recebido 219 milhões de meticais para vender a verdade eleitoral. Foi o Venâncio quem me contou que quem propalou a informação foi o Nuvunga, através da página dele. No dia seguinte, já aparece o próprio Nuvunga junto aos órgãos de comunicação social, sobretudo a televisão, a dizer que tinha evidências de que, de facto, o Forquilha recebeu 219 milhões de meticais. Foi aí que eu fiquei mais interessado em querer, de facto, ver a fundamentação disso. Fui presidente da liga das ONG de Moçambique e Nuvunga trabalhou connosco. Conheço-o também como um professor e também como defensor dos direitos humanos. Não me passou pela cabeça que ele não soubesse que acusar uma pessoa de forma infundada é violar os direitos humanos. Como responsável, como defensor dos direitos humanos, devia muito bem saber que acusar gratuitamente alguém é ofender ou é violar os direitos humanos dessa pessoa. Então, por eu saber que ele devia saber disso, fiquei mais curioso que ele apresentasse as provas que ele tinha. Por isso tivemos que meter uma queixa contra ele, como forma de pressioná-lo a apresentar evidências. Ele foi chamado e disse que recebeu a tal evidência através do WhatsApp e não conseguiu conservar, mas no vídeo que tivemos, e que foi entregue à PGR, ele disse que tinha evidências.

“Adriano Nuvunga mentiu”

D&F: Então, está a dizer que ele mentiu?  

AF: Foi mentira, foi calúnia, uma movimentação política. Está ligado a esses grupos todos que estavam contra o Forquilha. Depois daquele momento, houve muitos problemas contra a minha vida, contra a minha família, o meu partido e muita coisa aconteceu. A minha casa foi atacada duas vezes, eu poderia ter sido morto já há algum tempo. Não podemos brincar com essas coisas. Por isso nós estamos aqui para que, de facto, a Justiça faça o trabalho. O Nuvunga tem que provar, não vamos deixar isso de qualquer maneira. 

D&F: Vamos olhar para os primeiros 100 dias de governação do presidente Chapo. Qua é a sua avaliação?  

AF: Os 100 dias foram um plano nacional e o Presidente tem uma linha muito clara dos pontos sobre os quais a actividade dos 100 dias se concentrou. Reparando no que foi planificado e naquilo que foi cumprido, inclusive para a prestação de contas que ele fez, parece que o plano foi executado em mais de 90%. Mas nós nunca tivemos uma capacidade clara de ir aferir, efectivamente, o que foi planificado e o que foi implementado in loco.

D&F: Mas o Podemos, na sua qualidade de líder da oposição, não devia ter essa capacidade de fiscalizar no terreno?  

AF: Poderia ter, sim. Teríamos de colocar nossos homens em cada província, mas, fazendo isso, estaríamos a deixar as nossas actividades. Teríamos que perseguir cada ministro para saber o que fez, e isso é muito difícil, até para os jornalistas. Agora, a outra vertente é que o plano de 100 dias não prevê, de facto, resolver todos os problemas que Moçambicano tem. É aquilo que eu sempre disse: se nós repararmos no que foi feito num ano, e depois olharmos para trás e vermos que ainda existem vários outros problemas, podemos ter a impressão de que o plano não serviu, mas porque há muitos problemas que não podem ser resolvidos em apenas um ano. Alguém que queira valorizar ou desvalorizar, tem que pegar o plano aprovado e ir ao terreno ver se aquilo foi executado ou não.  

D&F: Em bom rigor, está a dizer que a única entidade com capacidade para avaliar esse plano é o próprio Governo, e ninguém mais?  

AF: Não devia ser assim, mas é.  

D&F: Vamos falar um pouco do diálogo em curso. A minha pergunta é se acredita que este diálogo pode conduzir o País para eleições realmente justas, livres e transparentes, ao contrário dos diálogos havidos no passado com Dhlakama e Ossufo Momade?  

