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NA CAPITAL: POSTURA MUNICIPAL ALIMENTA ANARQUIA NOS TRANSPORTES: “Neste momento, a falta de licença não tem punição”

– Observação é da ATROMAP, que se queixa da proliferação de operadores ilegais

A cidade de Maputo vive uma crise crónica no sector dos transportes urbanos, marcada por congestionamentos intermináveis, sobrelotação de chapas e uma crescente desorganização no sistema de rotas. No centro da controvérsia está a ausência de mecanismos claros de licenciamento e fiscalização, que abriu espaço para a proliferação de operadores ilegais. O presidente da Associação de Transportes de Maputo (ATROMAP), Baptista Macuvele, numa entrevista exclusiva ao Dossier Económico, não poupou críticas às autoridades municipais, defendendo reformas urgentes que passam pela introdução de penalizações efectivas e pela criação de faixas exclusivas para transporte público.

Texto: Milton Zunguze

Segundo Macuvele, a situação do transporte em Maputo está longe de ser saudável, justificando com o que apelidou de “evasão” na área dos transportes pelos transportes ilegais, na capital moçambicana.

“A saúde do transporte a nível da cidade de Maputo não está a 100% boa, temos vários operadores que estão a operar ilegalmente, sob olhar impávido de quem devia fiscalizar”, afirmou.

Na visão da ATROMAP, a ausência de medidas concretas por parte das autoridades responsáveis alimenta uma anarquia no sistema. O resultado é sentido pelos utentes, que enfrentam diariamente atrasos, transportes degradados e disputas de espaço nas estradas.


Invasão das rotas e a fragilidade das posturas municipais

A associação gere 11 rotas principais a nível da capital, mas todas sofrem invasões por operadores clandestinos. Macuvele explica que a raiz do problema está nas lacunas das posturas municipais, em que o actual instrumento que rege o sector não pune quem não tem licença para exercer a actividade.

“Neste momento, por exemplo, a falta de licença não tem nenhuma punição. Foi uma situação omissa que aconteceu. As pessoas aperceberam-se disto e começaram a aproveitar-se. Basta comprar uma viatura e colocá-la na estrada, sem respeitar normas mínimas de segurança e qualidade”, denunciou.

Esse vazio legal, defende, fragiliza a autoridade da própria ATROMAP e mina qualquer tentativa de impor disciplina no sector. “O transporte tem de ser feito de forma organizada, com balizas claras do número de carros a operar em cada rota. Sem licenciamento, reina a indisciplina”, acrescentou.

O licenciamento como peça-chave da organização

Para a ATROMAP, a solução imediata passa pela aprovação, no município, de penalizações para quem opera sem licença. Baptista Macuvele insiste que o licenciamento não é apenas uma formalidade burocrática, mas a base para reorganizar todo o sistema.

“Primeiro o município tem de aprovar punições por falta de licença, depois começar a fiscalizar e penalizar. Só assim se desencoraja esta prática. Nessa altura, será possível determinar, rota por rota, quantos carros devem operar, garantindo que apenas os licenciados têm espaço”, sublinhou.

Várias tentativas de “licenciamento massivo”, promovidas pela edilidade com redução de requisitos, falharam porque os operadores não vêem vantagens. “Eles sabem que não lhes acontece nada se não se licenciarem. Daí que preferem continuar na informalidade, evitando impostos e regras”, lamenta.

Infra-estruturas saturadas e o dilema urbano

Outro factor que agrava o problema é a saturação das infra-estruturas, em que o crescimento desordenado do parque automóvel em Maputo ultrapassou a capacidade projectada da cidade.

“Não é possível derrubar prédios para alargar as estradas. Já não há espaço físico. O que resta é repensar a mobilidade de forma inteligente e inclusiva”, defende o presidente da ATROMAP.

Macuvele acredita que a organização do transporte colectivo pode, inclusive, reduzir o uso de carros pessoais. “Se houver um sistema de transporte de qualidade, muita gente vai preferir deixar o carro em casa, poupando combustível e dinheiro. Mas isso só será possível com licenciamento rigoroso e faixas exclusivas”, apontou.

Faixas exclusivas: a aposta para reduzir congestionamentos

Um dos pontos mais destacados por Baptista Macuvele é a necessidade urgente de implementar corredores exclusivos para o transporte público. Na sua visão, as faixas dedicadas seriam um divisor de águas para a mobilidade urbana.

“Se o transporte público tiver uma faixa exclusiva, vai fluir mais rapidamente em comparação com os carros particulares. Os que insistirem em levar viaturas pessoais vão enfrentar congestionamentos. Naturalmente, isso estimulará mais pessoas a usar chapas”, explica.

O projecto de introdução do BRT (Bus Rapid Transit), financiado pelo Banco Mundial, surge como esperança, prevendo a melhoria das estradas e a criação de uma linha dedicada ao transporte colectivo. Para Macuvele, trata-se de um passo decisivo para começar a resolver os congestionamentos crónicos da capital.

Motoristas vs transportadores: a desconexão interna

Macuvele também fez questão de clarificar um ponto frequentemente mal interpretado em momentos de greve: a diferença entre transportadores e motoristas. “O transportador é o dono da licença, não o motorista. Muitas vezes, quando há paralisações, falase dos transportadores, mas quem paralisou foram motoristas”, frisou.

Para ele, muitas paralisações são injustificadas e acabam prejudicando os passageiros, que são, em última instância, os verdadeiros patrões do sistema.

“Parar porque alguém foi autuado em local proibido não tem nexo. Isso não nos dignifica enquanto sector”, criticou.

Apesar das críticas e desafios, o presidente da ATROMAP mostrase optimista quanto ao futuro. Acredita que, com a aprovação das penalizações e a adesão ao licenciamento, será possível organizar o transporte urbano de Maputo.

“Numa actividade não licenciada, reina a desordem. Mas no dia em que isso mudar, estaremos a dar o primeiro passo para resolver os problemas estruturais do sector. Os operadores precisam perceber que sem licença não haverá espaço nas rotas. Quem não se adequar terá de procurar outras alternativas”, avisou.

Chamado à responsabilidade colectiva

No final, Baptista Macuvele lança um apelo duplo: um para as autoridades municipais, para que acelerem a aprovação das posturas que introduzam penalizações, e aos transportadores, para que adiram ao licenciamento antes que seja tarde.

“Estamos esperançados de que, em breve, o sistema estará organizado. O licenciamento é a acção-chave. A partir daí, tudo o resto se torna possível. O transporte público precisa ser digno, rápido e seguro. Só assim vamos devolver confiança aos passageiros e reduzir o caos na mobilidade da nossa capital”, concluiu

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