– Negócio está nas mãos da Mahindra
O Governo moçambicano iniciou a aquisição e alocação de veículos articulados (tractores com reboque) para transportar passageiros em zonas rurais e de difícil acesso, mas não revela quanto custam os mesmos nem quando terá sido lançado o concurso público que resultou na selecção da fornecedora Mahindra. A medida, que já está a ser implementada com pelo menos 100 unidades e que poderá atingir 390 até ao final do ano, divide opiniões na sociedade quanto à sua eficiência, mas encontra amparo em termos legais.
Texto: Dossiers & Factos
Apesar de bastante comentada nos últimos dias, a introdução de veículos articulados como meios de transporte de passageiros nas zonas rurais tem várias áreas de penumbra. Com o objectivo de esclarecer algumas das questões mais recorrentes e para melhor informar o público, o Dossiers & Factos abordou o Ministério dos Transportes e Comunicações, entrando pela via do Gabinete de Comunicação e Imagem daquela instituição, através do assessor do ministro para esta área, Verlopes Nhampossa.
Num primeiro momento, Nhampossa deu conta de que não estava a encontrar nenhum quadro da instituição disponível para falar ao jornal; mesmo assim, disponibilizou-se ele próprio para responder a algumas questões. Quando questionado, por exemplo, sobre o preço unitário de cada veículo, a empresa fornecedora e ainda sobre o período em que terá sido feito o devido concurso público, Nhampossa limitou-se a dizer que os veículos estão a ser fornecidos pela empresa indiana Mahindra (a mesma que fornece viaturas à Polícia), mas escusou-se a indicar o valor unitário dos meios ou a data em que o referido concurso foi lançado, afirmando que “os demais detalhes não os tenho aqui”.
Segundo a fonte, trata-se de um projecto-piloto que prevê atingir um total de 500 veículos — entre autocarros e tractores com reboque — sendo que os distritos a beneficiar serão definidos em função das necessidades de cada província.
Uso de reboques no transporte de passageiros tem enquadramento legal
A decisão governamental de adoptar este modelo de transporte de passageiros tem gerado intensos debates na praça pública, com alguns a questionarem até a sua legalidade com base no Código da Estrada. Em consultas feitas pelo Dossiers & Factos a normas estabelecidas, o legislador determina, no número 8 do artigo 113 deste instrumento, que o uso de reboques no transporte público de passageiros é autorizado em regulamento próprio.
O documento em alusão é o Regulamento de Transporte Automóvel, que, no seu artigo 81.º, n.º 1, estabelece expressamente que “é vedado o transporte de passageiros em veículos automóveis de mercadorias”. No entanto, o número 2 do mesmo artigo admite excepções, entre elas a da alínea c), que permite o uso de veículos de caixa aberta com bancos e cobertura adaptada “nos locais em que outras alternativas não se ofereçam, servindo de alimentadores para os principais corredores e terminais”.
As condições impostas pela Lei para que essa excepção seja considerada válida incluem que os veículos tenham um peso bruto até 7.000 kg, bancos laterais fixos com encosto e espaço individual mínimo de 50 por 30 centímetros por passageiro, escadote que facilite o acesso à carroçaria, cobertura estanque com altura não inferior a 1,60 metros, bem como sistema de ventilação e iluminação no interior. Adicionalmente, a caixa do veículo deve ser não basculante.
Os prós e contras do projecto
Entre os críticos desta medida, que ainda está na fase piloto, destacam-se argumentos ligados ao desconforto, à lentidão dos meios e à possível redução da produtividade de trabalhadores e estudantes obrigados a longas viagens em condições alegadamente rudimentares. Para muitos, a iniciativa é sintoma de um Estado que normaliza a precariedade e reforça desigualdades já existentes, especialmente porque até em zonas urbanas muitos funcionários residem em áreas periféricas.
Por outro lado, defensores da medida destacam que, em várias regiões do País, as populações percorrem a pé longas distâncias para aceder à escola, à unidade sanitária ou ao mercado. Nestes contextos, os tractores com reboque poderão representar uma solução imediata e útil.
Aponta-se ainda o seu potencial no escoamento de produtos agrícolas, uma vez que a maioria da população rural vive da agricultura. Igualmente, há quem desdramatize a situação, recordando que, tal como aconteceu com os polémicos dubais (carros usados) autorizados pelo antigo Presidente Armando Guebuza, o tempo vai normalizar esta medida que, à partida, parece improvisada, mas poderá democratizar o acesso à mobilidade.