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Finanças públicas continuam frágeis, 50 anos depois da Independência

Realizou-se, recentemente, na cidade de Maputo, a conferência “50 anos de finanças públicas e desenvolvimento local: entre crises e sucessos”, um encontro que procurou, mais do que celebrar efemérides, lançar um olhar crítico sobre o percurso do Estado moçambicano na gestão das finanças públicas desde a independência. A iniciativa juntou personalidades como o economista e antigo Ministro da Administração Estatal, José Chichava, o também economista Egas Daniel, o jornalista Fernando Lima e Benilde Nhalevilla, representante do Fórum de Monitoria Orçamental. A conferência abriu espaço para questionar os grandes impasses estruturais da economia nacional, revisitar a génese da descentralização e pôr em causa o actual modelo de alocação orçamental.

Texto: Dossier Económico

Na sessão de abertura, José Chichava, também professor doutorado, foi incisivo: é imperioso repensar o modelo de criação de autarquias em Moçambique. O antigo ministro criticou a institucionalização de municípios por imperativos políticos ou simbólicos, em detrimento de critérios técnicos de viabilidade económica e administrativa. Defendeu que descentralizar não pode ser sinónimo de atomizar o poder em estruturas sem capacidades mínimas de funcionamento. Um problema que, segundo ele, se estende dos municípios aos distritos e províncias.

Relatou, como exemplo, casos de dois distritos – cujos nomes preferiu não mencionar – onde os presidentes dos conselhos municipais pagam, do próprio bolso, as contas de energia. “Na minha experiência como membro do governo, eles criam fundos mesmo sem ter fundos”, criticou.

Chichava abordou também a falta de envolvimento da população nas soluções dos seus próprios problemas. “Enquanto este país não compreender que o seu desenvolvimento depende dos moçambicanos, e não de estrangeiros, continuará preso”, afirmou, dirigindo críticas à dependência excessiva de entidades externas para resolver questões internas. Denunciou ainda a perda de soberania provocada pela doação de fundos externos, que, embora úteis, “retiram parte da nossa independência”.

Como proposta de mudança, defendeu uma revisão criteriosa na criação de municípios, o reforço das capacidades institucionais e uma descentralização sustentada, que vá além de meros discursos políticos.

Dívida pública: o peso que sufoca o futuro

Na sua intervenção, Egas Daniel trouxe à tona os números duros da realidade fiscal moçambicana. Apontou o défice orçamental crónico como um dos principais problemas estruturais, denunciando a forma insustentável como o Estado tem gerido essa realidade desde 2015: gastando mais do que arrecada e cobrindo o défice com dívidas.

“E o dinheiro para fechar essa diferença não cai do céu, o Estado tem de fazer alguma coisa”, disse, sintetizando o desequilíbrio entre receitas e despesas. Chamou a atenção para o uso recorrente dos bilhetes do tesouro — instrumentos de dívida de curto prazo e juros elevados — que chegam a ser usados para pagar dívidas externas, alimentando um ciclo vicioso de endividamento.

Daniel alertou que o serviço da dívida compromete cada vez mais o investimento nos sectores sociais. “Sacrificamos educação, saúde e agricultura para pagar dívidas que só aumentam”, afirmou. Para ilustrar referiu que, entre 2010 e 2022, o orçamento destinado ao pagamento da dívida pública aumentou 33 vezes, enquanto o da saúde apenas quintuplicou.

Propôs a criação de dispositivos legais que obriguem o Governo a reservar percentagens fixas do orçamento para os sectores sociais e que tais metas sejam efectivamente cumpridas. Sublinhou ainda a necessidade de alinhamento das estratégias macroeconómicas à realidade do país e defendeu mecanismos rigorosos de responsabilização pelos desvios na gestão do erário público.

As crianças continuam fora das contas Benilde

Nhalevilla chamou a atenção para a exclusão sistemática das crianças nas políticas públicas. “Falar de pobreza em Moçambique é ver o rosto das crianças”, disse, alertando que quase metade da população moçambicana tem menos de 15 anos.

Criticou a Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE), por prever garantir acesso à educação para apenas 2,5 milhões de crianças até 2044. “Com base nas projecções populacionais, esse número representa um retrocesso e não um avanço”, frisou. Dados do Instituto Nacional de Estatística e do ISS Africa indicam que, até 2044, Moçambique terá mais de 55 milhões de habitantes, dos quais 23 milhões serão crianças. A meta do Governo abarca apenas cerca de 10% do total estimado de crianças.

Nhalevilla recordou ainda que o Executivo havia prometido, até 2025, um aumento de 10% no número de crianças com acesso a serviços básicos, mas os dados mostram um crescimento médio de apenas 7% desde 2019, evidenciando mais um incumprimento.

Sublinhou que as crianças devem deixar de ser tratadas como beneficiárias passivas das políticas e passar a ser reconhecidas como sujeitos de direitos, com prioridade orçamental garantida por mecanismos legais, transparentes e obrigatórios.

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