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DIANTE DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS: Governo defende massificação da agricultura irrigada



– Agricultores reclamam dos altos custos de energia!

O Governo pretende transformar a irrigação num dos pilares da soberania alimentar e da segurança produtiva de Moçambique. A mensagem foi transmitida pelo ministro da Agricultura, Ambiente e Pescas (MAAP), Roberto Albino, durante um encontro de trabalho realizado recentemente com a direcção e técnicos do Instituto Nacional de Irrigação (INIR), em Maputo, no qual avaliou o estado actual dos 297 regadios existentes no País e delineou o plano de acção para o quinquénio 2025–2029.

Texto: Milton Zunguze ~

Ao afirmar categoricamente que “a agricultura baseada na chuva já mostrou não ser sustentável”, Roberto Albino reiterou que as alterações climáticas estão a modificar radicalmente as condições de produção e que o País precisa de “apostar na irrigação para vencer a guerra da soberania alimentar”.

O encontro, que se enquadra na preparação estratégica do novo ciclo governativo, marca uma inflexão na política agrícola do País, priorizando a massificação da agricultura irrigada, tanto através da recuperação e expansão dos grandes regadios públicos, como pelo investimento em capacidades individuais de irrigação, com o envolvimento activo do sector privado.

Da dependência da chuva à irrigação planeada

O ministro reconheceu que o modelo agrícola predominante, dependente das chuvas, “não tem garantido a previsibilidade e a segurança alimentar necessárias”. Face à irregularidade das precipitações e ao avanço das secas, o Estado pretende substituir a vulnerabilidade climática por uma abordagem técnica e permanente de gestão da água.

A estratégia parte do princípio de que a irrigação não é apenas uma questão de engenharia hidráulica, mas um investimento económico e político, com impacto directo na produtividade, no emprego rural e na balança comercial. No caso concreto dos regadios do Baixo Limpopo e de Chókwè, considerados os maiores sistemas de irrigação do País, Roberto Albino apresentou números para ilustrar o potencial: “com 4,5 milhões de dólares é possível colocar 19.500 hectares em plena produção, um dos investimentos mais rentáveis que Moçambique pode fazer”.

Extinção da RBL

Um dos pontos centrais da nova política é a mudança estrutural e institucional na gestão dos regadios. O Governo decidiu extinguir a empresa pública Regadio do Baixo Limpopo (RBL), que durante anos geriu dois dos principais sistemas de regadio do País — o Baixo Limpopo e Chókwè.

Segundo o ministro, o modelo de gestão pública directa “não se mostrou sustentável”, acumulando encargos financeiros para o Estado e ineficiências operacionais que comprometeram a manutenção das infra-estruturas e o fornecimento regular de água aos produtores.

“O Governo avaliou o modelo da RBL e concluiu que não era sustentável. Por isso, decidimos extinguir a empresa e transferir a gestão dos dois regadios directamente para o INIR. Foram criadas duas novas unidades de gestão, uma para o Baixo Limpopo e outra para Chókwè, com metas e planos de acção concretos”, anunciou Roberto Albino.

O governante sublinhou que “a soberania alimentar começa com a soberania do arroz”, enfatizando a necessidade de reduzir a dependência das importações deste cereal, que actualmente ultrapassa os 200 milhões de dólares anuais. Contudo, reconheceu que a produção irrigada só será sustentável se houver integração com o sistema de comercialização e processamento agro-industrial.

“Vamos fazer o nosso esforço de produção, mas é necessário que haja comercialização, processamento e entrada do produto no mercado. Porque aqui temos um problema de ovo e galinha. As medidas de comercialização precisam de matéria-prima. A nossa responsabilidade, como Ministério da Agricultura, é focar todas as energias para assegurar a produção”, destacou o ministro.

Gestão participada e sector privado como parceiro

Uma das apostas centrais da nova política é o modelo de gestão participada dos regadios, que prevê contractos entre o Estado, os produtores e o sector privado. Roberto Albino deixou instruções claras: todos os contractos de gestão participada devem ser assinados antes do lançamento da campanha agrária, de modo a evitar a perda de um ciclo produtivo inteiro.

