O litígio entre o Governo moçambicano e a petrolífera portuguesa Galp, na sequência da venda de 10% da participação no consórcio de gás da Área 4 da Bacia do Rovuma à Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), está a gerar inquietações no meio económico, havendo receios de que, caso se prolongue, venha a manchar a reputação do País. Em causa está a forma de cálculo do imposto sobre as mais-valias resultantes da transacção, avaliada em 1.050 milhões de dólares.
Texto: Amad Canda
O Estado moçambicano entende que deve arrecadar cerca de 300 milhões de dólares em impostos, com base numa fórmula simples: subtrair ao valor da venda o capital social da subsidiária moçambicana da Galp, que ronda os 239 mil dólares. Já a Galp defende que esse cálculo não deve ignorar os mais de 1.020 milhões de dólares que investiu no projecto — incluindo suprimentos e outros financiamentos —, o que reduziria as mais-valias tributáveis para apenas 30 milhões, e o imposto correspondente para cerca de oito milhões.
Dossier Económico ouviu o economista Clésio Foia, que começa por sublinhar que a tributação de mais-valias em Moçambique está definida pela Lei n.º 13/2017, de 28 de Dezembro, que aprova o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRPC), e regulada por diplomas complementares, como o Decreto n.º 9/2008 e instruções da Autoridade Tributária de Moçambique.
Segundo aquele especialista, o artigo 31 do CIRPC é claro ao definir que as mais-valias correspondem à diferença positiva entre o preço de venda e o valor de aquisição ou de investimento, ajustado por amortizações. “Do ponto de vista económico e jurídico, este imposto deve recair sobre o ganho efectivo obtido pelo vendedor”, afirma.
Clésio Foia considera que excluir os investimentos efectuados e tomar como referência apenas o capital social representa uma distorção dos princípios fiscais. “Ignorar estes investimentos e considerar apenas o capital social como dedução vai contra o princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 103 da Constituição da República de Moçambique”, diz, sublinhando que a Constituição exige que os impostos incidam sobre rendimentos reais, não sobre montantes fictícios ou irrealistas.
Além disso, o economista recorda que as normas internacionais de contabilidade, como as IAS 16 e IAS 38, obrigam à inclusão de todos os investimentos no custo de aquisição dos activos. Ou seja, a posição da Galp encontra suporte técnico nos padrões contabilísticos globalmente reconhecidos. Nesse sentido, Foia argumenta que os custos suportados pela Galp no âmbito da sua participação na Área 4 devem ser devidamente auditados para efeitos de apuramento da mais-valia tributável.
Riscos iminentes
Foia reconhece que os 300 milhões de dólares reclamados pelo Estado representam um montante significativo. “Este valor corresponde a cerca de 5% do orçamento anual do país”, lembra, num contexto em que Moçambique enfrenta um défice orçamental superior a 2.000 milhões de dólares e dificuldades de arrecadação fiscal, agravadas pela fraca capacidade produtiva, instabilidade climática e incerteza política. Ainda assim, adverte para os riscos de insistir numa abordagem litigiosa. Se o caso for levado a arbitragem internacional — por exemplo, ao Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID) —, isso poderá comprometer a reputação de Moçambique enquanto destino de investimento. “A indústria de Oil & Gas depende substancialmente de factores como segurança jurídica e previsibilidade fiscal”, assinala.
O economista lembra que a Galp mantém um papel activo no mercado de combustíveis em Moçambique, o que abre margem para uma saída negociada. “A Galp continua a desempenhar um papel relevante no mercado de combustíveis de Moçambique, o que oferece margem para negociações diplomáticas e soluções técnicas.”
Clésio Foia defende, por isso, uma abordagem pragmática e equilibrada, que inclua uma auditoria rigorosa aos investimentos efectuados, aplicação transparente da legislação vigente e respeito pelas normas internacionais de contabilidade. “Considero essencial que haja uma abordagem equilibrada, assente numa auditoria rigorosa dos investimentos efectivos realizados pela Galp, aplicação transparente do artigo 31 do CIRPC, respeito pelas normas internacionais de contabilidade e, sobretudo, um diálogo construtivo que evite litígios prolongados, potencialmente prejudiciais para o país”, conclui.
No entender do economista, o essencial é preservar a confiança dos investidores e garantir que Moçambique continue a ser um destino competitivo para investimentos estratégicos. “A segurança jurídica e a confiança dos investidores são fundamentais para consolidar a estratégia energética e de industrialização de Moçambique”, remata