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DISCURSO ANTI-CORRUPÇÃO É FACHADA NO PAÍS: Impunidade, desinteresse e partidarismo marcam gestão do Estado

De escândalos financeiros nas empresas públicas a denúncias de nepotismo em ministérios, passando por actos de má gestão em instituições de soberania, Moçambique continua a viver uma sucessão de casos graves que, apesar da sua dimensão e impacto, não tiveram qualquer consequência prática por parte das entidades de Justiça. Sob a liderança de Filipe Jacinto Nyusi e, agora, de Daniel Francisco Chapo, o País mantém um padrão de impunidade que contrasta de forma gritante com o discurso oficial de combate à corrupção, desde sempre muito propalado por todos os Presidentes. Neste trabalho, Dossiers & Factos revisita alguns dos casos sonantes dos últimos anos.

Texto: Mudumela Macassane

Num olhar superficial, não há outra empresa pública que simboliza tão bem o descalabro da gestão e a ausência de responsabilização como a Linhas Aéreas de Moçambique (LAM). Nos últimos anos, a transportadora nacional tornou-se o principal espelho da má administração, desvio de fundos e desleixo institucional, sempre sustentado pelo Estado para a sua continuidade.

O caso mais fresco é precisamente do mês passado, na qual a Comissão de Gestão e o Conselho de Administração da LAM tornaram pública a suspensão dos directores financeiro, do Departamento Jurídico e de outros quadros seniores, após um diagnóstico interno ter detectado o desvio de 48 milhões de meticais por meio de negócios falsos ou sobrefacturados supostamente relativos à serviços de tradução.

Fontes internas afirmam, porém, que o Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) já conhecia o esquema há pelo menos dois anos, sem que, no entanto, tivesse tomado alguma acção. O caso, segundo sabe Dossiers & Factos, só veio a público quando o novo órgão de gestão descobriu uma recente tentativa de um outro saque financeiro por via de um pedido de pagamento de uma nova factura deste sistema de roubo.

Mas este não foi o primeiro escândalo a manchar a imagem da empresa. Outros tantos ocorerram, pelo menos nos últimos 10 anos. Contudo, vale lembrar que, em Fevereiro de 2024, a também problemática empresa sul-africana Fly Modern Ark, que à época geria a LAM, denunciou um suposto esquema de roubo de cerca de USD 3 milhões através do uso indevido de terminais POS nos pontos de venda de bilhetes, que no final das contas, ninguém soube se esta denúncia correspondia a factos reais, malentendidos ou falso alarme.

Para este caso em especial, na altura, o Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE) comunicou ter solicitado uma investigação à Procuradoria da República da Cidade de Maputo, mas, quase dois anos depois, o processo permanece envolto em silêncio — sem relatórios, sem responsabilizações e sem recuperação dos possíveis valores.

Estes casos demonstram que, para além da fragilidade de controlo interno, poderá haver conivência das instituições fiscalizadoras, que se limitam a reagir quando a pressão mediática se torna insustentável.

Escândalos no Governo e ausência de sanções

Entretanto, a LAM está longe de ser a única fonte de escândalos, que por sinal também afectam o próprio Executivo, destacando-se aqui o incontornável caso do actual ministro da Agricultura, Ambiente e Pescas, Roberto Mito Albino, que está literalmente na boca do povo, por estar associado à práticas ilícitas.

O primeiro diz respeito ao concurso público promovido pelo Instituto de Algodão e Oleaginosas de Moçambique (IAOM) para criar uma plataforma digital destinada às cadeias de valor do algodão e das oleaginosas.

O concurso, entretanto suspenso pelo Tribunal Administrativo, havia sido ganho pela Future Technology of Mozambique, uma empresa criada semanas antes do lançamento e pertencente a sócios com ligações directas ao ministro. A adjudicação levantou sérias suspeitas de conflito de interesses e favorecimento indevido, mas Albino mantém-se firmemente no cargo.

