O Instituto de Cereais de Moçambique (ICM) autorizou, com efeitos imediatos desde o dia 5 de Agosto, o arranque da exportação de feijão bóer para a Índia, principal mercado de destino desta leguminosa moçambicana. A medida antecipa em quase dois meses o calendário inicialmente previsto para o presente ano fiscal, sendo justificada pela existência de “quantidades consideráveis” armazenadas nas instalações das empresas exportadoras, conforme consta de um comunicado do ICM dirigido ao serviço das Alfândegas e citado agência Lusa.
Segundo o mesmo documento, a nova orientação revoga a deliberação anterior do próprio ICM, que estabelecia o início das exportações apenas a partir de 30 de Setembro. A decisão inicial visava proteger o mercado interno durante o pico da colheita, prevenir especulação e práticas comerciais predatórias, bem como assegurar a implementação do certificado de origem. A presente antecipação apoia-se no acordo bilateral com a Índia, país que absorve cerca de 90% da produção nacional de feijão bóer. Em 2023, Moçambique exportou mais de 230 mil toneladas desta cultura.
A retoma imediata das exportações dá-se, contudo, num contexto jurídico conturbado, marcado por uma disputa judicial envolvendo o conglomerado ETG (Export Trading Group), um dos maiores operadores agrícolas em Moçambique. A empresa, de origem mauriciana e com presença no País há 25 anos, reclama do Estado moçambicano uma indemnização superior a 7,62 mil milhões de meticais (aproximadamente 120 milhões de dólares), alegando expropriação indevida de mercadoria apreendida no porto de Nacala, no quadro de um diferendo com a empresa moçambicana Royal Group Limitada (RGL), também activa no comércio de feijão bóer.
Conforme documentos a que a Lusa teve acesso, a ETG afirma ter envidado esforços, durante vários meses, para recuperar uma carga de produtos agrícolas avaliada em cerca de 3,49 mil milhões de meticais (55 milhões de dólares), incluindo feijão bóer, que se encontra sob apreensão judicial. Em Outubro de 2023, o conglomerado apresentou queixa num tribunal de arbitragem internacional, acusando o Estado de violar os seus direitos enquanto investidor estrangeiro, facilitar expropriações ilegais, não assegurar tratamento justo e tolerar actos de coacção e assédio contra os seus trabalhadores.
O conflito agudizou-se após, a 1 de Fevereiro de 2024, o Tribunal Judicial da Cidade de Nacala-Porto ter decidido não acompanhar a recomendação da ProcuradoriaGeral da República, que propunha o arquivamento do processo entre a ETG e a RGL. Em Maio deste ano, a ETG voltou a interpelar o Governo, que, até ao momento, não terá dado qualquer resposta concreta ou sinal de empenho na resolução do litígio.
Apesar do contencioso em curso, as autoridades decidiram avançar com a exportação, instruindo as empresas autorizadas a utilizarem o certificado emitido sob a designação do Ministério da Economia. A medida visa assegurar o escoamento da produção e preservar o estatuto de Moçambique como fornecedor estratégico da Índia, embora o litígio judicial continue a ensombrar a previsibilidade e confiança no ambiente de negócios no sector agrícola. Diário Económico