O Governo de Moçambique anunciou que pelo menos dois milhões de pessoas no País poderão enfrentar fome severa nos próximos meses, apesar de o País dispor de vastas terras aráveis capazes de produzir praticamente todos os alimentos básicos da dieta nacional, incluindo arroz, milho, tomate e feijão.
Texto: Maximiano da Luz
A revelação foi feita na semana passada, durante a 28.ª sessão ordinária do Conselho de Ministros, em Maputo, que aprovou os resultados preliminares da avaliação de segurança alimentar relativa ao período pós-choque de 2025.
O levantamento, realizado entre Março e Abril deste ano, abrangeu 66 dos 164 distritos do território nacional e envolveu cerca de 11 milhões de pessoas.
148 Mil em situação de emergência
Segundo o porta-voz do Conselho de Ministros, Inocêncio Impissa, dos dois milhões de moçambicanos em risco de passar fome, 148 mil necessitam urgentemente de alimentos e assistência imediata. No entanto, o governante não especificou as regiões onde se encontram estes grupos em situação crítica.
Dos inquiridos na avaliação, 5,2 milhões apresentaram níveis satisfatórios de segurança alimentar, enquanto outros quatro milhões vivem em condições mínimas de subsistência.
Potencial agrícola desaproveitado
Num país com mais de 36 milhões de hectares de terras aráveis, capazes de receber qualquer tipo de semente durante todo o ano, a incapacidade de garantir produção suficiente para combater a fome continua a expor fragilidades do modelo agrícola.
Impissa assegurou que o Executivo, através do Instituto Nacional de Gestão do Risco e Desastres (INGD) e dos parceiros internacionais, está a mobilizar apoios para responder às necessidades alimentares e, em simultâneo, a reforçar a campanha agrícola 2025- 2026 com insumos e equipamentos de produção.
Políticas aprovadas, mas resultados insuficientes
Em Agosto de 2024, o Governo aprovou a Política de Segurança Alimentar e Nutricional (PESAN) 2024- 2030 e a respectiva Estratégia de Implementação, com o objectivo de melhorar os meios de subsistência, a produtividade económica e a qualidade de vida da população. Paralelamente, foi também validado o Plano de Acção da Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional (ESAN III) para o mesmo período.
Estes instrumentos visam garantir a disponibilidade, a qualidade e o acesso equitativo a alimentos nutritivos, num enquadramento de direitos humanos, com destaque para o “Direito à Alimentação” e para os cuidados integrados na primeira infância.
Contudo, apesar do discurso oficial e de múltiplos projectos desenhados em governos anteriores, as políticas não têm sido plenamente executadas e os resultados continuam aquém das necessidades da população.
Fome e custos económicos elevados
O Estudo do Custo da Fome em Moçambique (2017) já alertava que o país perde anualmente cerca de 10,9% do Produto Interno Bruto (PIB) — o equivalente a 62 mil milhões de meticais — devido a factores relacionados com a desnutrição: mortalidade infantil, doenças associadas, baixa produtividade e défices cognitivos resultantes da falta de nutrição adequada.
Em paralelo, a desnutrição crónica em crianças menores de cinco anos, embora tenha registado uma ligeira redução — de 43% em 2014, para 39% em 2019/2020 e 37% em 2022/2023 — continua a ser um dos principais entraves ao desenvolvimento humano e económico.
Entre potencial e realidade
Moçambique continua a ser descrito como um país com enorme potencial agrícola, capaz de produzir alimentos em todas as épocas do ano. Todavia, a ausência de uma estratégia eficaz e de investimentos consistentes mantém milhões de moçambicanos em situação de insegurança alimentar, obrigando o Estado a depender de assistência humanitária externa.
Apesar das promessas governamentais e dos planos estratégicos aprovados, um número crescente de cidadãos continua a passar fome por falta de insumos, políticas de produção eficazes e sistemas de distribuição sustentáveis.