– Governo promete reforçar a fiscalização e aposta na produção nacional para garantir alimentos mais nutritivos
A fortificação de alimentos — prática de adicionar micronutrientes essenciais como ferro, zinco, vitamina A e ácido fólico a produtos de consumo básico — está a consolidar-se em Moçambique como uma solução silenciosa, mas eficaz, no combate à desnutrição crónica que afecta milhões de cidadãos. Embora pouco perceptível ao consumidor comum, esta estratégia tem sido fundamental para melhorar o estado nutricional da população, sobretudo nas zonas rurais, onde o acesso a uma dieta diversificada é limitado.
Texto: Hélio de Carlos
Recentemente, o Ministério da Economia, através do Comité Nacional de Fortificação de Alimentos (CONFAM), organizou na cidade de Maputo um workshop de divulgação dos resultados do Estudo de Mercado – Relatório Pull Strategy, um levantamento que analisa o grau de cumprimento do Decreto n.º 9/2016, de 18 de Abril. Este diploma legal estabelece a obrigatoriedade de fortificar determinados produtos alimentares, nomeadamente farinha de milho, farinha de trigo, sal e açúcar, como forma de prevenir e controlar as deficiências de micronutrientes na população moçambicana.
O estudo teve como objectivo compreender o comportamento do mercado, identificar as marcas que efectivamente cumprem as normas de fortificação e recolher dados que ajudem o Governo a delinear políticas públicas mais ajustadas. As amostras analisadas foram recolhidas em quatro regiões do País — cidade e província de Maputo, Sofala e Nampula — representando uma diversidade de contextos urbanos e rurais.
De acordo com os resultados divulgados, 100% dos produtos identificados nas prateleiras apresentavam algum nível de fortificação. Contudo, apenas entre 70% e 75% respeitavam plenamente as quantidades e os padrões estabelecidos pelo decreto, o que revela avanços significativos, mas também lacunas preocupantes no processo de implementação.
Desafios e implicações do estudo
Durante o encontro, a coordenadora da CONFAM, Eduarda Zandamela Mungoi, destacou que o estudo, apesar de inicial, constitui um importante instrumento de diagnóstico para orientar futuras acções. “Este levantamento foi essencial para termos uma fotografia real do mercado. Mostra que estamos a caminhar na direcção certa, mas também evidencia que há trabalho a fazer, sobretudo no controlo e na monitoria”, afirmou.
Segundo Mungoi, o Governo encara os resultados com optimismo, mas também com prudência. “Há produtos que não estão fortificados na medida exigida, e isso deve servir de alerta para a necessidade de uma fiscalização mais apertada. A inspecção deve reforçar a sua actuação, porque a fortificação não é apenas uma recomendação — é uma obrigação legal”, sublinhou.
O relatório do Pull Strategy indica ainda que alguns produtos importados não cumprem os parâmetros definidos pelo Estado moçambicano, e, em certos casos, são fortificados de acordo com normas de outros países, como a África do Sul. “Isto pode criar uma falsa sensação de segurança alimentar. Pensamos que os produtos são fortificados, mas os nutrientes adicionados podem não responder às carências nutricionais específicas do nosso contexto”, alertou a coordenadora.
Outro problema levantado diz respeito à entrada de produtos ilegais através das fronteiras, fenómeno que compromete a qualidade dos alimentos e a protecção do consumidor. As autoridades defendem, por isso, uma vigilância mais efectiva nas fronteiras e uma cooperação reforçada entre os sectores da saúde, agricultura e comércio.
Fiscalização e fortalecimento da indústria nacional
Para o Governo, o combate à desnutrição deve caminhar lado a lado com o fortalecimento da indústria nacional. A produção interna de alimentos fortificados é vista não apenas como uma medida de saúde pública, mas também como um motor de desenvolvimento económico, capaz de gerar emprego, reduzir as importações e garantir a auto-suficiência alimentar.
Eduarda Mungoi referiu que há potencial suficiente para que Moçambique produza e fortifique localmente produtos essenciais como o sal e a farinha de milho. “Temos uma costa extensa que permite explorar o sal marinho e várias moagens espalhadas pelo país que podem ser capacitadas para cumprir as exigências de fortificação. O desafio está em garantir que o processo decorra com qualidade e dentro dos padrões legais”, explicou.
A responsável sublinhou ainda que o sector privado tem um papel determinante neste esforço. “A fortificação não é uma tarefa exclusiva do Estado. É um processo transversal, que deve envolver produtores, distribuidores, comerciantes e consumidores. Só com esta articulação poderemos garantir alimentos mais seguros e nutritivos”, reforçou.
No encontro, foi igualmente destacada a necessidade de rever o Decreto de 2016, de modo a adaptá-lo à nova realidade institucional e territorial do país, marcada pela descentralização e pelo papel crescente dos municípios. “O decreto foi elaborado num contexto diferente. Hoje temos novas estruturas administrativas e maior capacidade de fiscalização local, o que pode facilitar o acompanhamento e o cumprimento das normas”, acrescentou Mungoi.
Monitoria contínua e responsabilização
O Ministério da Economia e Finanças considera que o processo de fortificação está no bom caminho, mas exige monitoria permanente e responsabilização efectiva das indústrias que não cumprem os parâmetros legais. O estudo servirá, segundo as autoridades, de base para criar um sistema mais rigoroso de inspecção e de controlo da qualidade dos produtos que chegam ao consumidor.
Eduarda Mungoi adiantou que a cooperação entre o Estado, a sociedade civil e os parceiros de desenvolvimento será determinante para consolidar os ganhos alcançados. “Este exercício mostrou que o envolvimento da sociedade civil é fundamental. São eles que nos ajudam a aferir, no terreno, se as normas estão a ser cumpridas e onde precisamos de intervir”, referiu.
O Governo pretende, nos próximos meses, reforçar os mecanismos de fiscalização e introduzir medidas de incentivo às empresas que cumpram exemplarmente as normas de fortificação. “Queremos premiar as boas práticas, mas também responsabilizar quem coloca em risco a saúde pública. A fortificação é uma política de interesse nacional e deve ser tratada como tal”, sublinhou a coordenadora.
Um passo firme rumo à erradicação da desnutrição
A fortificação de alimentos em Moçambique está, assim, a consolidar- se como uma ferramenta silenciosa mas poderosa de combate à desnutrição, complementando outras iniciativas de segurança alimentar e nutricional. Os resultados do estudo representam um avanço significativo, ainda que insuficiente, para garantir que cada moçambicano tenha acesso a alimentos mais nutritivos e seguros.
Com o empenho do Governo, o envolvimento do sector privado e a vigilância da sociedade civil, o país dá passos firmes rumo à redução das carências nutricionais que ainda afectam mais de 40% das crianças moçambicanas. O desafio, agora, é transformar a fortificação de alimentos de uma política técnica num verdadeiro compromisso nacional pela saúde e pelo desenvolvimento humano




