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NA AUTARQUIA DE BOANE: Munícipes transformam mercados em “elefantes brancos”

– “O cliente já não vai ao encontro do produto, o produto vai ao encontro do cliente”

Capim, lixo espalhado, bancas vazias e um silêncio incomum marcam hoje os mercados municipais de Boane, na província de Maputo. Planeados para acolher centenas de comerciantes e combater a desorganização do comércio informal, os mercados da Vila, do Terminal Rodoviário e de Campoane estão, na prática, votados ao abandono. Enquanto isso, os passeios, bermas de estrada e até avenidas da vila transformaram-se em verdadeiros centros comerciais paralelos, onde produtos são vendidos sobre sacos, em plena via pública, sem condições básicas nem ordenamento.

Texto: Milton Zunguze

Durante a visita aos três principais mercados municipais, a equipa do Dossier Económico encontrou estruturas quase vazias, com corredores tomados por vegetação e lixo acumulado nos cantos. A ausência de clientes e de comerciantes forma um contraste gritante com o ambiente agitado do lado de fora: nas bermas das estradas, vendedores informais disputam espaço com os peões, vendendo frutas, legumes, roupas e outros bens em condições precárias.

“Já ninguém entra nos mercados. Desde que saímos para os passeios, os clientes habituaram-se e agora compram aqui mesmo”, explica uma comerciante, enquanto arruma tomate sobre um plástico estendido no chão, junto à estrada que dá acesso à Vila de Boane.

Campoane: um mercado que virou campo de jogos infantis

Inaugurado em Setembro de 2023 pelo então presidente do município, Jacinto Loureiro, o mercado de Campoane foi concebido para dar resposta ao crescimento da actividade comercial e reduzir a desordem nas vias públicas. Contudo, menos de um ano depois, a realidade é de total abandono. Com um investimento que custou milhões ao erário público, o espaço virou campo de brincadeiras para crianças e depósito de lixo e mato.

O município previa arrecadar cerca de 55 mil meticais mensais com taxas de uso — calculadas com base em 183 bancas a 10 meticais por dia — mas essa receita nunca chegou a concretizarse. As bancas estão às moscas.

Cecília Mabjaia, que vende hortaliças há quatro meses na berma do mercado, diz nunca ter entrado no espaço. “Encontrei tudo assim. Dizem que antes havia movimento lá dentro, mas agora está tudo vazio. Tenho vontade de entrar, mas fico com medo de não vender, porque todos os outros estão aqui fora.”

Esse receio é partilhado por outros vendedores, numa lógica de “ninguém entra porque ninguém entra”. Para muitos, o risco de ficar isolado no interior dos mercados e perder clientela faz com que continuem nas ruas.

Esperança Langa, vendedora de frutas, acredita que o problema é colectivo e só se resolverá com acção firme da edilidade. “Se todos fôssemos obrigados a entrar, talvez os clientes começassem a comprar lá dentro. Mas, como uns ficam cá fora, os outros não arriscam. Quem está dentro só soma prejuízos. Os produtos estragam-se”, lamenta.

Além disso, Esperança destaca outro desafio: “As bancas não são suficientes, mas com boa organização daríamos volta. O problema é que prometeram fiscalizar diariamente e só vieram uma vez, por menos de uma hora.”

Terminal de Boane: 9.8 milhões de meticais sem retorno

O segundo destino da reportagem foi o mercado anexo ao Terminal Rodoviário de Boane. Avaliada em 9.8 milhões de meticais, a infra-estrutura foi inaugurada em Janeiro de 2024, também por Jacinto Loureiro. O espaço deveria funcionar como ponto de convergência entre passageiros e comerciantes, com potencial para gerar cerca de 38 mil meticais mensais. Hoje, no entanto, está quase deserto.

Parte de um pacote de investimentos que totalizou 25.1 milhões de meticais — incluindo a construção do terminal, muro de vedação, casas de banho públicas e arruamentos — o mercado está tomado pelo mato e pelo silêncio.

“A ideia era juntar o fluxo de passageiros ao comércio local. Mas não funcionou”, conta um funcionário do terminal, que prefere não ser identificado.

Na rua, o cenário é outro. Num cruzamento movimentado entre a EN2 e a via que liga zonas como Belo Horizonte, Massaca, Goba e PSK, vendedores informais ocupam todos os cantos. Uma vendedora de tomates, cercada de concorrência apertada, reage à nossa pergunta com outra pergunta: “Viu alguma movimentação de pessoas lá dentro? Até o terminal não funciona bem. Quem vai entrar lá para comprar? Não faz sentido.”

A vendedora resume o dilema: se os mercados estão afastados do fluxo diário das pessoas, se não oferecem vantagens reais e se ninguém fiscaliza os que permanecem nos passeios, então o comércio informal continuará a prosperar. “Hoje em dia, o produto é que vai ao encontro do cliente”, diz.

Vila de Boane: até o mercado mais antigo está ao abandono

O mais antigo dos mercados municipais, situado na própria vila, também enfrenta o mesmo destino. Com cerca de 200 bancas, a maioria encontra se vazia ou em desuso. Outrora um ponto de referência comercial, o mercado perdeu vitalidade diante da ascensão do comércio informal nas vias públicas.

Edilidade admite fracasso, mas promete recuperar os mercados

Confrontada com o cenário, a vereadora dos Mercados e Feiras, Carolina Sitoe, reconheceu o abandono das infra-estruturas, mas assegura que estão em curso actividades de sensibilização, em particular no mercado de Umpala.

“Sempre estivemos próximos dos vendedores através de campanhas de sensibilização”, afirmou Sitoe, que evitou comprometer-se com prazos concretos. “Já era do conhecimento dos vendedores que, mais cedo ou mais tarde, trabalharíamos para repor a ordem.”

Apesar dos desafios, a edilidade registou, em Abril, uma arrecadação de cerca de 48 mil meticais, fruto da feira promovida no mercado de Umpala. Sitoe admite, no entanto, que a vereação depende apenas da cobrança de senhas. “Neste momento, só cobramos as senhas dos mercados. Ainda não temos suporte de outras fontes, como bancas móveis ou licenciamento.”

Mesmo assim, a vereadora sublinha que nem tudo está perdido. “O mercado de peixe e a feira de Belo Horizonte são bons exemplos. Há iniciativas que estão a funcionar.”

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