— Precisa de explicar como é que extrapolou os números anteriores do concurso
Na comunicação feita esta semana sobre o dossier dos veículos articulados (tractor com reboque) para o transporte de pessoas nas zonas rurais, o ministro dos Transportes e Logística, João Matlombe, limitou-se a referir que o projecto remonta à era Nyusi, mas ocultou, aparentemente de forma propositada, informações relevantes relativas aos valores, concurso público e até ao verdadeiro objectivo da iniciativa, que era eleitoralista.
Texto: Mudumela Macassane
O dossier “Meios de Transporte Misto Típico para a Zona Rural” é, efectivamente, e tal como assumiu o ministro dos Transportes e Logística, uma iniciativa do Governo de Filipe Nyusi, que cessou funções a 14 de Janeiro do presente ano. No entanto, muito ficou por dizer na comunicação de João Matlombe, que falava a jornalistas na cidade da Beira, província de Sofala. Para começar, e segundo apurou o Dossier Económico, o objectivo principal deste projecto era conquistar o amor e a confiança do eleitorado das zonas rurais em ano eleitoral, o que, por si só, significa que foi um projecto pré-concebido ao nível do partido Frelimo. Na sua concepção original, o projecto previa a aquisição de não mais de 100 tractores.
Pese embora o Dossier Económico não tenha conseguido apurar a data do lançamento do concurso público n.º 02/ UGEA-CP/FTC/2024, cujo objecto era a “Contratação para Aquisição de Meios de Transporte Misto Típico para a Zona Rural”, sabe-se, através de documentos (actas) que interceptou, que a sessão de abertura das propostas dos concorrentes teve lugar na manhã de 28 de Março de 2024, no 1.º andar do edifício-sede do Fundo de Desenvolvimento dos Transportes e Comunicações, na cidade de Maputo.
Dito doutro modo, desde a sessão de abertura das cartas-proposta das empresas concorrentes até ao anúncio oficial do início da implementação deste modelo de transporte, em Julho corrente, já passaram 14 meses, ou seja, um ano e dois meses.
Outra realidade curiosa é que o orçamento para o concurso, que, conforme referimos, previa a aquisição de não mais de 100 veículos, não chegava sequer a 70 milhões de meticais. A prova disso é que os valores propostos pelos três concorrentes nomeadamente a Millennium Dois Mil Motors, Lda., MHL Auto, S.A. e Ronil, Lda., estavam todos abaixo desse montante. O mais alto era de 63.500.000,00 MT (sessenta e três milhões e quinhentos mil meticais), da Ronil Auto, e o mais baixo era de 34 milhões de meticais, da Millennium Dois Mil Motors. Já a proposta da Mahindra situava-se nos 57.999.520,00 MT (cinquenta e sete milhões, novecentos e noventa e nove mil, quinhentos e vinte meticais).
Ainda em torno das propostas, só para secundar o sucedido neste concurso, os documentos apontam que, estranhamente, apesar de uma proposta relativamente mais baixa em termos de custos, o júri deliberou, no seu relatório final elaborado a 03 de Abril, recomendar a adjudicação do concurso à MHL Auto, S.A. (Mahindra), que apresentara uma proposta de 57.999.520,00 MT, bem acima daquela que fora considerada a melhor proposta – a da Millennium Dois Mil Motors.
No mesmo trabalho, o Dossier Económico apurou que este veredicto, na altura, criou desconforto. Por um lado, porque a Millennium Dois Mil Motors recorreu; por outro, porque parte dos seis elementos do júri, liderado por Abel Iapa, questionou como seriam pagos os valores da proposta aprovada (da MHL Auto), visto que extrapolavam o valor do concurso, que rondava os 55 milhões de meticais. No entanto, uma funcionária ligada às Finanças do Fundo de Transportes e Comunicações tranquilizou-os, afirmando que não havia problema, deixando antever desde logo preferências na adjudicação.
Oportunismo dos actuais envolvidos vs raposas douradas
A situação criada hoje com o anúncio da entrada em vigor deste projecto — que vai sendo contestado em vários quadrantes devido a diversos factores, entre os quais o facto de pertencer ao Governo cessante, exercício económico e Plano Quinquenal do Governo (PQG) ultrapassados, à semelhança do Sustenta, que o Presidente da República disse estar encerrado — levanta várias questões. Entre elas, o porquê de esta iniciativa ter continuado e até aumentado em cerca de oito vezes o valor inicialmente previsto, se olharmos para os números que estão a ser avançados, aos quais o Governo nunca reagiu.
Vai daí que as palavras do ministro João Matlombe continuam a ser insuficientes, visto ser necessário explicar, por exemplo, como é que um concurso cujos valores não chegavam a 60 milhões passou para mais de 600 milhões de meticais.
Para entendidos na matéria consultados pelo Dossier Económico, um aumento tão exponencial de meios a adquirir, e consequentemente do orçamento, deveria necessariamente implicar o cancelamento do concurso anterior e o lançamento de um outro. Nos actuais moldes, o entendimento que há é de que, depois de ganhar o concurso do ano passado, a MHL Auto beneficiou de ajuste directo no actual Governo para a aquisição de mais meios.
Mateus Magala: a raposa dourada
Sendo do mandato anterior, este projecto que vai incendiando debates na opinião pública está intimamente ligado a Mateus Magala, que, segundo apurou o Dossier Económico, até Janeiro deste ano, e antes da tomada de posse de João Matlombe, continuava a assinar documentos e autorizações no então Ministério dos Transportes e Comunicações.
Como se sabe, este é actualmente conselheiro do Presidente da República para os Assuntos Económicos, o que ainda reforça a interligação, pelo menos na área política e técnica, do Governo com este projecto dos tractores, levantando, deste modo, motivos para mais investigação e solicitação de esclarecimentos administrativos e jurídicos por parte de quem de direito ao actual ministro, João Matlombe