Matlombe irrita-se e manda trocar examinadores do INATRO, I.P por agentes da PT
A saga de extorsões nos exames de condução está a ganhar contornos alarmantes e, recentemente, atingiu uma familiar do próprio ministro dos Transportes e Logística, João Matlombe. E, em reacção, o governante decidiu, segundo nossas fontes, mandar substituir os examinadores do Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários (INATRO) por agentes da Polícia de Trânsito — uma decisão que está a ser contestada por entendidos na matéria, em virtude de violar de forma flagrante o Regulamento de Exames de Condução, definido pelo Diploma Ministerial n.º 127/2007. Instado a reagir a este e outros assuntos que têm abalado a credibilidade da instituição, o Presidente do Conselho de Administração (PCA) do INATRO recusou conceder entrevista presencial e respondeu à carta do Dossiers & Factos com 14 dias de atraso, impondo que as perguntas fossem enviadas por escrito e que se aguardassem respostas.
Texto: Serôdio Towo
A medida atribuída ao ministro, que já está a ser implementada, tal como testemunhou Dossiers & Factos, há semanas, nas cidades de Maputo e Matola, é vista como uma violação do regulamento, para além de ser uma solução paliativa. Fontes ligadas ao INATRO, I.P., não poupam palavras e afirmam que esta decisão supostamente do ministro não vai resolver o problema da corrupção nos exames práticos. No entender das mesmas fontes — que, inclusive, mais adiante avançam com uma provável solução técnica —, o problema deve ser tratado com a necessária seriedade.
“Este é um mal que os examinadores envolvidos praticam impunemente porque gozam de protecção de alguns funcionários seniores”, apontam as fontes, referindo-se a alguns directores.
Trocar apenas examinadores não é solução
Das conversas mantidas com vários intervenientes, concluiu-se igualmente que, enquanto o instrutor continuar a controlar os formandos nas escolas e, ao mesmo tempo, as sumir o papel de angariador, o esquema de corrupção persistirá, tornando a medida alegadamente adoptada pelo Ministério “eficaz” apenas por um curto período.
Neste contexto, e no entender das fontes, a solução deve advir da raiz — ou seja, da base —, o que passaria também pela substituição de todos os instrutores, pois são os “motores” desta prática criminosa nos exames práticos.
Propostas para solução deste mal
Como sugestão, nossas fontes defendem que a solução para esta questão passa pelo Estado, ou Governo, intervir seriamente em políticas e meios, investindo na criação e instalação de centros de exames práticos, capazes de reduzir a influência ou o poder do examinador na decisão sobre o resultado do exame.
Os centros de exame são, basicamente, espaços com um ambiente rodoviário adequado, preparados para a realização de exames práticos de condução e equipados de modo que o exame do instruendo possa ser controlado por um sistema informatizado, acoplado ao veículo de exame, bem como às vias do centro de exames, que acompanha a prova e avalia o examinando.
Mas, afinal, como funciona o esquema de corrupção nos exames práticos?
Durante várias semanas, Dossiers & Factos esteve atento à forma como funciona o esquema de corrupção e extorsão no processo dos exames práticos de condução e descobriu que as cobranças são feitas ao nível das escolas e, principalmente, por instrutores, que são os grandes protagonistas destas práticas — havendo casos não consideráveis de outros tipos de actores, como intermediários.
Regra geral, o formando só entra em contacto com o examinador no momento do exame e não lhe entrega o suborno directamente. Isto significa que, ao longo da formação e à medida que se aproxima a data da prova de exame, o aluno é manietado, «cozinhado» e preparado psicologicamente pelo instrutor para pagar — sob ameaça de que, se não o fizer, é quase certo que o examinador o reprovará.
Outro dado apurado pela nossa reportagem é que o aluno que se mostrar renitente em pagar vê o seu exame prático adiado indefinidamente, já que é o instrutor quem decide se o instruendo está ou não apto para se submeter à prova final.
Precisamente, este é o poder que o instrutor exerce sobre os alunos. Numa outra leitura deste labirinto de extorsão, pode admitir-se que a maior fatia do ‘bolo’ da corrupção possa, afinal, ficar nas mãos dos instrutores, enquanto os examinadores lucram pela via da acumulação.
O apadrinhamento da corrupção nos exames
Do trabalho realizado pelo Dossiers & Factos, ao longo de várias semanas, depreende-se, infelizmente, que há casos em que a corrupção parece contar com o compadrio e o apadrinhamento de alguns dirigentes do INATRO, I.P., cujas identidades, por razões óbvias, optamos por não revelar.
Trata-se de dirigentes que deviam ser implacáveis no combate a este mal que, importa sublinhar, é antigo, remontando à época da única escola de condução pertencente ao Estado, a Escola de Condução de Maputo. Há, no entanto, apenas uma diferença – naquela altura, a corrupção ainda não tinha sido “oficializada”.
