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DIÁLOGO NACIONAL INCLUSIVO: “Uma fantochada para legitimar certas pessoas no poder”

O director do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), Sérgio Chichava, lança duras críticas ao actual processo de Diálogo Nacional e Inclusivo em curso em Moçambique, classificando-o como uma “fantochada” criada para “legitimar a permanência de certas pessoas e partidos no poder”. Segundo o investigador, esta iniciativa não passa de um exercício político vazio, sem envolvimento dos verdadeiros actores sociais que têm protagonizado manifestações e protestos nos últimos anos.

Texto: Milton Zunguze

“Esse diálogo não é nacional, nem inclusivo. É apenas uma encenação. Criaram comités e estruturas que nada resolvem, sem a presença de quem realmente sente e vive os problemas do País”, afirma o investigador, em entrevista ao Dossiers & Factos. Para Chichava, o próprio modelo, assim como os interlocutores, levantam dúvidas: “Por que foi criado esse diálogo? O que é que o motivou? Foi o roubo? Foram as eleições falsas que geraram mortes, destruições e manifestações? Se não participam os rostos desses protestos, então não faz sentido chamá-lo de diálogo nacional.”

Ao comentar o tema, Chichava deixa claro que a paz e a reconciliação não se constroem com exclusão, mas com escuta e tolerância. “O desenvolvimento de Moçambique depende de políticas que realmente alcancem todos os moçambicanos, não apenas uma elite restrita. Para que este País avance, é preciso que as pessoas falem livremente, pensem livremente e se expressem sem medo”, sublinha.

Questionado sobre a qualidade da paz que o País vive, o director do IESE responde com uma provocação: “É possível você vir-me fazer essa pergunta sobre a paz em Moçambique mesmo? Só porque consegue tomar chá ou ir ao restaurante tomar café? E aqueles que estão em Mocímboa da Praia? Não são seus compatriotas, moçambicanos?” — questiona, num tom de indignação, lembrando que não há paz verdadeira enquanto cidadãos continuam a morrer em Cabo Delgado, vítimas de ataques terroristas, fome e abandono.

Para Chichava, é “doloroso brincar com a vida de outros moçambicanos” e fingir que há estabilidade quando persistem zonas do País em guerra. “Não se pode falar de paz quando há pessoas a morrer de fome, quando polícias e agentes do Estado são assassinados, quando há raptos e baleamentos diários. Isso não é paz. É apenas silêncio armado”, sustentou.

O investigador alerta para a ilusão da tranquilidade vivida em Maputo, afirmando que a “paz da capital” é uma paz selectiva, privilégio de poucos. “A paz de Maputo é só para algumas pessoas. Não é paz nacional. Mesmo assim, há mortes na capital, há assassinatos de agentes do Estado em circunstâncias estranhas. É como se o País estivesse desgovernado”, afirma.

Chichava lembra que a verdadeira paz exige justiça social e dignidade: “Não se pode falar de paz quando 60% ou 70% da população não sabe o que comer, não tem onde viver com dignidade ou vive em condições desumanas. Paz não é apenas calar as armas; é garantir que cada moçambicano tenha o mínimo para viver.”

Avanços e retrocessos pós-AGP

Na análise ao período pós-Acordo Geral de Paz, assinado em 1992, o director do IESE reconhece alguns ganhos, como o espaço — ainda que limitado — para a actuação da sociedade civil e a existência de um processo eleitoral formal. “Mesmo que as eleições não sejam totalmente livres, existe pelo menos o teatro da escolha, o que é melhor do que a imposição por via das armas”, admite.

Contudo, os retrocessos superam os ganhos. Para Chichava, Moçambique vive hoje sob “a concentração da riqueza e do poder nas mãos de poucos ligados a um sistema corrupto e nepotista”. “A maior parte dos moçambicanos está desgraçada. A oposição enfraqueceu e quase desapareceu. Estamos a voltar a um regime de partido único disfarçado de democracia”, alerta.

O investigador aponta ainda o agravamento da pobreza e da criminalidade como sinais de retrocesso. “Esperava-se que com a democracia viesse um futuro melhor, mas o futuro prometido em 1994 está cada vez mais distante. Apenas um punhado de indivíduos controla o Estado e beneficia dele.”

Em relação ao conflito em Cabo Delgado, Chichava considera-o o maior desafio à consolidação da paz, não apenas pela violência directa, mas pelo que ela revela: “A fragilidade das instituições e a incapacidade do Estado de proteger os seus cidadãos.”

Para este académico, o caminho para um País estável passa por credibilizar as eleições, reforçar a confiança nas instituições e criar oportunidades para os jovens. “Cada vez mais, os moçambicanos não acreditam que o seu voto muda alguma coisa. Sabem que tudo está definido antecipadamente. O país está numa encruzilhada e é preciso coragem política para o tirar desta desgraça”, adverte.

Em tom conclusivo, Chichava reforça que não há paz sem inclusão: “Não podemos continuar a ter uma paz selectiva. Todos os moçambicanos devem ser considerados, respeitados e protegidos. O diálogo só será verdadeiro quando todos tiverem lugar à mesa — e não apenas os que estão no poder.”

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