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EDITORIAL D&F: O espectro da intolerância e o desafio do diálogo nacional

O Diálogo Nacional Inclusivo, presentemente na sua fase de auscultação, ergue-se como um farol de esperança para uma nação cansada de conflitos e divisões. A sua finalidade declarada – a promoção da pacificação e da convivência harmoniosa – é um anseio que ecoa no peito de cada cidadão são. Contudo, a história recente do nosso país é pródiga em iniciativas semelhantes que, no final, se revelaram fogo-fátuo, consumindo recursos preciosos sem alterar a paisagem política doentia.

A questão fundamental que se coloca é se estamos, de facto, preparados para enfrentar o cerne da questão. O Diálogo arrisca-se a ser mais um exercício de retórica se não formos capazes de diagnosticar e tratar a doença que devora a nossa democracia: a intolerância política endémica. Esta intolerância, que se alojou nos partidos políticos como um vírus, é a mãe de todos os males que nos assolam.

Ela manifesta-se na prática sistemática da exclusão. Exclui-se o “outro” do espaço cívico, do acesso equitativo aos recursos e, de forma mais gravosa, do direito de ser uma escolha legítima para o eleitorado. A intolerância política é, no seu âmago, a negação da própria essência da democracia, que é o respeito pela vontade popular e pela alternância no poder.

Não podemos, nem devemos, esquecer que o que precipitou o país nos actos tenebrosos de Outubro de 2024 e nos meses que se seguiram – o próprio catalisador deste Diálogo – foi a explosão de um mal-estar acumulado. Esse malestar tem uma raiz clara e mensurável: a fraude eleitoral.

A fraude eleitoral não é um mero crime processual. Ela é a expressão máxima da intolerância. É a decretação, através de meios ilícitos, de que a voz do “outro” não merece ser ouvida e de que a sua escolha não pode ser permitida. É o acto de transformar o adversário político num inimigo a ser eliminado do tabuleiro, não pelas ideias, mas pela subtracção de votos.

Ignorar esta chaga aberta no coração do nosso sistema político é condenar o Diálogo Nacional ao fracasso antes mesmo da sua conclusão. Seria como tentar limpar uma ferida grave apenas na sua superfície, enquanto a infecção gangrena os tecidos mais profundos. Os sintomas podem ser mascarados por um tempo, mas o mal prosseguirá o seu curso devastador.

Sem uma resolução clara, inequívoca e vinculativa para este problema, todo este processo estará fadado a ser um monumental desperdício de tempo e de dinheiro público. Será a reedição de um guião já demasiado conhecido: muito ruído, muitas promessas e, no final, a perpetuação do status quo que nos empurrou para o abismo.

A fase de auscultação que agora decorre é o momento crucial para se ouvir não apenas os líderes partidários, mas a nação em gritante silêncio. É a oportunidade para se perceber que o povo moçambicano não clama por um consenso forjado ou por uma paz aparente. Ele exige justiça eleitoral.

A paz genuína e a convivência harmoniosa não se constroem sobre o alicerce podre da injustiça. Elas brotam do solo fértil da equidade, da transparência e da certeza de que cada voto vale o mesmo, é contado da mesma forma e determina, de forma irrevogável, a vontade geral.

Portanto, o grande desafio deste Diálogo não é encontrar uma forma de coexistência pacífica entre os partidos. O seu desafio primordial é forjar um pacto nacional que erradique os instrumentos da intolerância, começando pela implementação de um sistema eleitoral credível, independente e à prova de fraude.

Os recursos que estão a ser mobilizados para este processo – humanos, financeiros e políticos – são avultados. A expectativa criada na população é imensa. Gastá-los numa empreitada que evite tocar na ferida principal não é apenas um desperdício, é um crime de lesa-pátria. É decepcionar, uma vez mais, uma geração que anseia por um país normal.

Que este Diálogo Nacional Inclusivo tenha a coragem que os seus antecessores não tiveram. Que ele não seja um mero paliativo, mas a cirurgia profunda que o paciente Moçambique requer. O futuro da nação não se decide na capacidade de disfarçar conflitos, mas na coragem de os resolver na sua raiz. É essa a única esperança que nos pode tirar do fundo do poço

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