“Não vamos aceitar renovar nas mesmas condições”
Governo terá um Inspector-Geral do Estado na Presidência
O Presidente da República, Daniel Chapo, anunciou, há dias, que Moçambique está a mudar a sua abordagem nas negociações com grandes multinacionais, afirmando, de forma categórica, que o Governo não aceitará renovar concessões nas mesmas condições do passado. Esta nova postura marca uma ruptura com práticas anteriores e visa garantir maiores benefícios para o País, num contexto em que os recursos naturais continuam a ser a espinha dorsal da economia nacional.
Texto: Serôdio Towo
“Temos contratos assinados há 20, 30 anos, como o da TRAC, de 1997, que termina em 2027. Estamos a trabalhar com antecedência, porque esses contratos têm cláusulas de renovação. Mas não aceitaremos renovar nas mesmas condições”, assegurou o Chefe de Estado, num encontro com a comunicação social, por ocasião dos 50 anos da Independência Nacional.
Como exemplo dessa nova orientação, Chapo destacou os contratos dos projectos de exploração de gás natural Coral Sul (em operações há dois anos) e Coral Norte (em fase de desenvolvimento), dois empreendimentos de exploração de gás natural na Bacia do Rovuma. “Aquilo que nós prometemos, que íamos fazer diferente, prometendo resultados diferentes, está lá. Peguem o contrato do Coral Sul, comparem com o do Coral Norte”, desafiou, apontando que o novo contrato reflecte melhores ganhos para o Estado moçambicano.
Ainda no campo dos hidrocarbonetos, Chapo abordou a situação da TotalEnergies, líder do Consórcio que explora a Área 1 da Bacia do Rovuma, que entretanto suspendeu os trabalhos em 2021, por razões de segurança. O Presidente explicou que o foco do Governo está agora no levantamento da cláusula de força maior, invocada pela petrolífera francesa depois do famoso ataque à vila de Palma em Março de 2021.“Quem invocou a força maior foi a Total. Cabe-lhes levantar essa cláusula”, disse, sublinhando que o financiamento para a retoma do projecto “está praticamente assegurado” e que o Executivo continua a trabalhar para criar condições de estabilidade no terreno.
Para breve um Inspector-Geral do Estado
No plano meramente interno, Chapo defendeu que Moçambique entrou numa nova etapa da sua trajectória – a luta pela independência económica, o que exige reformas profundas nas instituições e uma revisão de práticas que têm travado o progresso. Entre as reformas propostas, destaca-se a criação da figura do Inspector-Geral do Estado, uma nova entidade sob tutela directa da Presidência da República, que terá a missão de coordenar e harmonizar as diversas inspecções do aparelho estatal. A proposta visa, segundo Chapo, combater males como a corrupção, o nepotismo e o amiguismo, que corroem o funcionamento da função pública.“Estamos a trabalhar na criação da figura da inspecção ao nível da Presidência, onde vamos ter um Inspector-Geral do Estado, com o objectivo de cavar tudo aquilo que cria barreiras para o desenvolvimento de Moçambique”, declarou Chapo. O Chefe de Estado sublinhou ainda a necessidade de recuperar valores morais, éticos e de civismo patriótico, e formar servidores públicos comprometidos com os ideais do Estado.
Ambiente de negócios e diversificação económica
Apesar dos avanços legislativos no âmbito do Pacote de Aceleração Económica (PAE), Chapo reconheceu que a economia nacional continua excessivamente dependente da indústria extractiva, que representou cerca de 50% do PIB em 2022 e poderá atingir 70% do crescimento do PIB em 2025, sobretudo devido ao sector energético. Ao ser questionado sobre estratégias para reverter este cenário, o Presidente começou por sublinhar que esta situação de dependência é insustentável, defendendo uma aposta firme na diversificação da base económica, nomeadamente na agricultura, indústria transformadora, infra-estruturas e turismo. “Precisamos de reformar o Estado, sobretudo nos aspectos que criam barreiras ao ambiente de negócios, especialmente no sector privado, para atrair mais investimentos, nacionais e estrangeiros”, afirmou
Dívida pública e racionalização da despesa
Mais adiante, Daniel Chapo abordou a situação das finanças públicas, tendo traçado o quadro de uma gestão mais rigorosa da dívida, tanto interna como externa. “A lógica é simples: com mais receitas e melhor controlo da despesa, teremos recursos suficientes para servir a dívida de forma mais confortável”, explicou. Chapo aproveitou a ocasião para revelar que o Governo por si dirigido já iniciou o pagamento de dívidas internas, como horas extras, subsídios do Instituto Nacional de Acção Social (INAS) e de líderes comunitários, bem como o pagamento da dívida externa. Prosseguindo, comparou o Estado a uma família que deve definir prioridades consoante os recursos disponíveis, dando ênfase à necessidade de preservar recursos para sectores-chave como saúde, educação, agricultura e turismo.
Segurança, terrorismo e reconciliação nacional
Em relação à segurança, o Presidente reiterou que os focos de instabilidade no norte do País continuam confinados ao norte de Cabo Delgado, com registo de incidentes pontuais em Mecula, no Niassa, prontamente controlados pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS). “Neste momento, não há sinais da presença de terroristas naquela província”, garantiu. O Governo, segundo Chapo, está a aplicar uma estratégia dupla: por um lado, manter a ofensiva militar para proteger a população e, por outro, aprofundar o conhecimento sobre o fenómeno terrorista, admitindo que todos os conflitos no mundo terminam em diálogo. Desta forma, o Presidente Chapo colocava também a possibilidade desta ser uma saída ao terrorismo em Cabo Delgado, mas esclareceu que para tal é necessário que sejam conhecidas as reais lideranças, sua localização, as causas deste fenómeno.
Quanto à cooperação com o Ruanda, o Chefe de Estado referiu que a alegada divergência sobre o financiamento das forças ruandesas em Moçambique foi apenas um mal-entendido, já ultrapassado. “Fomos perceber que, realmente, havia um mal-entendido tanto por nossa parte como por parte de Ruanda, e foi resolvido”, afirmou. Já no que diz respeito ao processo de Desmobilização, Desarmamento e Reintegração (DDR) dos antigos guerrilheiros da Renamo, Chapo reconheceu a existência de descontentamentos dentro do próprio partido Renamo. “Há pessoas que se sentem excluídas ou insatisfeitas com o montante das pensões. Não devemos ignorar essas opiniões. Precisamos de entendê-las para ver o que pode ser melhorado. A crítica também faz parte da reconciliação nacional”, concluiu.