– Quem deve escolher lobistas e empresários para estarem próximos ao PR?
Com o início de um novo ciclo de governação em Moçambique, liderado por Daniel Chapo, reacende-se na sociedade o debate sobre o “lobbismo” e a influência dos grupos económicos na governação, que, muitas vezes, em contextos de transição, desencadeia lutas para manter ou conquistar posições privilegiadas. Espevitado por este debate, Dossiers & Factos traz exemplos de países bem avançados em termos democráticos, a fim de mostrar que o fenómeno não é exclusivo de Moçambique e, ao mesmo tempo, convidar a sociedade a reflectir sobre quem serão os players de Daniel Chapo, olhando para aquilo que vem apontado como a linha orientadora do seu Governo – o alcance da independência económica.
Texto: Mudumela Macassane
A história política mundial mostra que os Governos não conduzem sozinhos, numa estrutura isolada, os destinos das nações. Sejam democráticos ou autoritários, os Executivos necessitam de aliados estratégicos que lhes garantam influência, legitimidade e capacidade de concretizar os respectivos programas, como defende Henry Kissinger, antigo secretário norte-americano e um dos nomes mais respeitados da diplomacia mundial.
Não raras vezes, esses aliados não se encontram apenas no campo partidário, mas entre grupos económicos e lobistas que, por sua vez, também procuram tirar proveito da proximidade ao poder para fazer valer os seus próprios interesses, através do exercício de influência no processo de tomada de decisões políticas, como indica a própria definição de lobbismo.
De resto, em diversos contextos, os grupos de lobbies, que, às vezes, também são económico-empresariais, estruturam grandes máquinas para garantir a vitória dos “seus” candidatos e, por via disso, assegurarem o alcance dos seus objectivos. Nesse sentido, um dos exemplos mais elucidativos apontados nos últimos tempos é o de Elon Musk, bilionário que foi o principal financiador da campanha eleitoral de Donald Trump, tendo ainda dirigido, por curto período, o Gabinete de Eficiência Governamental. Como fruto da sua influência nos corredores da Casa Branca, o bilionário conseguiu, de acordo com a imprensa internacional, “contratos substanciais” nas áreas de defesa, infra-estrutura digital e inteligência artificial.
Ao contrário de Biden, que, de acordo com o The Wall Street Journal, foi fortemente influenciado por lobistas do meio ambiente, Trump parece estar mais susceptível à influência dos “barões” das big techs, Jeff Bezos (Amazon), Mark Zuckerberg (Meta) e o próprio Musk (Tesla, SpaceX e xAI), que, aliás, mereceram destaque na cerimónia de investidura do actual Presidente americano.
Na América Latina, a dança de parceiros económicos e lobistas também tem sido uma realidade, dadas as constantes mudanças de regimes. No Brasil, por exemplo, o Governo de Jair Bolsonaro, hoje em prisão domiciliária por alegada tentativa de golpe de Estado na sequência da derrota eleitoral em 2022, firmou uma sólida aliança com o sector do agronegócio e com grupos evangélicos, grupos de lobbies que cresceram tanto a ponto de terem representação no Congresso Nacional.
No entanto, a preponderância destes sectores perdeu algum peso com o regresso de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, que voltou a dar centralidade a sindicatos, movimentos sociais, industriais e ambientais com os quais historicamente se relaciona através do Partido dos Trabalhadores (PT). A viragem de rumo parece ser um exemplo claro de como a mudança de regime implica igualmente a troca dos actores que se sentam mais perto da mesa do poder.
Moçambique não foge à regra
Moçambique, apesar de viver sob a governação contínua da Frelimo desde a independência proclamada em 1975, também apresenta movimentos internos neste tabuleiro político-económico. A diferença não se dá tanto pelo partido no poder – que é o mesmo –, mas pelas figuras e correntes que lideram em cada momento. Joaquim Chissano, Armando Guebuza e Filipe Nyusi tiveram redes distintas de aliados, num país onde há uma percepção generalizada de que não existem empresários de facto, apenas lobistas.
Dito isto, parece ser claro que, durante o reinado de Joaquim Chissano (1986–2004), fortemente marcado pela introdução da economia liberal sob orientação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM), os lobistas que actuaram junto de si terão estado mais virados para a facilitação da aquisição de activos do Estado, com destaque para as unidades industriais que, no passado, fizeram de Moçambique uma referência em diversos sectores.
Por sua vez, Armando Guebuza (2005–2015) presidiu o país sob a bandeira do combate à pobreza, com uma forte aposta na indústria extractiva, infra-estruturas, transporte e logística, o que abriu espaço para a ascensão de lobistas nestas áreas, actuando não apenas para a implementação directa de projectos, mas para garantir contratos a empresas nacionais e estrangeiras, com destaque para as chinesas.
Provavelmente por isso, muitos analistas consideram que Guebuza, autor da frase “não podemos ter medo de ser ricos”, consolidou um modelo de acumulação interna de capital, colocando a elite empresarial moçambicana mais próxima do centro do poder político do que em épocas anteriores.
No entanto, se por um lado é fácil para muitos observadores da política moçambicana identificar o mote de governação de Chissano e Guebuza, o mesmo já não acontece com Filipe Nyusi, havendo até quem considere que o quarto Presidente da história de Moçambique nunca apresentou uma ideia clara sobre o que pretendia alcançar.
Seja como for, isso não impediu que se rodeasse por lobistas que terão garantido o crescimento exponencial de algumas empresas em Moçambique. Entre os exemplos mais citados está a Mahindra, que se tornou fornecedor oficial de viaturas de patrulha para a Polícia da República de Moçambique.
E agora, quem são os players de Chapo?
Em bom rigor, a relação entre o poder político e económico não é um traço exclusivo de Moçambique. É um fenómeno global, estudado por académicos e registado em relatórios internacionais de think tanks, como a Brookings Institution ou o Chatham House, que assinalam a inevitável simbiose entre Estados e grupos privados. O que muda, de país para país, é a intensidade dessa relação, o grau de transparência e, sobretudo, a lista de nomes que, a cada ciclo, se tornam indispensáveis ao poder.
Em função disso, é mundialmente encarado como normal que cada líder procure ter perto de si os grupos que melhor respondem à sua estratégia e propósito. No caso de Daniel Chapo, o lema é a independência económica, o que poderá indiciar alianças ou relações próximas com empresários ou lobistas ligados ao sector financeiro, assim como às áreas tidas como mais determinantes para o crescimento económico do país, com destaque para a indústria extractiva. Mas quem serão, em concreto? Observadores atentos ouvidos pelo jornal entendem ser difícil identificá-los, visto que o país ainda se encontra em período descrito como de transição, com o novo status quo a assentar as suas bases.
Todavia, entendem que, em nome da transparência e com vista a proteger o bom nome do Governo perante as típicas lutas de grupos de interesses que marcam esses períodos, não seria mau, de todo, que o Chefe de Estado, querendo, apresentasse publicamente os empresários e lobistas com os quais terá decidido trabalhar mais proximamente para o alcance dos objectivos estratégicos do Executivo que lidera, enfatizando que o PR deve ser livre de escolher com quem deseja trabalhar, e não depender totalmente de orientações partidárias.