Massingir continua a ser um retracto fiel da pobreza e da exclusão. Localizado na província de Gaza, fazendo fronteira a Oeste com a África do Sul, a Norte com Chicualacuala, a Este com Chókwè e a Sul com Magude, o distrito contava até 2023 com cerca de 40 mil habitantes. Grande parte desta população sobrevive em condições precárias, marcadas pela falta de água, insegurança alimentar, desemprego e uma luta diária contra a seca e contra ataques de animais bravios que colocam em risco a produção agrícola e a pecuária, duas das principais actividades económicas da região.
Texto: Milton Zunguze
A recente visita do Presidente da República, Daniel Chapo, a 17 de Setembro, trouxe esperança renovada, mas também expôs as feridas antigas de uma população cansada de esperar pela concretização de promessas. A equipa do Dossiers & Factos percorreu Massingir e testemunhou de perto a realidade dura das comunidades, onde o tempo parece não avançar e os problemas se repetem.
Durante a campanha eleitoral de 2024, Daniel Chapo prometeu colocar fim ao conflito homem–fauna bravia, apontado como um dos maiores entraves à vida dos massingirenses. Na altura, reconheceu os danos causados pelos ataques de elefantes, que devastam as machambas, e pelas incursões de leões e hienas, que dizimam o gado. “Queremos vedar o parque para evitar que esse problema prevaleça”, declarou em Setembro de 2024.
No entanto, oito meses após a sua tomada de posse, a situação permanece praticamente inalterada. Analço Cutane, chefe de uma das comunidades locais, considera o problema um verdadeiro “bicho-de-setecabeças”. “Agora, como estamos sem culturas agrícolas devido à seca, parece estar minimizado. Mas, quando tivermos produção nas machambas, o maior choque será a destruição provocada pelos animais”, afirmou com preocupação.
PNL: fonte de perigo
Grande parte dos ataques é atribuída ao Parque Nacional do Limpopo (PNL), cuja vedação ainda não está concluída. “É de lá que a maioria dos animais sai, chegando até Chókwè. Já transformaram aquela zona em habitat natural”, denuncia Cutane.
Em reservas privadas como Karingani e Massingir Safari a realidade é diferente: os animais raramente ultrapassam os limites porque nascem e crescem dentro das cercas. Mas no PNL, a ausência de vedação permite a circulação livre de elefantes, leões e hienas, colocando em risco a vida e os bens das comunidades que vivem dentro do parque e na zona tampão.
Desafios e avanços das comunidades
Apesar dos inúmeros constrangimentos, as comunidades de Massingir encontram pequenas válvulas de escape. Segundo Cutane, em algumas áreas a água é assegurada por um conservador que abre furos e distribui recursos. Existem também ajudas pontuais garantidas por projectos de responsabilidade social. No entanto, estas iniciativas estão longe de cobrir as necessidades reais.
“Em certos pontos, há conflitos por causa de atrasos na implementação de promessas e responsabilidades sociais. Mas também, temos algumas acções positivas, com pequenas ajudas que, mesmo sendo limitadas, beneficiam a população”, sublinha.
Em contrapartida, o cenário mais dramático é o da seca prolongada, que transformou Massingir num espaço quase inóspito. Árvores ressequidas, capim desaparecido e o chão duro denunciam a ausência de chuva há meses. As lagoas improvisadas pelas comunidades são partilhadas por pessoas e animais, e o movimento incessante de bidões e baldes em busca de água barrenta mostra até que ponto a sobrevivência está no limite.
O que se observou durante a viagem
Para além do conflito com a fauna bravia, as promessas de reabilitação de infra-estruturas sociais ainda não se concretizaram. A viagem entre a N221 e a R445, que dá acesso à vila de Massingir, é uma prova disso: buracos profundos, pontes em estado crítico e estradas onde o alcatrão já se separou da pedra e da areia tornam o percurso num tormento diário.
