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JOÃO MACHAVA: “Ossufo vai sair, nem que tenhamos de ir às últimas consequências”

– “Estamos a controlar uma coisa de seis a sete províncias”

“Somos como cães da raça pitbull: quando mordemos, não largamos”, adverte João Machava, porta-voz dos guerrilheiros da Renamo que se dizem “marginalizados” e que responsabilizam Ossufo Momade pelas acções de contestação no seio da “perdiz”. Em entrevista exclusiva ao Dossiers & Factos, Machava acusa o actual líder de gerir o partido como “propriedade privada”, de violar os estatutos e de aprofundar divisões entre guerrilheiros do Norte e do Sul. Mobilizando já mais de 10 mil apoiantes — entre desmobilizados, membros e até quadros da Comissão Política —, o grupo promete não recuar enquanto Momade não deixar a presidência. “Ele só tem cabeça para pôr chapéu, não para pensar. A incompetência dele é natural”, dispara, acrescentando que o próprio Afonso Dhlakama teria advertido para que Momade nunca assumisse o cargo. Entre denúncias de compra de lealdades, cortes de subsídios e má gestão do DDR, o grupo, que alega ter controlo em pelo menos seis províncias, garante que a luta só terminará com a retirada de Momade e a ascensão de uma nova liderança antes das próximas eleições.

Texto: Milton Zunguze

Dossiers & Factos (D&F): João Machava, como ponto de partida, como é que está a decorrer o vosso trabalho?

João Machava (JM): O nosso trabalho está a decorrer bem, apesar de algumas situações ocorridas em NacalaPorto. Estamos a controlar, até porque todas as vítimas mortais e feridos são pessoas que apoiam Mafuta, não pertencem ao nosso grupo. Ainda assim, lamentamos profundamente, porque são membros da Renamo e, acima de tudo, são vidas que se perderam.

D&F: Vocês lutam apenas pela saída de Ossufo Momade ou têm outras preocupações?

JM: Não! A nossa preocupação é a retirada dele, ele tem que se retirar, porque está a gerir mal o partido. Ele gere o partido como se fosse sua propriedade privada.  

D&F: Quantos guerrilheiros e membros participam nesta luta contra a actual liderança?  

JM: Estamos inseridos no próprio processo e, embora ainda não tenhamos um número exacto, já ultrapassamos os 10 mil em todo o País, entre desmobilizados, membros, quadros e até alguns integrantes da actual Comissão Política. Muitos desses membros não encontram forma de se manifestar. Nós, porém, somos como cães da raça pitbull: quando mordemos, não largamos. Continuamos em frente, porque esta não é apenas a nossa preocupação, é a preocupação de muita gente.  

D&F: Existem duas alas de guerrilheiros, há a ala que reconhece a actual liderança, e há a vossa ala que não o reconhece. Porque é que há divergências entre homens que vêm das mesmas fileiras?

JM: Antes de ser eleito, em 2019, ele criou isso no Estado-Maior, na Gorongosa. Pessoas da Zambézia para cima (Norte) eram tratadas como filhos e pessoas da Zambézia para cá (Sul) eram tratadas como enteados no Estado-Maior. E, quando foi eleito, fez aquilo que nós todos vimos: despromoveu o quadro do Estado-Maior, começou a prender outras pessoas, alegando que tinham roubado dinheiro, uma acusação infundada. O problema começou ali. Mas, mesmo agora, há muitos desmobilizados, muitos membros de Nampula, Zambézia, Niassa e Cabo Delgado que estão a ver que ele não faz nada e dizem claramente que não está a fazer nada, mas quem criou essas alas foi ele. Um bom chefe não usa dinheiro, um bom chefe usa capacidade. Aqueles desmobilizados que nós vimos, que aparecem, esses são comprados. Mas, se ele tem dinheiro, por que não dá a todos os desmobilizados?

D&F: E quando dizem que Ossufo Momade está fora das directrizes do partido, o que pretendem transmitir concretamente, pois o que sabemos é que o mesmo foi eleito no VI Congresso…?  

JM: Temos linhas orientadoras do partido, que são os estatutos. Esse é o primeiro ponto: ele não cumpre com os estatutos. Hoje estamos em Agosto e ainda não foi convocado o Conselho Nacional. Mas estamos a perceber que ainda se quer alinhar com as províncias. Por isso, já há nomeações de delegados provinciais, distritais e chefes das ligas, para que haja um alinhamento, para que cheguem ao Conselho Nacional e o apadrinhem, legitimando-o como sendo um bom presidente.

