Apesar do crescimento projectado de 4,1% em 2025, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta que as fragilidades orçamentais, a elevada dívida e a redução da ajuda internacional podem comprometer a estabilidade da região subsaariana de África. Enquanto isso, Moçambique, classificado entre os países de rendimento médio baixo, enfrenta pressões fiscais e necessidade urgente de mobilizar receitas internas, num momento em que procura consolidar a credibilidade financeira conquistada com a recente saída da lista cinzenta do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI). A conquista representa um passo relevante para a recuperação da confiança internacional, contudo o FMI lembra que o País ainda enfrenta desafios estruturais que exigem disciplina fiscal e transparência na gestão da dívida.
Texto: Milton Zunguze
A economia da África Subsariana mantém-se surpreendentemente estável num contexto global de incerteza, revela o relatório Perspectivas Económicas Regionais: África Subsariana — Numa trajectória estável, publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no presente mês. O documento prevê que o crescimento da região se mantenha em 4,1% em 2025, com uma ligeira aceleração em 2026, sustentada por esforços de reformas e alguma estabilização macroeconómica. Mas, apesar da aparente resiliência, o Fundo alerta: “essa estabilidade não pode ser dada como garantida”.
Um dos alertas mais directos do relatório diz respeito à redução da ajuda pública ao desenvolvimento. A ajuda bilateral à região, que representa quase 1,5% do rendimento total, deverá cair entre 16% e 28% em 2025, segundo projecções da OCDE citadas pelo FMI, nas quais Moçambique está entre os países mais expostos à queda da ajuda internacional, ao lado de Burundi, Serra Leoa e Comores, e de acordo com o documento o impacto assinala que, em alguns Estados frágeis, as perdas poderão ultrapassar 10% das receitas públicas, atingindo serviços essenciais como saúde e educação.
A redução da ajuda ocorre num momento em que a economia moçambicana enfrenta custos crescentes de financiamento e pressões orçamentais. As receitas do Estado continuam aquém do necessário para financiar o investimento público e manter programas sociais básicos. Com o espaço fiscal reduzido e o acesso a crédito externo mais caro, o País tem recorrido crescentemente a financiamento interno, aumentando a interdependência entre o sector bancário e o Estado, um risco que o FMI considera estar “em expansão perigosa”.
A avaliação, que abrange 45 países da região, destaca que as vulnerabilidades macroeconómicas continuam elevadas, sobretudo nos países de rendimentos mais baixos e nas economias dependentes de recursos naturais. Para o FMI, a recuperação desigual, os choques externos sucessivos e a redução da ajuda internacional criam um ambiente de risco que poderá travar os avanços dos últimos anos.
Dívida alta e espaço orçamental reduzido
O relatório indica que 20 países da África Subsariana estão em risco elevado de sobreendividamento, e Moçambique está entre eles. Apesar de alguma estabilização nos rácios médios da dívida, esta mantém-se “num nível elevado”, e o peso dos juros sobre as receitas do Estado é uma das principais fontes de vulnerabilidade. Entre 2025 e 2027, o rácio juros/ receitas na região deve situar-se muito acima dos níveis observados noutras partes do mundo, deixando pouco espaço para despesas de desenvolvimento.
“O aumento dos custos do serviço da dívida está a reduzir os recursos disponíveis para a despesa pública e a travar o investimento produtivo”, nota o Fundo.
No caso moçambicano, a dependência de financiamento bancário interno agrava a situação. Quanto mais o Estado recorre aos bancos nacionais, mais sobe o custo do crédito e menor é o espaço para o financiamento privado. Este ciclo vicioso, que o FMI chama de nexus soberano-bancário, torna o sistema financeiro mais vulnerável a choques fiscais e limita o crescimento do sector produtivo.
Inflação controlada, mas vulnerabilidades persistem
A inflação na África Subsaariana recuou de mais de 6% em 2023 para cerca de 4% em 2025, impulsionada pela queda dos preços internacionais de alimentos e energia. Contudo, o Fundo alerta que um quinto da região deverá continuar com inflação de dois dígitos, incluindo países como Angola, Etiópia, Gana e Nigéria.
Em Moçambique, o abrandamento da inflação não tem sido suficiente para aliviar a pressão sobre os preços dos bens essenciais, devido à depreciação do metical e à dependência de importações.
As reservas externas continuam frágeis em muitos países, com um terço da região abaixo do nível recomendado de três meses de importações. Em Moçambique, as reservas rondam 2,5 meses, reflectindo as intervenções cambiais do Banco de Moçambique para conter a volatilidade da moeda.
Essas fragilidades, cambiais, fiscais e externas, reduzem a margem de manobra do governo para responder a novos choques, como desastres naturais ou flutuações nos preços das matérias-primas.
FMI insiste: [é preciso] mais receitas internas e gestão transparente da dívida
A edição de Outubro do Regional Economic Outlook dedica um capítulo especial à necessidade de mobilizar receitas internas e reforçar a gestão da dívida pública. A organização considera que estas duas políticas “são cruciais para consolidar a estabilidade macroeconómica e financiar necessidades urgentes de desenvolvimento”.
No campo tributário, o FMI defende que há “margem substancial” para aumentar as receitas através de digitalização, melhor administração fiscal e eliminação de isenções ineficazes, citando exemplos positivos, como o Ruanda (que apostou em sistemas electrónicos de declaração e pagamento de impostos) e o Togo (que integrou autoridades aduaneiras e tributárias com sucesso).
Para Moçambique, o desafio passa por modernizar a Autoridade Tributária, reduzir a informalidade e reforçar a confiança pública. A percepção de corrupção e a baixa literacia fiscal continuam a dificultar a adesão dos contribuintes. O Fundo recomenda “consultas amplas e comunicação transparente” para aumentar a aceitação social das reformas fiscais, um ponto sensível num contexto de desigualdade crescente.
O documento também sugere que países como Moçambique explorem mecanismos inovadores de financiamento, incluindo o uso de instrumentos mistos, que combinam capital público e privado, ou conversões de dívida em investimento social e ambiental, como ocorreu na Costa do Marfim e no Gabão. Essas soluções podem ser úteis, sobretudo num país com vulnerabilidade climática elevada e grande dependência de financiamento externo para infra-estruturas.




