A guerra em Cabo Delgado poderia ter sido evitada se o Governo tivesse criado mais oportunidades de emprego e ouvido as vozes que, durante anos, ecoavam do Norte. A afirmação é do investigador e professor Joseph Hanlon, docente na Universidade de Londres, durante a Conferência dos 50 anos de Paz, organizada pela OMR, a 7 de Julho, em Maputo. O encontro procurou traçar um retrato do desenvolvimento do País meio século após a assinatura dos Acordos de Paz e questionar o rumo seguido por Moçambique nas áreas da economia, política e justiça social.
Texto: Dossier económico
O evento, que contou com a participação de representantes da sociedade civil, decisores políticos nacionais e internacionais, académicos e empresários, trouxe à luz os desafios e conquistas do País não só a nível económico, mas também político e social.
Nessa senda, Joseph Hanlon, professor que tem estudado todas as eleições multipartidárias realizadas em Moçambique e analisado a situação de tensão em Cabo Delgado, foi peremptório ao afirmar que a violência no Norte poderia ter sido atenuada se o Presidente tivesse escutado as preocupações dos habitantes locais.
“Nyusi chamou os ruandeses para combater os terroristas, mas recusouse a dialogar com eles. E, porque não falou com os insurgentes, não ouviu a sua mensagem. Tudo o que eles queriam eram empregos”, afirmou Hanlon, acrescentando que essa mensagem “não se ouve apenas em Cabo Delgado”.
“A revolta no Norte é apenas o sintoma de um mal nacional. O coro dos manifestantes no período póseleitoral é o mesmo dos insurgentes em Cabo Delgado: eles querem emprego e um futuro digno.”
“Após 50 anos, qualquer estrangeiro que olha para o País vê que colapsou”
Esta é a análise de um professor e investigador que escreve sobre Moçambique desde 1978. O seu olhar crítico vai além das fronteiras nacionais e alcança as estruturas globais que, segundo defende, continuam a moldar o destino do País.
Entre os principais problemas que identifica, estão a desigualdade crescente, a concentração do poder político nas mãos de uma elite corrupta e a ausência de uma verdadeira democracia.
No diagnóstico económico, Hanlon é particularmente incisivo. Para ele, as reformas impostas a Moçambique e a outros países que saíram da órbita do ex-Bloco Comunista constituíram uma “terapia de choque” — uma combinação de austeridade, liberalização extrema e incentivo à ganância.
Essas políticas, segundo o académico, deram origem ao que chama de “segunda colonização”. Hanlon compara as reuniões do G7 de 1991–1992 à Conferência de Berlim, afirmando que, se esta última determinou a partilha colonial de África no século XIX, aquelas fixaram os contornos da nova dependência económica do continente no século XXI.
Hanlon considera um erro histórico o processo de privatizações em massa conduzido sob influência do FMI e do Banco Mundial, instituições que, afirma, aplicaram uma terapia de choque para “empurrar Moçambique a tornar-se um país oligárquico e endividado”.
“Quando os bancos foram privatizados, foram saqueados e acabaram por colapsar. É curioso notar que o Banco Mundial declarou oficialmente que a pvrivatização dos bancos foi satisfatória. Foi — para eles — porque, mesmo que os bancos tenham falido, pelo menos foram privatizados”, ironizou o académico.
Governo e povo de mãos dadas
Apesar das duras críticas às reformas económicas que, no seu entender, transformaram Moçambique numa nova colónia, Joseph Hanlon não considera o País um caso perdido. O professor britânico acredita que ainda há espaço para uma viragem positiva, desde que o Estado desenvolva maior capacidade de escuta e diálogo com a sociedade.
Durante a sua intervenção, Hanlon defendeu que a instabilidade e os conflitos armados em algumas regiões não devem ser entendidos apenas como fenómenos militares ou religiosos, mas como reflexo de uma profunda desconexão entre o poder político e as comunidades locais.
“Moçambique não consegue combater um punhado de insurgentes porque eles têm o apoio das populações locais — e o Estado não”, observou.
Para o investigador, o País “colapsou” não por uma decisão autónoma, mas por influência de entidades internacionais que o mergulharam em dívidas silenciosas e num modelo económico excludente.