O segundo escândalo relaciona-se com o abate ilegal de cerca de 20 metros cúbicos de madeira numa área de 50 hectares, supostamente a mando da mesma figura, por sinal titular do Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT), quando este ainda dirigia a Agência de Desenvolvimento do Vale do Zambeze. Apesar das denúncias e provas documentais, o ministro tende a escapar “por entre os pingos da chuva”.

Comissões de Inquérito: o expediente da impunidade

Regra geral, sempre que um escândalo público ameaça abalar os corredores do poder, o Estado moçambicano tem recorrido a um expediente já conhecido: a criação de comissões de inquérito de fantochada. Estas estruturas, apresentadas como instrumentos de transparência, raramente produzem resultados concretos, suspeitando-se que funcionem, na prática, como válvulas de escape político, até porque os envolvidos, maioritariamente, fazem parte do círculo político-partidário que governa o País – Frelimo.

Houve também promessa de inquérito após a evasão de 1.500 reclusos dos Estabelecimentos Penitenciário de Máxima Segurança da Machava, vulgarmente conhecido como B.O e Provincial de Maputo – Cadeia Central, ocorridos em Dezembro de 2024.

O Governo anunciou de imediato a criação de uma comissão de inquérito para apurar as circunstâncias daquela massiva evasão — a mais grave da história penitenciária do País. Sucede que, 10 meses depois, nada se sabe sobre o andamento dos trabalhos de inquérito nem sobre eventuais responsabilizações.

O mesmo se verificou no Tribunal Administrativo (TA), sacudido em Janeiro de 2023 por uma denúncia interna de suposta corrupção, nepotismo e venda de processos de auditoria, envolvendo directamente o contador-geral, Jeremias Zuande. Aquele órgão judiciário, que é o auditor-mor das contas públicas, prometeu, na altura, resultados em apenas 20 dias, mas passados mais de dois anos, o relatório continua oculto, e os nomes dos integrantes da aludida comissão nunca foram revelados, e os eventuais responsáveis de certeza seguem impunes.

Mesmo no âmbito cultural, há borradas financeiras, bastando para tal lembrar o caso da estátua de Eduardo Mondlane, inaugurada em Setembro de 2024 ao custo de 22 milhões de meticais, e que foi entregue a uma equipa técnica” após duras críticas públicas sobre o desperdício e a má execução da obra. Um ano depois, o relatório permanece invisível — mais um processo arquivado sob o peso do silêncio, com quem diz os cães ladram enquanto a caravana passa.

Raptos e homicídios não escapam à regra

Nos últimos anos, as principais praças urbanas do País, com destaque para as cidades de Maputo e Matola, têm sido recorrentemente abaladas por episódios de raptos, tendo como principais alvos empresários, assim como o tráfico e venda de drogas, desaparecimento em postos policiais de quantidades de drogas, sem nenhuma explicação.

À semelhança do que sucede com os escândalos acima referidos, estes crimes dificilmente são esclarecidos, contribuindo sobremaneira para a deterioração do ambiente de negócios no País.

O último caso de que se tem memória é do empresário português raptado a 07 de Outubro em plena Avenida Zedequias Manganhela, na Baixa da cidade de Maputo. Apesar da pressão diplomática exercida pela Embaixada da Ordem Soberana Militar do Malta, o caso ainda não foi resolvido, correndo o risco de engrossar o já volumoso cadastro de “casos malparados” neste quesito.

Ironicamente, essa lista inclui agentes da Polícia da República de Moçambique e do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), que nos últimos meses tem sido assassinados de forma fria em plena praça pública, sobretudo no Município da Matola.

O caso mais fresco foi da comandante distrital de Marracuene, Leonor Inguane, crivada de balas a 24 de Outubro, na estrada Circular de Maputo, num caso de arrepiar a qualquer um.

Esta breve radiografia revela fielmente que, quer em matéria de combate à corrupção e outros práticas lesivas ao Estado, quer em matéria da segurança pública, a acção de quem de direito, não vai, na maioria das vezes, para além do vazio das próprias palavras. Enquanto isso, o País chora.

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