O Governo de Daniel Francisco Chapo, que em Agosto lançou uma “guerra aberta” contra as bebidas espirituosas de baixo custo, vulgo Xivotchongo, acaba de autorizar que o produto considerado altamente nocivo continue a ser comercializado por mais três meses. A decisão, tomada pela Inspecção Nacional das Actividades Económicas (INAE), sob o pretexto de evitar perdas económicas aos comerciantes, é classificada por vários sectores da sociedade como uma cedência inaceitável que põe o negócio à frente da saúde pública.
Texto: Dossiers & Factos
A medida, anunciada na quarta-feira, 15 de Outubro, concede um “período de graça” de 90 dias, até 15 de Janeiro de 2026, para que os agentes económicos possam vender os “stocks” existentes de bebidas alcoólicas, nomeadamente as de capacidade inferior a 500 ml. O anúncio surge praticamente uma semana após a entrada em vigor do Decreto n.º 31/2025, de 11 de Setembro, que aprova o novo Regulamento sobre o Controlo de Produção, Comercialização e Consumo de Bebidas Alcoólicas.
Shaquila Aboobacar Mahomed, inspectora-geral da INAE, justificou a decisão com a necessidade de uma “adaptação gradual às novas regras”, após vários pedidos nesse sentido, “sobretudo de agentes económicos que possuem produtos com capacidade inferior a 500 ml”.
Contradição perigosa: a “guerra” que dá tréguas ao inimigo
Esta posição do Governo é vista como profundamente contraditória e questionável. Se, por um lado, o Presidente Chapo e os mais altos escalões do poder declararam combatê-las sem quartel, a mesma administração estende agora um tapete vermelho para que, durante 90 dias, as fábricas e comerciantes continuem a disponibilizar o produto consensualmente reconhecido como um perigo à saúde. “A leitura que pode ser feita é de que o Executivo prefere entregar jovens à morte, desde que tal proteja os interesses comerciais das empresas que produzem isto”, lamentou André Munguambe, ouvido pelo Dossiers & Factos à margem da I Conferência Provincial de Educação sobre o Consumo de Álcool e Drogas por Alunos, havida a 15 de Outubro, nas instalações do Externato Ideias Válidas, Matola-Rio, distrito de Boane.
Por outro lado, a medida levanta diferentes pontos de interrogação. Teresa Samuel, ouvida no mesmo evento, questiona-se, por exemplo, com que base técnica e científica o Governo chegou à conclusão de que três meses seriam suficientes para escoar integralmente o “stock” existente? E, mais grave, que garantias concretas pode dar à população de que os produtores, perante esta abertura, não se vão aproveitar para intensificar a produção, inundando o mercado com ainda mais quantidade de um produto que se pretende erradicar?
“É certo que esta não é a primeira vez que o Executivo concede prazos alargados ao sector de bebidas alcoólicas, basta lembrar que a implementação da selagem, uma medida fiscal e de controlo de qualidade que não colidia directamente com a saúde pública, foi sucessivamente adiada por mais de um ano, sob pressão dos produtores. Ora, se naquele caso as delongas eram já difíceis de compreender, nesta situação, em que está em causa um produto comprovadamente tóxico e associado a danos físicos e sociais graves, a decisão de um “período de graça” é vista como incompreensível e moralmente indefensável”, critica
Refira-se que a nocividade destas bebidas, produzidas à base de etanol puro ou sintético, foi publicamente confirmada pelas autoridades de Saúde, conforme deu conta o porta-voz do Governo, Inocêncio Impissa, no final da 29ª sessão do Conselho de Ministros, a 27 de Agosto do ano em curso.
Esforços locais comprometidos
Objecto de duras críticas, a decisão da INAE tem ainda o condão de comprometer os esforços mais afincados de alguns dirigentes municipais que já tinham avançado com medidas concretas para banir o Xivotchongo. É o caso de Júlio Parruque e Abul Gafur, presidentes dos Conselhos Municipais da Cidade da Matola e da Vila da Matola-Rio, respectivamente.
Lembre-se que Abdul Gafur, após visitar uma fábrica de Xivotchongo, no início de Agosto, foi peremptório ao afirmar que “é preciso cortar o mal pela raiz”. Dito e feito, o edil anunciou o banimento da comercialização deste produto na sua circunscrição territorial e chegou a prometer linhas de apoio para os vendedores que colaborassem, parando as vendas.
Esta medida de Gafur, classificada como corajosa, é agora posta em causa pela autorização central que parece desvalorizar o perigo imediato que a bebida representa.
Futuro comprometido
Entretanto, mais do que a medida transitória em si, o debate em torno das bebidas produzidas à base de álcool etílico levanta ainda uma questão mais profunda: como permitiu o Governo, ao longo de anos, que estas bebidas fossem produzidas e comercializadas praticamente sem fiscalização, intoxicando uma geração de adolescentes e jovens?
Para uma boa franja da sociedade, parece claro que o futuro da economia, que agora se pretende proteger dos prejuízos dos comerciantes, depende da saúde das pessoas que futuramente se tornariam players importantes nas cadeias de produção e comercialização. Por isso mesmo, a medida, além de contraproducente, é vista como um desserviço ao próprio desenvolvimento económico do País.
Findo o período de “graça” a 15 de Janeiro, a INAE promete uma nova fase de fiscalização e penalização em coordenação com outras entidades do Estado. Até lá, a economia – alegada – continuará a valer mais do que a vida.