Ao longo da visita, a sensação foi de abandono. No coração de Gaza, Massingir parece esquecido pelo Estado. O ambiente de carência é visível em cada metro percorrido. Homens, mulheres e crianças percorrem longas distâncias para chegar às lagoas improvisadas e partilhar a pouca água disponível com o gado.
A seca não dá tréguas. O cenário é de um território suspenso no tempo, onde a natureza deixou de oferecer sinais de vida e a população se vê obrigada a sobreviver com o mínimo. Recentemente, a chefe do Departamento de Segurança Alimentar na Direcção Provincial de Agricultura e Pescas de Gaza, Clemência Chirrute, alertou que cerca de 65 mil pessoas estão em risco de enfrentar fome severa. A fraca produção agrícola, as mudanças climáticas e a escassez de insumos agravam a vulnerabilidade de famílias já empobrecidas.
Entre a esperança e a frustração
Massingir é hoje um símbolo das promessas adiadas. A população mantém-se resiliente, mas sente que o Estado vira as costas a problemas que se arrastam há décadas. As palavras do Presidente trouxeram esperança, mas as comunidades aguardam, com crescente impaciência, por soluções concretas para a seca, o conflito com animais bravios e a melhoria das infra-estruturas sociais.
Enquanto isso, Massingir continua à mercê da fome, da falta de água e dos ataques da fauna bravia — uma terra esquecida, onde o quotidiano é uma luta pela sobrevivência.
Grupo AMAN, um sopro de esperança
Se a seca, a pobreza e o conflito homem–fauna bravia marcam o quotidiano de Massingir, a entrada do grupo hoteleiro internacional Aman Group em Moçambique surge como um sopro de esperança para a região e para o turismo nacional. Anunciado pelo Presidente da República, Daniel Chapo, o investimento é considerado um dos mais transformadores da última década, colocando o país no circuito internacional de turismo de luxo e criando novas oportunidades para comunidades que, até aqui, se habituaram a viver na margem da sobrevivência.
O projecto âncora será o Aman Karingani Hotel, a erguer-se na reserva nacional de Pomene, em Inhambane, num investimento avaliado em centenas de milhões de dólares, envolvendo parceiros estratégicos como a Karingani Holding Company e a Impact Preservation Partners. Mais do que uma unidade hoteleira, o empreendimento já se traduz em mudança concreta: foram criados mais de 400 empregos, implantados seis sistemas de abastecimento de água, erguidas unidades sanitárias e distribuídos equipamentos agrícolas às comunidades. Jovens moçambicanos foram enviados para a África do Sul, onde receberam formação em hotelaria e gestão da vida selvagem, regressando agora para aplicar os novos conhecimentos.
O impacto não se limitará a Inhambane. O Governo já manifestou interesse em requalificar o aeródromo de Massingir, transformando-o numa porta de entrada para turistas internacionais e num pólo logístico para a exportação agrícola. A barragem de Massingir também será integrada na cadeia de valor, servindo para a produção de energia, abastecimento de água e reforço do corredor turístico Mapinhane–Pafuri. O objectivo é claro: ligar a savana ao mar, a conservação à cultura, e fazer do turismo uma alavanca para agricultura, indústria e educação.
O CEO da Karingani Game Reserve, Paul Milton, revelou que já foram aplicados 7 milhões de dólares em infra-estruturas críticas, incluindo 25 km de linhas de energia e água captada directamente da barragem de Massingir, garantindo não apenas a sustentabilidade do hotel, mas também benefícios directos às comunidades vizinhas. A electricidade, assegurada por uma linha de 33 kV ligada à rede nacional, representa outro passo para o desenvolvimento regional.
Aman Group escolhe Moçambique como primeiro destino na África Subsaariana e, nas palavras do Presidente da República, “não é apenas um hotel, é um projecto que já está a transformar vidas”. Para as comunidades de Massingir, tão castigadas pela fome, seca e isolamento, este investimento surge como a possibilidade de ver finalmente as promessas de desenvolvimento saírem do papel e se traduzirem em realidade palpável.