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UM FISCALIZADOR SEM TRANSPARÊNCIA: Tribunal Administrativo esconde auditoria às próprias contas

A credibilidade das instituições do Estado em Moçambique está pelas ruas da amargura e isso deve-se, em grande parte, à falta de transparência. A cultura de secretismo é transversal ao funcionalismo público e dela nem os órgãos fiscalizadores escapam. É disso exemplo o Tribunal Administrativo, que, sem qualquer fundamento, esconde os relatórios de auditoria às suas próprias contas.

Texto: Amad Canda

A mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta. Longe de ser uma apologia à superficialidade do mundo das aparências, a célebre e secular frase do imperador romano Júlio César representa uma bússola para as instituições, principalmente públicas, e seus dirigentes, mais ainda no contexto do Estado de Direito Democrático.

Trata-se de um princípio ético-moral que devia nortear toda e qualquer entidade que, em razão do seu papel, gere a coisa pública, até porque a própria Lei assim o determina, ainda que com linguajar diferente. Ora, se é ponto assente que nenhuma instituição vocacionada para o serviço público deve virar as costas a esta máxima, haverá que reconhecer que aquelas com missão de fiscalização têm um estreito, para não dizer inexistente, espaço de manobra.

No entanto, isso é só nos livros. No terreno, a realidade pode — e é — diferente, sendo disso exemplo eloquente a postura do Tribunal Administrativo, devidamente comprovada pelo Dossiers & Factos. Definido no número 1 do artigo 228.º da Constituição da República como órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos, fiscais e aduaneiros, cabe a esta corte, de acordo com o número 2 do mesmo artigo, o controlo da legalidade dos actos administrativos e da aplicação das normas regulamentares emitidas pela Administração Pública, bem como a fiscalização da legalidade das despesas públicas e a respectiva efectivação da responsabilidade por infracção financeira.


 O artigo acima citado pressupõe, de per si, que o Tribunal Administrativo deveria ser o supra-sumo da transparência. Mas não é. E para comprovar isso basta visitar o site institucional, dirigir-se à secção dedicada ao “cidadão” e, de seguida, à subsecção “Relatórios de Auditorias às Contas do TA”. Só um está disponível e é o referente ao ano 2019. Ou seja, há quatro anos que esta instituição furta-se a publicar no seu website os relatórios de auditoria às suas contas.


 Em bom rigor, o verbo furtar-se, neste contexto, é eufemismo. A realidade é que o Tribunal está mesmo a esconder estes documentos, e esta afirmação não é sensacionalismo barato, porque embasada na experiência vivida pela equipa do Dossiers & Factos. Em Maio deste ano, quando, por mera curiosidade jornalística, constatámos que este órgão jurisdicional não está a publicar os relatórios de auditoria às suas contas, iniciámos diligências para ter acesso aos documentos.

A primeira tentativa foi feita via telefone. Ligámos e solicitámos os relatórios referentes aos anos 2020, 2021, 2022 e 2023. Alegando não ser sua área de actuação, o funcionário que nos atendeu recomendou que nos dirigíssemos às instalações do Tribunal, mas não se coibiu de deixar claro que seria difícil aceder a tais documentos, em virtude de, supostamente, tratar-se de matéria de consumo interno — será que o de 2019 foi publicado por engano?

Apesar do tom nada estimulante, seguimos ao Tribunal Administrativo na perspectiva de submeter o pedido de acesso à informação por escrito, o que não ocorreu, pois os funcionários lá presentes indicaram que solicitações dessa índole deveriam ser submetidas à Secção de Contas do Tribunal, nas imediações da Praça da Organização da Mulher Moçambicana (OMM).

Qual bola amarelo-fluorescente nos courts do Jardim Tunduro, fomos objecto de um verdadeiro pingue-pongue, desta vez com a Secção de Contas a dar conta de que devíamos voltar ao principal edifício do Tribunal e lá submeter o documento. Pacientemente, assim procedemos e, apesar de alguma resistência inicial, o documento foi recebido na sala do secretário-geral, para o nosso alívio. Isso deu-se a 12 de Maio.


 A partir daí, restava esperar, no mínimo, por 14 dias úteis, ao abrigo da Lei n.º 34/2014, de 31 de Dezembro — Lei do Direito à Informação. Findo este prazo, voltámos à Corte na esperança de, finalmente, pôr as mãos nos tão bem guardados relatórios, mas não foi possível. “Ainda está em tramitação”, respondeu um dos funcionários, tendo ainda solicitado o contacto pessoal do jornalista — no documento já constava o da instituição — a fim de notificá-lo assim que houvesse resposta. Debalde! A espera, que já dura dois meses, foi um exercício inócuo, pois, aparentemente, o Tribunal Administrativo ainda não conseguiu localizar os documentos solicitados. Talvez esteja demasiado ocupado com a gestão da transição, de Lúcia do Amaral para Ana Maria Gemo. Afinal, essas coisas não são fáceis…

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