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MOTORISTAS DA YANGO DENUNCIAM: “Estamos a pagar para trabalhar”

O que antes se apresentava como uma alternativa promissora de geração de rendimento transformou-se, hoje, numa experiência marcada por frustração, perda de direitos e sensação de exploração. Motoristas da plataforma Yango, na cidade de Maputo, denunciam um conjunto de alterações no funcionamento do aplicativo que, segundo os próprios, está a tornar a actividade “insustentável” e a colocá-los em situações de risco. Muitos desses condutores, que viram na Yango uma oportunidade para conquistar autonomia financeira, pagar contas, sustentar as famílias e contornar o desemprego crónico que afecta o País, relatam agora uma realidade bem mais dura: jornadas exaustivas, rendimentos cada vez mais baixos e um sistema que castiga em vez de recompensar.

Texto: Dossiers & Factos

As queixas vão desde a queda drástica nos ganhos por viagem à forma como o sistema penaliza os condutores, até à ausência de medidas eficazes de segurança em situações de perigo. “Antes tínhamos acesso a toda a informação da corrida: nome do passageiro, número de telefone, destino e o valor a pagar. Isso dava-nos margem para decidir se valia a pena aceitar ou não. Agora tiraram tudo. Só sabemos o destino quando a viagem é longa e apenas após chegar ao local de recolha”, afirmou um dos motoristas, sob anonimato.

Aplicativo agora decide, motoristas apenas obedecem

Segundo as fontes ouvidas, as recentes actualizações no sistema da Yango reduziram drasticamente o nível de autonomia dos condutores. O motorista é agora forçado a aceitar pedidos mesmo quando está ocupado, sob pena de ser penalizado com perda de pontos e queda no número de viagens atribuídas. “O motorista é obrigado a aceitar viagens mesmo estando ocupado, desde que o passageiro não tenha baixado o preço. Caso contrário, perde pontos e recebe menos pedidos”, afirmou um dos entrevistados, numa opinião partilhada por várias fontes que afirmam estar “praticamente a pagar para trabalhar”.

O sistema de pontos, criado pela plataforma para, alegadamente, premiar bons desempenhos, é alvo de fortes críticas. Por cada viagem concluída, o condutor recebe apenas um ou dois pontos, mas pode perder até 12, caso o passageiro não atenda o telefone ou se recuse a embarcar. “Já aconteceu sair de um bairro para outro para recolher um passageiro que não atendeu a chamada. Resultado: perdi tempo, combustível e ainda fui penalizado com menos seis pontos”, relatou um motorista.

Preços baixos e comissões injustas

Outro motivo de revolta é o valor das corridas, que caiu de forma drástica, roçando o insustentável. Segundo os condutores, anteriormente a plataforma pagava cerca de 60 meticais por quilómetro. Hoje, há situações em que se pagam apenas 13 meticais por quilómetro, sem qualquer ajuste em caso de engarrafamentos, trânsito intenso ou subida dos preços dos combustíveis.

“Se entra um pedido a 1 km de distância para um destino próximo, já há gasto de combustível só para ir recolher. A corrida pode custar 60 meticais, numa cidade congestionada, e o preço não será recalculado. Ou seja, ganha-se pouco, mas o motorista gasta combustível, crédito para telefonar, faz manutenção do carro, paga inspecção, seguros, manifesto, alimentação, limpeza, entre outros encargos, e ainda assim o aplicativo retira 15% do valor da viagem.”

Além das baixas tarifas, os motoristas queixam-se da comissão automática de 15% por corrida, retida pela plataforma. “Ficam com 15%, não nos ajudam com nada, mas exigem pontualidade, qualidade do carro e ainda querem que sorríamos quando estamos a trabalhar com prejuízo.”

Segurança falha e negligência da plataforma

Num sector onde a segurança dos motoristas deveria ser prioridade, os relatos demonstram o contrário. Os condutores afirmam que a empresa não responde com celeridade em situações de emergência, como assaltos ou agressões, e que o sistema automatizado dificulta o contacto com apoio humano.

“A Yango diz que tem botão de alerta. Mas serve apenas para notificar casos de conversa inapropriada ou assédio leve. Em caso de assalto, aquilo não serve para nada. Estamos desprotegidos”, denunciou um dos condutores.

“Estamos a ser usados”

O sentimento dominante é de injustiça e exploração. Muitos afirmam que, se não fosse pela falta de alternativas de emprego, já teriam abandonado a plataforma. “A verdade é que a Yango faz-nos sentir descartáveis. Se recusamos uma corrida, castiga-nos. Se aceitamos, perdemos dinheiro. Se reclamamos, ninguém responde. Estamos apenas a ser usados.”

Alguns motoristas dizem estar a organizar-se em grupos para exigir mudanças, incluindo o reajuste das tarifas, maior transparência nos critérios de penalização e garantias de segurança. Até ao fecho desta edição, a Yango não respondeu aos pedidos de esclarecimento enviados pela redacção. Segundo os condutores, as suas preocupações já foram apresentadas por diversas vias, sem qualquer retorno satisfatório.

Yango responde com comunicado genérico

Instada a reagir às queixas sobre alegados abusos, desvalorização e insegurança enfrentados por motoristas parceiros em Maputo, a plataforma digital Yango optou por emitir um comunicado genérico, evitando responder directamente à maioria das questões levantadas pelos condutores ou confrontar as acusações de exploração e precarização laboral.

No referido documento, a empresa limita-se a reafirmar o seu “compromisso com a segurança de todos os utilizadores da plataforma” e manifesta a sua disponibilidade para colaborar com as autoridades em casos de incidentes graves, desde que haja solicitação formal.

No texto, a empresa até faz referência a um incidente específico envolvendo um motorista e reportado por uma das televisões da praça, garantido estar aberto a prestar todo o tipo de apoio à vítima, mas ignora as demais questões estruturais relatadas pelos motoristas, como a queda dos rendimentos, penalizações arbitrárias, comissões elevadas ou a alegada falta de apoio efectivo em situações de risco.

No lugar de responder às preocupações concretas, a empresa opta por elencar algumas funcionalidades de segurança já existentes no aplicativo, como o botão de conflito, avaliação dos passageiros, selfie no perfil, partilha de rota em tempo real e botão SOS. Reitera ainda que “a segurança é prioridade”, sem, contudo, indicar medidas adicionais ou mecanismos de diálogo com os motoristas descontentes.

 A Yango Moçambique sublinha ser parte de um grupo tecnológico internacional com operações em mais de 30 países, incluindo na Europa, América Latina, Médio Oriente e África, e compromete-se a “continuar a melhorar os sistemas” e a colaborar com as autoridades para garantir um ambiente seguro.

Contudo, para os motoristas ouvidos pela nossa equipa, a ausência de respostas às denúncias específicas reforça a percepção de negligência e distanciamento entre a empresa e os prestadores de serviço que, todos os dias, circulam pelas ruas de Maputo à procura de sustento. Até ao fecho desta edição, não houve qualquer reacção da Yango às tentativas feitas pelos condutores para apresentar formalmente as suas reivindicações.

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