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PREDOMINÂNCIA DO ARTISTA ESTRANGEIRO VS NACIONAL: Fim da hegemonia externa e ascensão do nacional

Por longos anos, os fazedores da música moçambicana queixaramse da fraca valorização do seu trabalho, afirmando repetidas vezes que, independentemente da qualidade ou da superioridade das suas obras, o artista estrangeiro era sempre mais ovacionado, enquanto o nacional era visto como uma migalha. Contudo, nos últimos tempos, a música moçambicana tem vindo a viver uma fase de ascensão notável. Multiplicam-se os espectáculos com lotação esgotada, compostos exclusivamente por artistas nacionais, contrariando a antiga crença de que um cartaz de sucesso precisava incluir nomes vindos de fora. Percebe-se claramente que os músicos moçambicanos conseguiram conquistar o seu próprio público, e que há espaço para os diferentes géneros e estilos, visto que a adesão cresce a cada evento.

Texto: Hélio de Carlos

Durante longos anos, manteve-se uma tensão entre cantores, promotores e consumidores, num ambiente em que os artistas se queixavam da fraca adesão e da falta de valorização do seu trabalho, acusando os promotores de priorizarem artistas estrangeiros. Hoje, o cenário mudou de forma visível. Multiplicamse os eventos compostos exclusivamente por músicos moçambicanos — e todos eles enchem as salas e os estádios.

Descrito como o “Chipande” desta nova fase da cultura nacional, Hot Blaze foi um dos primeiros a provar que é possível lotar um espectáculo com um cartaz formado apenas por artistas locais. O seu concerto “O Sonho”, realizado no Estádio da Machava — hoje Estádio da Independência Nacional —, tornou-se um marco e símbolo de auto afirmação artística.

A verdadeira declaração da moçambicanidade: o RAP mostra a sua força

Durante muito tempo, os eventos de RAP eram conhecidos por atrair apenas pequenas multidões, e os próprios artistas resignavam-se à ideia de que o género não tinha mercado. Contudo, esta percepção tem vindo a mudar graças à dedicação de figuras como Allen Genises, CEO da RAPODROMO e exintegrante do grupo Classic La Familia.

A RAPODROMO, que durante anos teve como público maioritariamente masculino, transformouse num espaço de celebração colectiva. Hoje, atrai uma multidão diversificada e fiel, com eventos regularmente lotados. Pela primeira vez, a temporada de 2025 conta com a participação de duas gladiadoras, sinal de que o movimento está a crescer e a diversificar-se.

Hernâni da Silva faz jus ao título de “GOAT”

Hernâni da Silva Mudanisse, ou simplesmente “Goat” — The Greatest of All Time —, é hoje um dos nomes mais respeitados do RAP moçambicano. Com uma carreira pautada pela coerência, pelas letras de intervenção social e pela fidelidade à essência do Hip-Hop, Hernâni consolidou uma reputação sólida e um público fiel.

O seu espectáculo “The GOAT Show”, realizado no Desportivo de Maputo, lotou completamente o recinto e marcou um momento histórico para a música urbana moçambicana. O evento reuniu milhares de fãs e destacou-se pela sua dimensão simbólica, uma vez que o cartaz era composto cem por cento por artistas nacionais, integrando nomes da velha e da nova escola.

Num país onde raramente se viam concertos de RAP com grandes enchentes, Hernâni contrariou as estatísticas e demonstrou que o público está cada vez mais disponível para valorizar e consumir a produção artística nacional.

A noite em que milhares de fãs celebraram a boa música moçambicana ficou gravada como um momento de afirmação cultural e de emancipação simbólica do RAP nacional. Como resumiu um internauta, “este concerto foi mais do que um espectáculo musical — foi uma celebração cultural que comprovou que o RAP moçambicano já conquistou o seu espaço e tem força suficiente para encher estádios e auditórios”.

RAP moçambicano em progresso

O sucesso de “The GOAT Show” foi a prova viva da robustez e da maturidade da música moçambicana. Ao conseguir lotar um estádio com um concerto de RAP nacional, Hernâni mostrou que este género, outrora marginalizado, é hoje competitivo e capaz de rivalizar com outros ritmos populares.

A adesão maciça ao evento reflecte igualmente a evolução da indústria musical moçambicana, que se tem vindo a profissionalizar e a criar condições para que os artistas locais brilhem em igualdade de circunstâncias. “O sucesso do evento envia uma mensagem clara: a música moçambicana está viva, forte e preparada para alcançar novas fronteiras.”

O Pandza ainda vive e está em boa fase

O Pandza, ritmo que há anos teve como principais rostos Ziqo da Silva, Denny OG e o grupo “República do Pandza”, formado por DJ Ardiles e Mr. Kuka, volta a ganhar força com o jovem e já consolidado Hélio Beatz — o “rapaz de ouro” que assumiu o manto do género e lhe devolveu vitalidade.

O espectáculo “Vamos Encher o Coconuts”, realizado a 20 de Setembro, foi uma das maiores celebrações da música moçambicana do ano. O evento reuniu milhares de fãs no histórico espaço nocturno da capital e revisitou sucessos que marcaram gerações. Subiram ao palco lendas como Denny OG, DJ Damost, Ziqo e Marlene, todos eles associados à icónica Bang Entertainment. O público vibrou com a nostalgia e a energia do reencontro.

Pouco depois, Hélio Beatz voltou a surpreender ao lotar o seu próprio espectáculo “Pandza na Town”, também ele cem por cento moçambicano, levando os fãs ao delírio e mostrando que o género continua vivo. Carinhosamente apelidado de “Filho mais novo do Pandza”, Beatz tem sido o principal responsável por revitalizar o estilo, devolvendo-lhe o prestígio e a atenção que durante algum tempo se haviam perdido.

Em parceria com outros músicos, o artista realizou recentemente o evento “Pandza na Town”, que foi amplamente elogiado nas redes sociais. Os internautas aplaudiram-lhe a coragem e o profissionalismo, reconhecendo o papel que tem desempenhado na preservação e reinvenção da identidade musical moçambicana.

O renascer da música nacional

Durante décadas, os artistas estrangeiros dominaram os palcos moçambicanos, enquanto os músicos locais lutavam por reconhecimento e espaço. Todavia, eventos como “The GOAT” de Hernâni da Silva, “O Sonho” de Hot Blaze, “Pandza na Town” de Hélio Beatz e “Vamos Encher o Coconuts” demonstram que essa realidade está a mudar.

O impacto destes espectáculos vai muito além da música. Eles representam uma viragem cultural: os moçambicanos começam a reconhecer o valor dos seus próprios artistas e a dar-lhes o devido destaque. Mais do que concertos, são actos de afirmação colectiva e símbolos de uma nova consciência artística nacional

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