A vaga de ocupações ilegais de terra pública por indivíduos que se autoproclamam “nativos” continua a alastrar se por diversos pontos do País, numa tendência preocupante que ameaça a ordem pública e o princípio da legalidade. Depois do caso de Milhulametine, no distrito de Marracuene, surge agora um novo foco de tensão no bairro Tchumene, no Município da Cidade da Matola, onde um grupo de supostos “nativos” usurpou um terreno de 13 hectares, anteriormente reservado para a instalação de empresas.
Sob pretexto de pretenderem erguer um mercado popular, os ocupantes tomaram de assalto o referido espaço, ignorando por completo a autoridade municipal e os projectos públicos já definidos para o local. O terreno em questão havia sido, inicialmente, pensado para acolher um mercado, ideia essa associada à gestão do então falecido presidente do Município, Carlos Tembe. No entanto, face às novas dinâmicas económicas e sociais, a edilidade da Matola decidiu reconverter o uso do solo, optando pela instalação de unidades empresariais e industriais, tendo projectado o mercado para um outro espaço alternativo.
Insatisfeita com essa decisão, uma franja de cidadãos passou à acção directa, ocupando a área sem qualquer autorização e criando um suposto sindicato que, na prática, mais não faz do que gerir clandestinamente a venda de parcelas daquele terreno. Os relatos indicam que quem quiser espaço no dito “mercado” é obrigado a desembolsar quantias avultadas em dinheiro — numa clara prática de candonga de terrenos.
Mais grave ainda é o uso reiterado de discursos de ódio por parte dos membros deste grupo, que tentam legitimar as suas acções com base numa alegada pertença étnica ou geográfica ao território. Em vários momentos, têm procurado deslegitimar os demais cidadãos, como se o facto de pertencerem a uma determinada força política, ou não serem “filhos da terra”, os privasse automaticamente de direitos. Este tipo de retórica tem-se tornado comum entre os chamados “falsos nativos”, que proliferam em vários cantos do País com total desprezo pela Constituição e pelas instituições do Estado.
Na essência, o movimento organizado em Tchumene não passa de um expediente para fins económicos, camuflado sob discursos identitários e de reivindicação histórica. O grupo actua à margem da lei e com uma ousadia que denuncia a complacência — ou inoperância — das autoridades. Até agora, as instituições judiciais e de fiscalização têm-se mantido numa postura de quase letargia, facto que incentiva a multiplicação de casos semelhantes noutras regiões.
Há um sentimento generalizado de que a Procuradoria-Geral da República e outras instituições do sector da Justiça precisam de abandonar a passividade e intervir com firmeza, sob pena de o fenómeno se alastrar ainda mais e comprometer a gestão do solo urbano, o planeamento estratégico das cidades e o acesso equitativo à terra.
A edilidade da Matola, liderada por Júlio Parruque, é chamada a tomar medidas urgentes e coordenadas com as demais entidades governamentais para pôr cobro à situação. A impunidade com que este grupo age pode criar precedentes perigosos e irreversíveis, num momento em que o País precisa de reforçar a autoridade do Estado e promover uma cultura de legalidade e justiça.
O apelo é claro: não se pode permitir que a terra do Estado, um bem público por excelência, se transforme em moeda de troca para enriquecimento ilícito sob capas ideológicas e manipulações étnicas. A restituição da ordem e da legalidade não pode ser adiada.