D&F: E não é?  

JM: Não é, um bom presidente ele não é!

“Dhlakama disse “se Deus me levar, não ponham este homem (Ossufo Momade) na presidência”

D&F: Mas, há vozes que dizem que o Ossufo Momade foi indicado pelo falecido presidente da Renamo, Afonso Dhlakama. Não estarão vocês a desrespeitar a vontade de Dhlakama?

 JM: O que o saudoso disse na Gorongosa, em 2012, foi o seguinte: mandou-o levantar, ele levantouse e afirmou que, se por acaso Deus o levasse, não poderiam escolher este senhor para ser presidente. O saudoso avisou-nos, só que não demos ouvidos.  

D&F: Apresentou as razões?  

JM: Porque ia aumentar a barriga dele, e é o que todo mundo está a assistir.

D&F: Há quem diga que vocês estão sob influência dos ex-candidatos à liderança da Renamo. Que resposta tem a dar a essas pessoas?

JM: É com muita pena que circulem estas informações, porque as pessoas visadas também são membros da RENAMO, mas ainda não nos deram nem 500 meticais. Nós estamos a trabalhar com o nosso suor; a maior parte dos desmobilizados tem as suas pensões. Embora sejam migalhas, é aquele dinheiro que a pessoa sacrifica à sua família para desempenhar o trabalho do partido.

“Ossufo cortou subsídios dos delegados”

D&F: Esta confusão não terá contribuído para os últimos resultados eleitorais?

JM: Bom, os resultados das eleições são uma parte; a má gestão do DDR é outra. Aquele senhor tem muitos problemas: não presta contas ao partido. Ser presidente não é ser dono. Quando ele assumiu a liderança da RENAMO, todos os delegados distritais e provinciais tinham subsídio. Todas as delegações distritais e provinciais tinham fundo de funcionamento para que o partido pudesse operar. Mas, quando ele entrou, cortou esses subsídios, alegando que pretendia ajudar os colegas que ainda estavam no mato. Contudo, já saímos todos; ninguém mais está no mato. Por que não dá subsídio aos delegados? Por que não dá fundo de funcionamento às províncias e aos distritos? Como é que vão trabalhar? 

D&F: Recentemente, houve uma manifestação na cidade de Maputo, junto à Sede Nacional do partido, que levou ao encerramento das actividades no local e à intervenção armada da Polícia da República de Moçambique (PRM), resultando em feridos e detenções. Qual é a situação actual dos vossos colegas envolvidos nesse episódio?  

JM: Os feridos são cinco, mas, desses cinco, dois foram graves; contudo, mesmo esses dois estão bem.  

D&F: Sentem que esta medida de encerrar as delegações vai surtir os efeitos desejados?  

JM: Sim! E vai continuar. Por isso, queremos convocar os desmobilizados, os membros influentes e todos para uma reunião nacional.  

D&F: Vai continuar por quanto tempo?  

JM: Não posso determinar, isto aqui é uma reivindicação, uma reivindicação que não tem prazo de validade. Vai continuar até termos uma Reunião Nacional.

D&F: Mas a Renamo já disse não haver fundos para tal…  

JM: Não é por falta de fundo. Se hoje ela convocar o Conselho Nacional e disser que as pessoas vão para Nampula com o seu dinheiro, iremos; queremos resolver o problema do partido, portanto não há razão para dizer que não há fundo. Nós estamos para convocar uma reunião nacional de quadros de todos os níveis, incluindo desmobilizados, mas não temos fundo.

D&F: Têm em mente um candidato à liderança da Renamo?  

JM: Bom, o nosso objectivo agora não é ter candidato; nós não temos candidato. Queremos apenas ver os problemas resolvidos dentro do partido. Qualquer um que concorra e ganhe, há-de ser o nosso presidente, desde que não seja Ossufo Momade.

D&F: Não acham que Ossufo já espalhou a sua filosofia?  

JM: Não, a incompetência dele é natural, ele só tem cabeça para pôr chapéu, não tem cabeça para pensar.

D&F: Como é que conseguem coordenar com os mais de 10 mil desmobilizados que trabalham convosco?

JM: Bom, nós somos um grupo que tem coordenação em todas as províncias; cada província coordena o seu elemento. Temos um fórum onde nos reunimos para fazer o balanço. Portanto, não há um chefe único; cada província tem o seu coordenador, que coordena a província. Nesse fórum próprio, os dez membros reúnem-se.

