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EDITORIAL De: Anarquia nas estradas e o domínio dos “chapeiros”

Na quinta-feira, a equipa do Dossier Económico presenciou um episódio que deveria servir de alerta para todos nós. Um transportador semicolectivo de passageiros, que opera a rota Museu–Machava Socimol, foi confrontado na estrada que liga Malhampswene a 15 km de Maputo. O condutor, fora de serviço, transportava apenas membros da sua família para um evento alusivo ao feriado, mas acabou por ser impedido de prosseguir pelos seus pares.

Os transportadores que operam a mesma rota não lhe deram ouvidos. Obrigaram os ocupantes da viatura a descer, acusando-o de invadir a rota alheia, chegando mesmo a ameaçar perfurar os pneus do veículo. O que poderia ser um simples acto de solidariedade familiar transformou-se num episódio de intimidação, revelador de uma situação caótica e preocupante nas estradas da capital.

Este episódio não é isolado. Ele reflecte uma realidade instalada há anos: a ausência de fiscalização eficaz e de regras claras criou um ambiente em que os transportadores informais, os chamados “chapeiros”, ditam as próprias leis. São eles que definem quem circula, quais rotas são válidas, quanto se cobra e quando bloqueiam vias públicas.

O fenómeno dos “chapeiros” não é apenas um problema de desordem urbana; é um problema de segurança pública. Passageiros são intimidados, motoristas coagidos e acidentes potencialmente graves tornam-se cada vez mais frequentes. Tudo isto ocorre à vista e à revelia das autoridades, que se limitam a observar, muitas vezes impotentes, este comportamento.

A lógica de ocupação das rotas, controladas por cada transportador, criou um mercado paralelo, pautado pela força e pelo domínio. Quem infringe estas “regras” não apenas arrisca prejuízos materiais, mas também vê a sua integridade física ameaçada. As famílias, como no caso recente, são pegas como reféns desta guerra velada nas estradas.

É evidente que a actual legislação e a actuação das autoridades não têm sido suficientes para regularizar o sector. A falta de fiscalização eficaz, associada à ausência de formação e disciplina entre os transportadores, fortalece a percepção de impunidade. E esta impunidade alimenta um círculo vicioso de abuso, intimidação e desordem.

Para os passageiros, a experiência de se deslocar na cidade tornou-se um acto de risco. O preço do transporte já não é definido apenas pela tabela oficial: cobra-se “extra” em função da ligação, da ocupação ou da pressa do condutor. O caos instalado reflecte-se na vida quotidiana, na produtividade, na segurança e até na confiança dos cidadãos nas instituições.

Não se trata apenas de um problema de transportadores; trata-se de um problema estrutural. A forma como o transporte informal foi sendo tolerado ao longo dos anos permitiu que regras paralelas substituíssem as normas legais. Cada intervenção tardia ou parcial reforça a sensação de que a lei é flexível e que o mais forte domina.

A responsabilidade das autoridades é clara: é urgente implementar medidas que controlem o sector, imponham regras e responsabilizem quem as infringe. Não se trata de eliminar o transporte semicolectivo informal, que é essencial para a mobilidade urbana, mas de criar um quadro regulamentar que assegure segurança, equidade e respeito pelos direitos de todos. Paralelamente, é necessário promover a educação cívica entre os transportadores. A prática de coagir passageiros ou colegas de rota revela não apenas uma falta de ética profissional, mas também uma ausência de consciência social. A disciplina deve ser ensinada e reforçada, de forma a que os transportadores informais percebam que não estão acima da lei.

A sociedade civil também tem um papel importante. A denúncia de abusos, a pressão sobre autoridades e a promoção de comportamentos éticos podem contribuir para quebrar o monopólio informal das estradas. O episódio de quinta-feira mostra que é possível registar abusos; o desafio é assegurar que tais episódios não se repitam impunemente.

Por fim, a reflexão é clara: permitir que os “chapeiros” se tornem os chefes da estrada é aceitar a anarquia. Se queremos cidades seguras, transporte eficiente e cidadãos protegidos, é indispensável restaurar a autoridade do Estado e criar condições em que a lei, e não a força, regule o sector. Só assim se poderá garantir mobilidade digna, segura e equitativa para todos.

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