– Instituição reconhece a dívida, mas não avança datas para o pagamento. Cadetes questionam como suportar custos de estágio no próximo semestre
Mais de 500 cadetes do primeiro e segundo anos da Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) estão há um ano e oito meses sem receber os subsídios mensais de manutenção a que têm direito por lei. A denúncia chegou à redacção do Dossiers & Factos através de fontes anónimas, que expressam preocupação com a alegada má gestão de fundos públicos e apelam à abertura urgente de uma investigação por parte das autoridades competentes.
Texto: Milton Zunguze
Segundo as fontes, cerca de 200 cadetes do XXIII.º Curso (segundo ano) não auferem qualquer valor há 20 meses. Contudo, de acordo com Alicénia Abudo, directora de Logística e Finanças da ACIPOL, o número real de afectados ultrapassa os 500 estudantes — abrangendo também os do primeiro ano —, o que, segundo afirmou, afasta a ideia de que haja falta de vontade de proceder aos pagamentos.
Com base em cálculos efectuados por Dossiers & Factos, e tomando como referência o subsídio mensal de 10.625 meticais por cadete, estima-se que a dívida referente aos estudantes do segundo ano (XXIII.º Curso), ascenda a 53.125.000 meticais. Para os cadetes do primeiro ano, que iniciaram a formação em Fevereiro do presente ano e até Julho ainda não receberam qualquer valor, a dívida ronda os 15.937.500 meticais. Assim sendo, depreende-se que, no total, a dívida acumulada ultrapassa os 69 milhões de meticais.
“Como vamos custear transporte e alimentação durante o estágio?”
Apesar de cumprirem com todas as exigências de frequência, disciplina e serviço, os cadetes afirmam viver momentos difíceis devido à ausência do subsídio. Com a aproximação do período de estágio, previsto para o próximo semestre, colocam uma questão prática e inquietante: “Como é que um cadete sem subsídio poderá pagar transporte e alimentação?”
O silêncio da instituição, aliado à falta de justificações formais ou de qualquer explicação sobre uma eventual reafectação legal dos fundos, suscita suspeitas de irregularidades no seio da ACIPOL. Os denunciantes apontam, entre outras possíveis ilegalidades, desvio de finalidade na aplicação de fundos públicos, peculato (artigo 321 do Código Penal), violação da Lei do Procedimento Administrativo e incumprimento das normas do Sistema de Administração Financeira do Estado (SISTAFE).
A situação, para os denunciantes, configura um “dano patrimonial colectivo”, com impactos na credibilidade institucional da Polícia da República de Moçambique (PRM).
Exigem-se responsabilizações
Dado o grau de gravidade do caso, os autores da denúncia apelam à intervenção do Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), da InspecçãoGeral da Administração Pública (IGAP) e do próprio Ministério do Interior, que tutela a ACIPOL. Destas entidades, os queixosos exigem identificação dos responsáveis, reposição dos valores devidos, responsabilização criminal, disciplinar e patrimonial, caso se confirmem actos ilícitos.
Sublinha-se, na denúncia, que o objectivo não é atacar a ACIPOL, mas antes proteger o erário público, o interesse colectivo e a dignidade da formação policial.
“Não se trata de má gestão, mas de um problema orçamental” – diz ACIPOL
Confrontada com as denúncias, Alicénia Abudo, directora de Logística e Finanças, reconheceu a dívida, mas rejeitou qualquer má-fé ou prática fraudulenta. Explicou que a responsabilidade directa pelo pagamento não é da ACIPOL, uma vez que os valores estão inscritos na folha de salários do Comando-Geral da PRM.
“Foram enviados ofícios ao Ministério das Finanças, há reuniões conjuntas, e todos os envolvidos têm conhecimento do problema”, afirmou Abudo, frisando que o constrangimento é de ordem conjuntural, e não um bloqueio interno da ACIPOL.
“Os subsídios vão ser pagos, só não sabemos ainda quando”, assegurou.
A responsável confirmou que a situação afecta não só os cadetes do segundo ano, como também os que ingressaram este ano. No total, são mais de 500 cadetes sem o subsídio legalmente previsto. Acrescentou ainda que alguns docentes também enfrentam atrasos salariais, embora continuem a trabalhar sob pressão.
Reitor abordou o tema numa formatura
Abudo revelou que, recentemente, o próprio Reitor da ACIPOL, durante uma cerimónia de formatura, abordou o problema abertamente, assumindo que a direcção tem feito pressão junto ao Ministério das Finanças para que seja desbloqueada a verba.
Segundo a directora, o financiamento dos subsídios depende integralmente do Orçamento do Estado, estando os atrasos relacionados com limitações orçamentais nacionais.
“Não há desvio, nem má vontade. Temos plena consciência dos desafios que os cadetes enfrentam por causa da ausência dos subsídios”, reiterou.