D&F: E de lá para cá, qual é o balanço que faz destas vossas reivindicações?  

JM: Muito positivo, mas muito positivo.

“Estamos a controlar seis a sete províncias”

D&F: Quais são as conquistas?

JM: Estamos a controlar uma coisa de seis a sete províncias.

D&F: Quais são essas províncias?

JM: Não. Não posso avançar, se não vou estragar o esquema, mas estamos a controlar uma coisa de seis a sete províncias.  

D&F: Caso não alcancem o vosso principal objectivo, o que é que o partido, assim como os moçambicanos, podem esperar de vocês?  

JM: Os moçambicanos devem esperar uma coisa boa na Renamo. Nós vamos até às últimas consequências, aquele senhor há-de sair.

D&F: Poderemos ter uma nova liderança para as próximas eleições?  

JM: Sim.

D&F: Há garantias?  

JM: Há garantias, sim!

D&F: A hipótese da existência das armas no seio da Renamo, mesmo com o fim do processo da DDR, é verídica?  

JM: Não! Não temos armas.

D&F: Já agora, como avalia este processo?

JM: Bom, há pessoas que confundem as coisas, pensando que as reivindicações são por causa do DDR. Se fosse DDR, os membros não se envolveriam. Mas essas reivindicações decorrem da má liderança. As pensões estão a sair daquela maneira mesmo.

D&F: Mesmo para vocês que estão nesse processo de reivindicação?  

JM: Sim, o dinheiro não sai do partido, o dinheiro que não sai do partido, vem do Estado. E nós não estamos contra o Estado, estamos contra a liderança do partido.  

D&F: E como é que olhou para o envolvimento da UIR na sede do partido, aquando das vossas reivindicações?  

JM: Aquilo foi mau. Quando chegaram, disseram que o presidente da RENAMO estava no Comando-Geral e que o Comando-Geral tinha organizado uma sala, um lugar seguro. Nós respondemos que, para nós, o sítio seguro é aqui, na Sede Nacional, que é a nossa casa, onde todos os nossos problemas têm sido resolvidos. E, como não houve pronunciamento do Presidente da República, ainda não entendemos bem, até agora, por que ocorreu aquilo. Mas já enviámos uma carta para o Comando-Geral e para o ministro, porque este é um assunto interno. Nós não estamos contra o Estado; não fizemos manifestações de rua que pudessem paralisar estradas. Paralisámos, sim, as nossas casas, as nossas delegações, porque somos filhos dessas casas, e aí tem que haver ordem.

D&F: Mas a liderança diz que não vos reconhece…  

JM: Aquele reconhece-nos muito bem; talvez não reconheçam as nossas reivindicações. Por isso, está a tentar criar grupos nas províncias e a enviar dinheiro para comprar membros, que, no Conselho Nacional, irão apadrinhar como sendo um bom presidente, porque ele sabe muito bem que não está a fazer nada. 

D&F: Há possibilidades de vocês entrarem nesse conselho? 

JM: Não sei. Mas, se não entrarmos e resolverem o problema, para nós não será nada, porque o problema é ele sair. Se ele não nos convocar depois de não sair, o problema vai agravar-se. Até porque o problema não é o Conselho Nacional; o problema é o Conselho Nacional alargado para resolver a questão, que é ele sair, ponto final.

D&F: Como era a vossa relação com o presidente Dhlakhama?  

JM: Muito boa.

D&F: Tem algo por acrescentar?

JM: Bom, a outra coisa a acrescentar é a entrevista do general Bobo. Aquela entrevista parece ser de alguém que está na RENAMO há dois ou três meses; não parece ser a entrevista de um general daquele calibre. Mas nós perdoámo-lo: ele está a defender a amizade que tem com Ossufo. Nós não vamos parar de trabalhar; vamos continuar. Ossufo tem que sair, porque já nos reunimos com Bobo na Sede Nacional e ele prometeu voltar e trazer uma solução, mas ainda não voltou. Quando ligamos para ele, não atende o telefone. Nós não começamos por ocupar as delegações; fizemos uma carta, que não foi respondida. Sentámo-nos com Bobo e com a Clementina Bomba, mas não houve solução. Fizemos outra carta, que também não foi respondida. Depois, enviámos a terceira e a quarta, e nenhuma foi respondida.

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