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TERRORISMO EM CABO DELGADO: ONU denuncia raptos, tráfico e escravatura sexual

A Organização das Nações Unidas (ONU) voltou a colocar Moçambique no centro das suas preocupações no mais recente Relatório do Secretário-Geral sobre Violência Sexual Relacionada com Conflitos, divulgado a 15 de Julho de 2025 e referente ao ano de 2024. Em contramão com as narrativas oficiais de estabilidade na região, o documento identifica o norte de Moçambique como palco de raptos, tráfico e escravatura sexual de mulheres e raparigas por grupos armados, que recorrem a estes crimes como táctica deliberada para “fracturar a coesão social” e impor controlo sobre comunidades inteiras.

Texto: Dossiers & Factos

Segundo a ONU, as vítimas são apanhadas em ciclos de violência que destroem laços familiares, provocam deslocações forçadas e alimentam uma instabilidade prolongada, frequentemente ignorada ou subvalorizada pela resposta oficial.

A menção a Moçambique surge no quadro da análise aos riscos acrescidos enfrentados por mulheres e raparigas deslocadas, refugiadas e migrantes em contextos de conflito. No caso de Cabo Delgado, o relatório sublinha que o abuso sexual está frequentemente associado a outras formas graves de violência, incluindo o tráfico transfronteiriço para fins de exploração sexual.

Estas práticas ocorrem tanto nas áreas de origem, funcionando como factor de expulsão, como nos locais de refúgio, onde a insegurança e a presença de redes criminosas mantêm elevada a probabilidade de novos abusos. A ONU alerta que esta ameaça persistente impede o regresso das vítimas às suas casas e aprofunda os ciclos de deslocamento, exclusão social e perda de identidade comunitária.

Um padrão global alarmante

A situação moçambicana insere-se num quadro continental e global que, segundo a ONU, merece alarme. O relatório abrange mais de 20 países — da República Democrática do Congo ao Sudão, do Haiti a Mianmar — onde se registam padrões semelhantes de violência sexual usada como arma de guerra, tortura, terrorismo ou repressão política.

As modalidades documentadas incluem violações, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, aborto forçado, esterilização forçada e casamento forçado, praticadas tanto por forças estatais como por grupos armados não estatais, incluindo organizações designadas como terroristas pelo Conselho de Segurança.

Em África, para além de Moçambique, o relatório destaca situações de violência sexual generalizada em Burkina Faso, Nigéria, Somália e Sudão do Sul, apontando que mulheres e raparigas deslocadas continuam a ser alvo preferencial de traficantes e combatentes, mesmo dentro ou nas imediações de campos de refugiados.

Impunidade como regra

O documento salienta que, na maioria dos contextos analisados, a impunidade continua a ser a norma. A insegurança, a estigmatização social e a ausência de serviços especializados impedem as sobreviventes de denunciar os crimes ou de aceder a cuidados médicos e apoio psicológico.

Este défice de responsabilização, aliado à fragilidade dos mecanismos de protecção, perpetua um ambiente em que a violência sexual é vista como táctica viável pelos perpetradores. Embora não apresente um capítulo isolado sobre Moçambique, as recomendações gerais são directamente aplicáveis ao país: integrar a prevenção e resposta à violência sexual nos processos de paz e segurança, garantir financiamento estável para serviços de apoio, reforçar a recolha de dados, excluir autores de crimes sexuais das forças de segurança e assegurar a responsabilização judicial efectiva.

Apelo à acção imediata

O relatório insiste que a violência sexual em conflitos não deve ser vista como efeito colateral, mas como estratégia calculada com objectivos militares, políticos e económicos. No caso de Cabo Delgado, esta estratégia agrava o já complexo cenário de violência armada e crise humanitária, exigindo respostas coordenadas — nacionais e internacionais — que ultrapassem a mera ajuda de emergência e enfrentem directamente as causas e os actores da violência.

Ao incluir Moçambique entre os contextos de maior preocupação, a ONU reforça o alerta de que, sem uma acção robusta e sustentada, comunidades inteiras continuarão a viver sob a ameaça de crimes que destroem vidas e perpetuam ciclos de medo, deslocamento e instabilidade — muitas vezes longe dos olhos da opinião pública ou ocultados do debate nacional.

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