Segundo as nossas fontes, hoje são raras as pessoas que podem afirmar ter obtido a carta de condução sem pagamentos ilícitos — desde deputados e até ministros, passando pelos seus filhos, até aos próprios agentes da Polícia de Trânsito que, apesar de não reunirem os requisitos para tal, terão sido encarregues pelo Ministério dos Transportes e Logística de actuar como examinadores.
Alguns dados que ajudam a perceber o apadrinhamento da corrupção
Na cidade da Matola, por exemplo, que conta com cerca de 50 escolas de condução, houve um período em que apenas dois examinadores estavam no activo. Por razões de ética, optamos por abreviar os seus nomes ou apelidos sendo que, a letra (B = Ba… e T = To…), sendo que um deles é irmão de um dos directores centrais do INATRO.
Segundo as nossas fontes, é incompreensível que uma instituição — ou, mais precisamente, uma delegação provincial como a da Matola — funcione nestes moldes sem que haja qualquer intervenção da liderança de topo.
Situação também grave na cidade de Maputo
A situação repete-se na cidade de Maputo, com contornos relativamente mais graves. É que dados apurados pela nossa reportagem revelam que, na capital do País, existem aproximadamente 60 escolas, mas apenas três examinadores exercem regularmente esta função. Tratase de (A=An… Co…, S=Ge… Si… e S=Sa… Ch…).
Importa referir que, segundo o levantamento efectuado pela nossa reportagem junto de fontes das escolas de condução da cidade, são examinados, no mínimo, 150 alunos por dia. Perante estes números, impõe-se a pergunta: estes examinadores conseguem realizar o seu trabalho com a qualidade e exigências necessárias?
Aliás, pelo que Dossiers & Factos apurou, o sistema através do qual se elaboram os júris de exame permite a formação de um júri de 15 examinandos por dia, para cada examinador. Olhando para esta norma, como é que três examinadores conseguem examinar 150 examinandos, se três júris de 15 examinandos totalizam apenas 45 candidatos? De acordo com as fontes, este pode ser um dos indícios, por exemplo, da existência de prováveis exames que acontecem sem sequer terem passado pela marcação no sistema.
Ainda com base nestes números que claramente excedem os limites da razoabilidade, surge outra questão: quanto tempo dura, afinal, o exame de cada um destes 150 candidatos, quando avaliados por apenas três examinadores?
Ademais, desta questão decorrem outras, que remetem para o papel do controlo, cuja responsabilidade deveria, à partida, caber à Direcção da Divisão de Serviços de Viação. Aliás, tendo em conta que, conforme referido acima, existem apenas três examinadores em actividade, importa saber: terá esta Direcção já comunicado ao Conselho de Administração a escassez de examinadores na cidade de Maputo? Estará o Conselho de Administração ciente de que, na cidade de Maputo, apenas três examinadores estão em actividade? Terá a Delegação da cidade de Maputo já solicitado o reforço do quadro? E será que, além destes três, não existem outros examinadores qualificados disponíveis?
Estas e outras questões, incluindo as que se prendem com a gestão da instituição, ficaram sem resposta por parte do PCA do INATRO, que optou por não receber presencialmente os jornalistas deste órgão. Em vez disso, impôs que as perguntas fossem enviadas exclusivamente por escrito — uma prática que inviabiliza a possibilidade de insistência e melhor esclarecimento para o jornalista.
Ministro nega ter ordenado a substituição dos examinadores
Ao contrário do PCA do INATRO, o ministro dos Transportes e Logística, João Matlombe, aceitou responder às perguntas do Dossiers & Factos com flexibilidade e sem veleidades burocráticas. Matlombe recusou que seja sua familiar a figura referida no lead desta reportagem, reconhecendo, no entanto, tratar-se de “filha de um conhecido próximo” que denunciou o caso junto a si.
Prosseguindo, o governante fez saber que, já antes desse caso específico, vinha recebendo vários outros casos de extorsão, alguns dos quais envolvendo personalidades, o que o levou a criar, segundo afirmou, uma equipa de inspecção para as necessárias averiguações.
Contrariando nossas fontes, Matlombe negou que tenha ordenado a substituição de examinadores do INATRO pela PT. Mas, perante nossa insistência, o ministro disse que o PCA do INATRO não tem competências para tomar este tipo de decisão até porque, tal como justificou, os agentes da PT pertencem a um outro ministério [o do Interior], pelo que seria necessário, antes de mais, o contacto entre os dois ministros. Assim, caso se comprove que houve troca de examinadores do INATRO por agentes da Polícia de Trânsito, Matlombe, promete tomar medidas.
O titular do pelouro dos Transportes e Logística assegurou ainda que, no final do trabalho da equipa de inspecção, serão tomadas medidas cabíveis e dentro da legalidade. Dossiers & Factos aguarda ansiosamente pela decisão do ministro, pois é um facto que examinadores do INATRO foram afastados e para o seu lugar, colocados agentes da PT.