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PONTE SOBRE O RIO MONAPO: Suspensão de obras condena Cabo Delgado ao isolamento

— Especialistas alertam para prejuízos no domínio económico e humanitário

Especialistas em engenharia civil alertam para riscos iminentes na sequência da suspensão das obras de reabilitação da ponte sobre o rio Monapo, na Estrada Nacional Número Um (N1). A decisão, tomada pelo Ministério das Finanças no âmbito da supervisão dos procedimentos de contratação pública, embora legalmente sustentada, poderá comprometer o acesso à província de Cabo Delgado e travar o fluxo de ajuda humanitária a milhares de deslocados, numa região já afectada pelo terrorismo e por desastres naturais.

Texto: Mudumela Macassane

Num comunicado emitido a 6 de Junho, o Ministério das Finanças anunciou a suspensão de vários processos de contratação de empreiteiros para obras públicas, com destaque para estradas em diversas províncias do País. Entre os projectos suspensos encontra-se a intervenção na ponte sobre o rio Monapo (encontro norte), localizada na Estrada Nacional Número Um (N1), no troço Namialo–Rio Lúrio, província de Nampula. A obra foi adjudicada à empresa Moza Construções pelo valor de 563.351.174,96 meticais e, segundo apurámos, já se encontrava em curso.

A decisão foi justificada com a necessidade de supervisão e avaliação da conformidade dos procedimentos de contratação à luz do Decreto n.º 79/2022, de 30 de Dezembro. No entanto, a medida tem suscitado preocupações entre técnicos com conhecimento da matéria, que, embora respeitem a competência do Ministério, consideram que deveriam ter sido ponderadas as especificidades do caso.

“Estas obras são de emergência e cruciais”, alertou uma fonte técnica, acrescentando que, com a suspensão, corre-se o risco de, em caso de chuvas, a estrutura ruir e ser necessário recomeçar do zero. Embora fora do período chuvoso, a fonte advertiu que, com o agravamento das mudanças climáticas — das quais Moçambique é um dos principais afectados —, a precipitação pode ocorrer fora dos padrões sazonais habituais.  

Suspensão pode agravar crise em Cabo Delgado

O mesmo especialista alertou para as potenciais consequências da impossibilidade de aceder à província de Cabo Delgado, sublinhando que os prejuízos não se limitarão ao plano económico, sendo ainda mais graves no plano humanitário.

Recordou que o terrorismo que assola a província tem gerado milhares de deslocados que continuam a necessitar de assistência, a par das vítimas dos desastres naturais, como o ciclone Chido, que em Dezembro de 2024 afectou diversos distritos, destruindo parcial ou totalmente mais de 70 mil habitações e impactando a vida de mais de 400 mil pessoas.

A maioria dessas populações, segundo a mesma fonte, continua dependente do apoio do Estado e de organizações humanitárias para sobreviver, pelo que a paralisação das obras e a consequente intransitabilidade da via poderão cortar o fluxo da ajuda.

Situação tecnicamente complexa

De acordo com informações em nosso poder, o troço da N1 que liga Nampula a Pemba registou quatro pontos de interrupção. O primeiro corte ocorreu no posto de controlo de Anchilo; o segundo, no encontro sul da ponte sobre o rio Monapo, em Namialo; o terceiro, no encontro norte da mesma ponte; e o quarto, nos encontros da ponte sobre o rio Mecubúri, agravando ainda mais a circulação naquela região.

Perante a impossibilidade de acesso pelo sul, as autoridades adoptaram uma estratégia de reparação faseada: um primeiro empreiteiro, mobilizado a partir de Cabo Delgado, ficou encarregado da intervenção no ponto quatro (rio Mecubúri), permitindo a deslocação de outro empreiteiro para o encontro norte da ponte sobre o rio Monapo (ponto três). Em paralelo, um terceiro empreiteiro, com estaleiro em Namialo, assumiu os trabalhos no encontro sul da mesma ponte (ponto dois), enquanto um quarto se ocupava do corte em Anchilo (ponto um). Segundo informações obtidas pelo Dossiers & Factos, as obras já decorriam, encontrando-se o troço de Anchilo em fase final de revestimento.

Contudo, a situação permanece crítica, e para garantir a transitabilidade, foi construído um desvio provisório sobre o leito do rio, o qual deverá manterse até à conclusão das obras, o que deverá demorar mais tempo devido à recente medida do Ministério das Finanças.

Segundo alertam as nossas fontes, o desvio — já de si precário — poderá tornar-se ainda mais perigoso com o aumento do tráfego ou em caso de acidentes. Em tom de apelo, uma outra fonte directamente envolvida no processo sublinha a urgência da situação.

“É uma questão moral compreender que emergências exigem acção imediata, como num hospital”, exemplificou

Acidente obriga Governo a recuar em decisão polémica

Entretanto, um acidente ocorrido no troço sobre o rio Monapo, entre sexta-feira e sábado, obrigou o Governo a rever a suspensão dos contratos de manutenção rodoviária, decisão anteriormente imposta pelo Ministério das Finanças. Segundo apurou Dossiers & Factos, o sinistro envolveu um camião de grande porte (cavalo mecânico), que capotou, bloqueando completamente a estrada. A tentativa de resolução imediata foi travada por entraves administrativos: a Administração Nacional de Estradas (ANE) foi chamada para proceder à remoção do veículo, mas recusou, alegando não ter meios operacionais disponíveis devido à suspensão de contratos ordenada pelo Ministério das Finanças.

Sem alternativas formais, foi necessário o envolvimento directo do governador da província de Nampula, Eduardo Abdula, que sensibilizou um empreiteiro local para que este removesse o camião a título excepcional. Só assim foi possível restabelecer a circulação na via.

Face ao impasse e à pressão gerada pelo incidente, o Ministério das Finanças acabou por recuar. Dossiers & Factos apurou que, às 8 horas desta segunda-feira, 9 de Junho, deu entrada na Delegação Provincial da ANE em Nampula um ofício oficial comunicando o levantamento da suspensão dos processos de contratação do empreiteiro responsável pela manutenção do troço sobre o rio Monapo.

Note-se que o referido ofício foi redigido durante o fim-de-semana, o que pode indicar que o Executivo reconhece ter agido de forma precipitada ao ordenar a paralisação dos contratos sem acautelar os impactos práticos da medida.

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