AF: Eu tenho muita fé neste diálogo e por razões explicáveis. O diálogo é resultado de uma convulsão social muito forte, jamais vista no País. Isto está a acontecer na viragem para os próximos 50 anos. Não é apenas uma vontade do Governo, e não é até uma caminhada que se possa equiparar com aquela da luta entre o socialismo e o imperialismo, como é o caso das investidas da Renamo, por exemplo. Esta é uma situação em que a própria Frelimo consegue perceber que o povo saturou. Eles conseguem ver que se não aproveitarem este momento para fazer uma viragem, ainda que os custe caro, poderão ter que sair da sua posição de forma forçada. A convulsão que houve deixou lições muito claras. É por isso que quando notamos que a convulsão subiu de tal forma que não se esperava, e o Governo percebeu que a capacidade que tinha de conter não existia, chamou-nos ao diálogo. E nós, por termos percebido que tínhamos puxado a corda e os resultados já haviam sido divulgados, continuando com a pressão como Venâncio queria, só iríamos perder vidas e infra-estruturas sem mudar o status quo. Aderimos ao diálogo por perceber que, mesmo se tivéssemos ganho as eleições, os primeiros cinco anos seriam de reformas do Estado. Eu ganhei, mas estou na esteira das leis anteriores, e o meu manifesto tem de entrar em vigor, tem de me colocar, efectivamente, a mudar as coisas. Através deste diálogo, sabíamos que teríamos um campo para estas reformas. Foi-nos incumbida a missão de elaborar os termos de referência. Nós entregámos ao chefe do Estado. Não foi fácil, mas esse  foi o primeiro diálogo multipartidário, o primeiro que toca todos os aspectos transversais de governação. É um campo muito vasto. Portanto, se nós pudermos aproveitar claramente isso, tendo em conta a colaboração que existe até hoje, acredito que é uma oportunidade muito grande de vermos as coisas a mudarem. Os aspectos fundamentais que sempre chocaram o povo moçambicano, tem muito a ver com a justeza dos processos eleitorais, e nós temos agora mão cheia para alterar completamente, na direcção que desejamos, para que a Lei Eleitoral seja uma reforma completa e deixe de ter instituições que só favorecem algum partido. Temos capacidade para fazer isso e para fazer com que hoje, decorram as  eleições e em 5 ou 12 horas depois tenhamos os resultados finais. Eu faço parte da Comissão que estuda descentralização e, há bocado, alguns colegas foram para o Brasil, Índia, Portugal e Quénia. Uma das coisas que tínhamos em vista era exactamente observar como é que eles realizam o processo eleitoral. É quase um consenso que haverá reformas profundas neste processo. E depois, há um conjunto de aspectos, como o caso de justeza política, económica, e outros que vão depender muito de nós, moçambicanos. Por exemplo, dizemos que os três poderes devem ser interdependentes, mas nós notamos que temos apenas um poder em Moçambique, o Executivo, que dá ordens aos outros. Como é que nós vamos fazer com que os três poderes de facto funcionem? Precisamos de mecanismos que viabilizem a descentralização e vamos poder operacionalizar, bem como outros aspectos. Por exemplo, o sistema de governação em Moçambique, que hoje é presidencialista, se calhar não esteja a servir, porque não permite muito o funcionamento correcto dos próprios poderes. É verdade que, tendo em conta a experiência que mencionou de outros diálogos que, aparentemente, para alguns falharam, devemos evitar que alguns aspectos que aconteceram no passado não voltem a acontecer. Não acredito que o diálogo  com Dhlakama tenha falhado 100%, há muitas coisas boas de que beneficiamos hoje advindas da luta dele.

“Não creio que Venâncio seja o mais importante neste País”  

D&F: Considera concebível a exclusão, do diálogo, de um candidato que foi o segundo mais votado nas eleições gerais presidenciais, e a inclusão de partidos praticamente sem expressão nenhuma?  

AF: Eu considero, sim. Este diálogo é nacional e inclusivo pela maneira que estruturamos este processo. Nós os partidos políticos, signatários do acordo, não somos os dialogadores ou dialogantes, não estamos a discutir as matérias. Nós estamos apenas a criar condições para que o povo dialogue. Se fomos criar condições para que o povo dialogue, então quem está excluído? Ninguém está excluído. Eu não creio que a figura do Venâncio tenha sido excluída ou a mais importante neste país. Há muitos outros silenciosos e que podem contribuir melhor  que ele neste diálogo. Mas também devo dizer que o próprio Venâncio deve não ter colaborado muito para que, de facto, pudesse sentar à mesa.  

D&F: Porquê?

AF: Digo isso porque não passava dias que não conversávamos, estando em Moçambique ou fora. Lembro que foi um processo muito sério para fazer com que Venâncio entendesse que era importante dialogar. Para convencê-lo a mandar aqueles termos de referência, foi preciso quase uma hora e meia a conversar. Dei até exemplos do passado. Quando começou a guerra da Renamo, havia pessoas em Moçambique que diziam “olha, Samora Machel, procure dialogar com a Renamo”, e Samora sempre dizia “não posso dialogar com a Renamo, porque não falo com bandidos armados”. 14 Anos depois, a Frelimo entendeu que devia dialogar para fazer parar a guerra, e quando foram sentar à mesa encontraram o mesmo bandido de há 14 anos. Portanto, eram essas lições que procurava transmitir a Venâncio. Eu disse-lhe: “olha, você fez uma luta muito grande, eu fiz uma luta grande, o povo fez uma luta muito grande, e chegamos onde chegamos hoje. Não ganhamos as eleições, mas nos chamam para dialogar. Despertamos uma consciência muito grande dentro do País, então vamos ao diálogo! Porque você não tem certeza que, nos moldes que você está a lutar, a tal verdade eleitoral que quer neste momento, vai aparecer. Muita gente vai morrer e depois de tanta gente morrer, é que você vai sentar à mesa”. Terá ganho o quê? E quase que ele ia resistindo; dizia que assim vão pensar que somos mendigos…Foi quando decidimos tomar caminhos diferentes. Foi assim que as coisas começaram. Mas depois de tudo o que fizemos, parece que todos já estão a perceber que era o caminho mais correcto.  

D&F: Há mais de um mês, escrevemos que o presidente do Podemos ainda não estava a usufruir dos benefícios inerentes ao estatuto de líder da oposição. Esse problema já está resolvido? 

AF: Ainda não. Ainda não tenho nenhum estatuto. Não recebi nem a casa, nem o gabinete, continuo Forquilha como sempre fui, mas não quer dizer que isto esteja ignorado. Tenho informação do Estado de que as coisas estão a ser feitas. Portanto, tenho fé de que a qualquer altura terei os direitos.  

D&F: Últimas considerações

AF: Prometemos aos moçambicanos corresponder a confiança que nos deram. E, cuidem-se que podemos governar o País daqui a alguns anos.

Gostou? Partihe!

Facebook
Twitter
Linkdin
Pinterest
Search

Sobre nós

O Jornal Dossiers & Factos é um semanário que aborda, com rigor e responsabilidade, temáticas ligadas à Política, Economia, Sociedade, Desporto, Cultura, entre outras. Com 10 anos de existência, Dossiers & Factos conquistou o seu lugar no topo das melhores publicações do país, o que é atestado pela sua crescente legião de leitores.

Notícias Recentes

Edital

A mostrar 1–2 de 8 resultados

Siga-nos

Fale Connosco