“Está comprovado que o modelo em que cada pequeno produtor paga sozinho as despesas de operação e manutenção não funciona. O Estado não pode continuar a pagar a factura de energia de cada regadio. É preciso que os produtores se organizem, atraiam investidores e criem unidades de gestão sustentáveis”, afirmou.

Segundo o ministro, o papel do sector privado será determinante não apenas no financiamento, mas também na manutenção das infra-estruturas, na limpeza dos canais e na gestão dos equipamentos de colheita. A ideia é criar parques de prestação de serviços agrícolas, onde os produtores possam aceder a máquinas mediante o pagamento de taxas acessíveis.

297 Regadios e o desafio da sustentabilidade

O País conta actualmente com 297 regadios, que cobrem cerca de 180 mil hectares infra-estruturados, segundo dados do INIR. Contudo, apenas entre 45% e 50% dessa área está a ser efectivamente aproveitada, o que evidencia um enorme desperdício de potencial agrícola. O director-geral do INIR, Delfim Vilissa, reconheceu que o principal desafio é “fazer melhor aproveitamento das infra-estruturas já existentes”, sobretudo num contexto de crescente vulnerabilidade climática.

“Temos regadios com valas e canais assoreados, sistemas de drenagem inoperacionais e equipamentos degradados. Só em Chókwè, por exemplo, são 33 mil hectares, mas grande parte dos canais precisa de limpeza e reabilitação”, explicou Vilissa.

No Baixo Limpopo, a situação é semelhante: dos 100 mil hectares de potencial agrícola, apenas 17 mil estão infra-estruturados e em uso regular. O restante depende de investimentos “extremamente elevados”, incluindo máquinas pesadas para desassoreamento, reabilitação de canais e manutenção das valas de drenagem.

 Para enfrentar esses desafios, o INIR estima ser necessário um investimento imediato de 4,5 milhões de dólares, destinados à aquisição de escavadoras, camiões basculantes, ceifeiras e outros equipamentos agrícolas para os dois regadios. A meta é preparar pelo menos 20 mil hectares para a próxima campanha agrária, o que poderia resultar em 80 mil toneladas de produção agrícola, com o arroz como principal cultura.

O arroz foi escolhido como cultura estratégica para os regadios do Baixo Limpopo e Chókwè, não apenas pelo seu peso no consumo interno, mas também pelas condições agro-ecológicas favoráveis das zonas baixas do sul do País.

O custo da energia e o grito dos agricultores

Apesar das boas intenções políticas, os agricultores continuam a enfrentar custos elevados, sobretudo na energia eléctrica usada para a bombagem de água. Inácio Pereira, produtor agrícola, considera que os altos custos de energia para o funcionamento de certos equipamentos agrícolas são um entrave para o sector.

“O preço da energia é bastante alto. Para os camponeses, é difícil recuperar esse custo. Precisamos de tarifas bonificadas específicas para a agricultura, senão o esforço será em vão”, defendeu.

A situação é reconhecida pelo Governo, que admitiu: “já existe uma taxa bonificada, mas não no nível de bonificação desejado”.

Os regadios do Baixo Limpopo e de Chókwè

Nos regadios do Baixo Limpopo, as acções prioritárias incluem a limpeza das valas de drenagem (24 milhões de meticais), manutenção das vias de acesso (8 milhões), reparação de equipamentos (17 milhões) e aquisição de nova maquinaria, incluindo uma escavadora de lança comprida, dois camiões basculantes e oito ceifeiras.

O objectivo é colocar 9.500 hectares em plena produção já na próxima campanha, concentrando-se na cultura do arroz e em pequenas áreas de milho e feijões.

Em Chókwè, onde os canais principais somam quase 100 quilómetros, o nível de reabilitação atinge apenas 54% e, nos canais secundários, 45%. O problema mais grave, segundo as autoridades locais, é a drenagem, essencial para evitar inundações e controlar o ciclo hídrico.

“Estamos a trabalhar com duas escavadoras e a recuperar uma terceira. O desafio é limpar os canais antes do pico das chuvas”, explicou um técnico local durante o encontro.

O plano prevê mobilizar os produtores para cuidarem dos canais secundários, enquanto o INIR se concentra nos sistemas principais. A meta é disponibilizar 10 mil hectares produtivos em Chókwè, mediante um reforço orçamental de 68 milhões de meticais.

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