Em 2023, uma nova linguagem artística começou a ganhar corpo nas ruas de Maputo. Sem som, mas com cor, gestos controlados e presença inabalável, surgiram as estátuas humanas, performances silenciosas e visuais que se tornaram uma novidade cativante na paisagem cultural da cidade. Numa das frentes desse movimento está Raimundo Makadzi, mais conhecido no mundo virtual e artístico como O Jovem Puro, o artista de rua que transformou o seu corpo numa plataforma de expressão e, mais recentemente, num colectivo artístico que já começa a fazer escola.
Texto: Dossiers & Factos
Nascido no distrito de Moamba, província de Maputo, Raimundo conta que sempre teve o impulso de entreter. Ainda antes do Jovem Puro como movimento colectivo, e antes mesmo do artista que hoje encarna essa identidade, já produzia vlogs e entrevistas de rua para o YouTube. “Sempre gostei de mostrar a diversidade do que há na nossa comunidade”, explica, ao recordar os primeiros passos da sua carreira digital. Mas foi ao experimentar a performance como estátua humana que encontrou um meio mais profundo de se expressar e de surpreender. “Achei que seria só mais um conteúdo, mas acabou por superar todas as expectativas. As pessoas não só gostaram, como começaram a apoiarme. Foi aí que percebi: posso viver disto”, relata, com entusiasmo e orgulho de afirmar que o Raimundo, que saiu de casa para performar nas ruas, naquele dia, estava longe de ser o mesmo Raimundo que voltou. Estava transfigurado!
Viver da arte: mais do que um sonho, uma estratégia
Contrariando o discurso comum de que não é possível sobreviver como artista em Moçambique, Raimundo defende que viver da arte é viável, desde que se adopte uma visão empreendedora. “Não se trata apenas de receber dinheiro por uma actuação. Viver de arte é tudo o que conseguimos empreender a partir dela”, afirmou ao jornal.
Com esse princípio, a marca Jovem Puro passou a oferecer não só performances com estátuas humanas para eventos públicos e privados, como também iniciou projectos paralelos que ajudam a sustentar o colectivo. “Vamos lançar acessórios da marca Jovem Puro, como sacolas personalizadas, e estamos a preparar feiras culturais no centro da cidade”, exemplificou, apontando formas criativas de gerar receita a partir da arte. “Se ganhamos algum valor numa actuação, investimos em materiais, criamos produtos, vendemos. É um ciclo em que a arte financia a arte”, acrescentou.
Essa abordagem multifacetada tem ajudado a manter a equipa e o projecto vivos, mesmo em períodos de menor procura. “Nem sempre há um evento ou um show. Por isso, diversificamos. É assim que a marca Jovem Puro continua de pé.”
Arte no corpo: a técnica por trás da imobilidade
A actuação como estátua humana exige mais do que parece à primeira vista. A preparação técnica inclui treinos de resistência física, cuidados com a saúde e até reciclagem de figurinos. “Chamamos de auto-preparação. Não há escola para isto”, diz Raimundo. “Fazemos exercícios físicos e até treinos de concentração, como segurar objectos pesados por vários minutos para fortalecer os músculos.”
Os trajes também são parte essencial do espectáculo. “Alguns são feitos com roupas recicladas. Temos um ateliê onde pintamos e preparamos tudo. Usamos cores metálicas como prata ou bronze, mas estamos sempre a diversificar.”
Durante a actuação, o tempo de imobilidade varia entre 30 a 40 minutos, com eventuais movimentos subtis — como um aceno ou uma pequena coreografia robótica — para interagir com o público e tornar a experiência mais marcante. “Não é só ficar parado. Queremos tornar a performance divertida e icónica. Fazemos movimentos pensados, que não tiram a ilusão da estátua, mas entretêm.”

Uma arte com identidade, desafios e transformação
Além do esforço físico, o trabalho como estátua humana exige resistência psicológica. “No início, muitos não entendiam. Chegaram a perguntar por que não procurava um ‘trabalho de verdade’”, recorda. Mas, com o tempo, esse preconceito foi diminuindo, à medida que o público percebia o valor artístico e simbólico da performance.
A Jovem Puro também usa as actuações para homenagear diferentes datas e grupos sociais, o que acarreta custos e faz com que precisem de mais patrocínio. “No dia dos trabalhadores, por exemplo, usamos objectos que remetem a essa classe. Tentamos sempre passar uma mensagem.” Mas nem sempre há recursos para isso. “Já deixámos passar datas por falta de materiais ou patrocínio. Às vezes, não temos como comprar tintas ou tecidos específicos. Isso frustra, porque temos muitas ideias para expressar, mas falta apoio.”
Apesar dos obstáculos, Raimundo acredita que cada actuação é também um acto de resistência. “No nosso País, nem sempre há espaço ou financiamento para a arte. Mas cada vez que saímos à rua, mostramos que isso também é cultura.”
Hoje, a Jovem Puro é mais do que o nome artístico de Raimundo: é um colectivo com vários artistas, alguns actuando como estátuas humanas — ou artistas de corpo, como alguns preferem dizer — e outros apoiando na produção, logística e gestão. “Temos pessoas que nos ajudam na gestão e outros que performam. Novos membros chegam com ideias, ganham uma nova visão do que é possível fazer com a arte.”
A influência do grupo, porém, já vai além. Fora da Jovem Puro, outros jovens artistas começam a experimentar essa forma de expressão, inspirados pela liberdade estética e simbólica que ela oferece. “Vemos gente a começar a fazer por conta própria, com trajes diferentes, novas cores. Isso mostra que a arte pegou, que está viva e a crescer.”
Raimundo sonha que, num futuro próximo, as estátuas humanas sejam vistas como parte integrante da cena artística nacional. “Assim como chamamos músicos e DJ’s para eventos, também podemos chamar uma estátua humana. Somos artistas e usamos o nosso corpo como forma de expressão.”